Após 330 dias de pré-campanha, Beto Albuquerque (PSB) anunciou nesta segunda-feira (1º) a renúncia à candidatura ao governo do Rio Grande do Sul. O desacerto com a federação liderada pelo PT, a dificuldade de agregar apoio e a escassez de recursos levaram o ex-deputado federal a se retirar da disputa.
— Lutei para ser candidato, desejei, mas não posso ser candidato sem que haja um mínimo de condições para disputar a eleição. Não basta ser candidato, é preciso ter chances, possibilidades reais de disputar de igual para igual com os demais pretendentes — afirmou Beto em entrevista coletiva na sede do partido.
Apesar da defecção de seu maior nome no Estado, o PSB reafirmou a disposição de apresentar candidatura própria ao governo do RS e ao Senado. A chapa seria anunciada oficialmente na quarta-feira (3), mas no fim da tarde o partido confirmou o ex-vice-governador Vicente Bogo ao Piratini, tendo Josi Paz de vice e Airto Ferronato ao Senado.
Aos 59 anos, ex-deputado federal e estadual e duas vezes secretário de Estado, Beto está se retirando das disputas eleitorais. O socialista seguirá vinculado ao PSB, do qual é vice-presidente nacional, e irá viajar o país ajudando nas campanhas regionais, mas a partir de 2023 pretende se dedicar à advocacia privada e à histórica militância pelo estímulo à doação de medula.
Na sede do PSB, rodeado de correligionários, Beto justificou as razões de sua renúncia. O isolamento partidário foi o mais citado, sobretudo a partir do fracasso na derradeira negociação com o PDT, o que lhe deixou com apenas os 40 segundos na propaganda de rádio e TV.
— É impossível manter uma candidatura que quer ganhar a eleição solitariamente, com 40 segundos e poucos recursos — resumiu.
A aliança local com o PT, desejada pela direção nacional dos dois partidos, não avançou diante da resistência de ambas as siglas em abrir mão da cabeça de chapa. Enquanto o PSB sustentava que Beto tinha melhor performance nas pesquisas e maior capacidade de atrair o eleitor de centro, o PT afirmava ser maior, ter mais deputados e que Edegar Pretto mobilizava mais a militância de esquerda, sobretudo em dobradinha com a candidatura nacional de Lula.
Ao final, as diferenças se mostraram incontornáveis e Pretto agregou o apoio de outros quatro partidos, ao tempo em que PSB permaneceu sozinho. Todavia, já no início das negociações o ambiente estava envenenado por mágoas antigas. O PSB sempre reclamou da vocação hegemônica do PT na discussão de alianças, queixa repetida por Beto na entrevista.
Já no PT ainda viceja um ressentimento pela postura do então aliado em 2014, quando o PSB saiu do governo Tarso — no qual tinha o vice-governador e Beto status de supersecretário à frente da pasta de Infraestrutura e Logística — para engrossar a campanha ao Piratini de José Ivo Sartori (MDB). Desde então, o PSB fez parte dos governos Sartori e Eduardo Leite, aos quais o PT fez severa oposição. Para Beto, esse argumento é mera desculpa dos petistas para se negarem a abrir espaços a outras legendas de esquerda.
— Esse diálogo de que "eu tenho um partido maior do que o teu', de que "eu tenho mais deputados de que vocês", não constrói nada — disparou o socialista, antes de reafirmar o desejo do PSB de não mais ser coadjuvantes nas disputas majoritárias:
— O PSB andou na carroceria do caminhão por muito tempo e apoiou muita gente. Qual é o problema de uma vez na história o PSB querer governar o Estado? Qual pecado cometemos? A gente acha que chegou a hora de dirigir o caminhão — sustentou Beto.
Beto havia lançado sua candidatura em congresso do PSB em setembro do ano passado. Na ocasião, o partido contava com o apoio da Rede, mas desde então não só perdeu o único aliado como não conseguiu fechar nenhuma outra aliança. Na negociação com as demais legendas, a exigência da cabeça de chapa já no início das conversas soava personalista e autoritária, praticamente inviabilizando o diálogo.
Beto tentou atrair legendas de todos os campos políticos, mas não obteve êxito. As costuras à esquerda, com o PDT, ao centro, com o PSD, e à direita, com o União Brasil, nunca prosperaram. As dificuldades aumentaram à medida em que o PSB formalizou a aliança nacional com o PT, indicando Geraldo Alckmin como vice de Lula, e priorizou candidaturas próprias em cinco Estados: Rio de Janeiro, Maranhão, Espírito Santo, Pernambuco e Paraíba.
Beto queria ser o candidato de Lula no Rio Grande do Sul, mas dentro do próprio PSB crescia um sentimento de que a entrada de Eduardo Leite na disputa retirava do partido boa parte do eleitorado de centro. Para agravar o cenário, sua ausência no evento realizado por Lula e Alckmin em Porto Alegre, em junho, irritaram a direção nacional do PSB. Embora diga que não foi convidado, a desfeita diante do primeiro evento público da chapa nacional sedimentou na cúpula socialista a certeza de que Beto caminhava para o isolamento.
— Achei que a não ida lá mostraria ao Lula a realidade da ausência de diálogo com o PT — justificou.
Na sequência, a oferta de palanque para Ciro Gomes em troca do apoio do PDT estadual quase abreviou sua candidatura. O ato, desferido sem consulta prévia à presidência do PSB, revoltou os dirigentes nacionais. Como revide, eles ameaçaram asfixiar financeiramente as pretensões de Beto.
O gaúcho foi a Brasília e conseguiu autorização para dividir o palanque regional entre Lula e Ciro. Na retomada das conversas, porém, o PDT preferiu manter candidatura própria, selando definitivamente a solidão de Beto. Também pesou a decisão do PSB de destinar apenas 20% do fundo eleitoral às campanhas majoritárias, reservando os 80% restante às candidaturas de deputado federal e estadual.
Na semana passada, Beto já estava disposto a abandonar a corrida eleitoral, mas o vazamento da decisão em uma reunião da direção nacional do PT levou o partido a excluir definitivamente qualquer chance de aliança com os petistas no Estado. Beto viajou a Brasília na quarta-feira (3) e chegou a conversar com Lula durante a convenção nacional do PSB, mas não havia mais o que fazer. O gaúcho comunicou à direção do partido que estava saindo da corrida ao governo do Estado e convocou uma entrevista para formalizar a renúncia.
— Aqueles que agouraram minha candidatura perderam seu tempo. Saio por vontade própria — provocou na despedida.
Novo candidato do PSB
Nascido em Rio do Oeste, em Santa Catarina, Vicente Bogo é professor. Começou na política em Santa Rosa, no noroeste gaúcho, onde foi suplente de vereador em 1982. Já na eleição seguinte se elegeu deputado federal constituinte. Fundador do PSDB, foi ainda vice-prefeito de Santa Rosa e vice-governador do Estado na gestão de Antônio Britto (1995-1998). Na sequência, liderou entidades ligadas ao cooperativismo, tendo concorrido ao Senado em 2002. Aos 65 anos, é secretário do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul).