O eleitor que se debruçar hoje sobre a sopa de letrinhas da política partidária brasileira perceberá mudanças expressivas desde as últimas eleições gerais, em 2018, tanto entre as siglas tradicionais quanto nas legendas menos expressivas. De lá pra cá, 11 partidos mudaram de nome, se fundiram, foram criados ou incorporados por outras legendas.
A mudança no cenário é tamanha que o partido hoje detentor do maior tempo de propaganda de TV e da maior fatia dos recursos do fundo eleitoral sequer existia em 2018. Trata-se do União Brasil (União), criado no início de 2022, fruto da fusão do Democratas (DEM) com o Partido Social Liberal (PSL).
Outras quatro legendas trocaram de nome no período. Nessa lista, está o Partido da República (PR), que, em 2019, mudou para Partido Liberal (PL). O seu filiado mais famoso é o presidente da República, Jair Bolsonaro, defensor de pautas conservadoras.
Também mudou de roupagem o Partido Republicano Brasileiro (PRB), com raízes na Igreja Universal do Reino de Deus. Passou a se chamar apenas Republicanos a partir de 2019.
Naquele mesmo ano, o Partido Popular Socialista (PPS) virou Cidadania. Outrora associado à centro-esquerda, aproximou-se da centro-direita e atualmente compõe uma federação partidária (aliança por quatro anos) com o PSDB.
O PTC fecha a lista daqueles que decidiram, recentemente, tirar a expressão "partido" de seus nomes. Em 2022, o Partido Trabalhista Cristão passou a se chamar Agir.
— A gente espera que o partido seja uma etiqueta que o eleitor possa utilizar na hora de decidir o seu voto. A mudança dos nomes prejudica essa utilidade dos partidos para o eleitor. É na identificação dos partidos que o eleitor pode recompensar as boas gestões e punir as más — avalia o professor de Ciência Política da PUCRS Augusto Oliveira.
Há também os casos de legendas nanicas que, sob o risco de desaparecerem, foram incorporadas por partidos com maior estrutura. Nesse movimento, em 2019, o Partido Humanista da Solidariedade (PHS) foi levado para dentro do Podemos; o Partido Republicano Progressista (PRP) foi absorvido pelo Patriota; e o Partido Pátria Livre (PPL) foi abarcado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
O único partido criado do zero, desde as eleições de 2018, é o Unidade Popular. Nascido, de acordo com o seu estatuto, com o "objetivo de apoiar a luta pelo socialismo", o UP obteve registro em 2019 após cumprir as exigências legais.
Para criar um partido no Brasil, é preciso, entre outras formalidades, comprovar a assinatura de mais de 492 mil eleitores em, pelo menos, nove unidades da Federação. As assinaturas têm de ser colhidas no intervalo de dois anos a partir do registro do CNPJ. Conforme dados do TSE, além dos 32 partidos já registrados no país, há tentativas formais de criar outros 31.
Brasil vive instabilidade partidária, diz cientista política
Silvana Krause, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), avalia que há um cenário de "instabilidade partidária" no país. Sem individualizar a análise, a docente indica que as mudanças nos partidos refletem essencialmente interesses de sobrevivência política.
— Há vários estudos mostrando que, no Brasil, a fusão, a formação de partidos e a mera mudança de nome são predominantemente reações de elites partidárias, estratégias de sobrevivência — diz.
A pesquisadora acrescenta que essas alterações só são interessantes aos envolvidos porque há uma tradição personalista na política brasileira, em que o político consegue frequentemente carregar os seus votos, independentemente do partido.
— Essas mudanças partidárias, essas ações das lideranças políticas são feitas porque eles sabem que os prejuízos serão poucos. O político sabe que o eleitor é dele, que o curral eleitoral é dele — pontua Silvana, que também é secretária-geral da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais.
O cientista político Augusto Oliveira diz que os partidos brasileiros vivem um momento de crise e, nesse contexto, adotam estratégias de "rebranding" — expressão do marketing que diz respeito ao reposicionamento de uma marca.
— Isso tem a ver com as ondas de protestos de 2013, depois com a Lava-Jato e com toda a desconfiança com a política. Os partidos, que nunca foram muito importantes (para os eleitores), de repente passaram a ser mal-vistos, passaram a ser um prejuízo aos candidatos. Isso gerou uma onda de rebranding, de tentar mudar a marca, de tentar se desconectar da política tradicional — aponta Oliveira.
O pesquisador avalia como positivos os casos de incorporações partidárias — quando um partido segue existindo, mas absorve a estrutura e os filiados de outra legenda. Para ele, isso tem o efeito positivo de reduzir o número de legendas e ampliar a representatividade das siglas.
— As incorporações têm relação com a questão de sobrevivência dos partidos diante da cláusula de desempenho eleitoral — acrescenta.
Em 2017, o Congresso aprovou uma cláusula de desempenho que incentiva a fusão e incorporação de legendas. A emenda à Constituição definiu critérios mínimos de desempenho eleitoral para que um partido tenha acesso ao dinheiro do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão.
A implementação da cláusula de desempenho é gradual e, em 2022, exige que o partido obtenha, para a Câmara dos Deputados, mínimo de 2% dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação ou eleja pelo menos 11 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.