O grupo de Facebook "Mulheres contra Bolsonaro" só tem milhares de usuários porque já existia antes, sob outro nome. Adelio Bispo Oliveira, autor do ataque contra o militar da reserva, foi recebido por deputados do PSOL em Brasília, em 2013. Mas o ataque nem aconteceu, já que Bolsonaro premeditou tudo e até cansou do “teatrinho” no hospital. Informações como essas, por mais que possam soar absurdas, enganaram muitos nas redes sociais. São exemplos de como o primeiro turno das eleições brasileiras foi marcado por fake news.
Para combatê-las, uma aliança nacional foi formada por 24 veículos de mídia. O Comprova, desde 6 de agosto, checa boatos e notícias falsas sobre candidatos à Presidência. GaúchaZH faz parte do projeto– além disso, também conta com a iniciativa É Isso Mesmo?, focada em candidatos Piratini. .
Dos cem boatos checados pelo Comprova até quinta-feira, 90 eram falsos. Os mais implicados foram Lula, Fernando Haddad e Manuela D’Ávila, com 38 checagens, seguidos por Bolsonaro, com 34.
Entre as checagens do Comprova publicadas em GaúchaZH, oito das 10 mais lidas envolvem Jair Bolsonaro (PSL). As outras duas versam sobre a apreensão de material de campanha de Gleisi Hoffmann (PT), que ocorreu de fato, e comprovam que a candidata a vice de Fernando Haddad, Manuela D'Ávila (PCdoB), não tem tatuagens dos líderes comunistas Che Guevara e Lênin.
Iniciativas de checagem surgem para conter o potencial de fake news viralizarem e, com isso, influenciarem o pleito eleitoral. Pesquisa do Instituto Ipsos com 19,2 mil pessoas em 27 países, feita entre junho e julho deste ano, apontou que o brasileiro é o povo que mais acredita em notícias falsas – 62% da população. Em seguida, estão Arábia Saudita e Coreia do Sul (58%), Peru e Espanha (57%).
Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), avalia que as informações falsas mudaram de formato da pré-campanha para a campanha: se no começo surgiam na forma de notícias falsas, produzidas em sites que fingiam ser jornalísticos e cuja autoria poderia ser rastreada, agora aparecem em imagens e vídeos manipulados, sem que se saiba a fonte da informação.
— Com o início da campanha, há mais imagens e vídeos que passam a ser alvo de manipulação. Além disso, em razão da cobertura da imprensa e das próprias checagens, as histórias falsas deixam de aparecer como notícia e passam a ser veiculadas na forma de memes — diz.
O WhatsApp é o meio mais problemático, porque não deixa rastros para fora dos celulares. Para piorar, é fonte principal de argumentos para muitos. Pesquisa do Datafolha divulgada na terça-feira passada mostrou que o eleitor de Bolsonaro é o que mais se informa pelo aplicativo (61%), seguido dos apoiadores de Ciro Gomes (46%), Haddad (38%) e Geraldo Alckmin (31%).
Fake news podem aumentar a visão deturpada que as pessoas têm do mundo. Outro levantamento do Ipsos, divulgado no início do ano, mostra que o brasileiro é a segunda nacionalidade que mais distorce a realidade, atrás apenas dos sul-africanos. Pesquisadores questionaram 29,1 mil pessoas de 38 países sobre sua realidade local – envolvendo taxas de homicídio, gravidez na adolescência, posse de celulares etc. Fomos craques em dar as respostas mais equivocadas.
Pesquisas locais ressoam esse cenário. A Fundação Getulio Vargas (FGV) observou que o ataque a faca sofrido por Bolsonaro gerou 3,2 milhões de menções no Twitter nas 16 horas seguintes ao ocorrido em Juiz de Fora (MG). Entre os tuítes mais compartilhados, estavam postagens com cerca de 20 mil compartilhamentos que punham em dúvida se o atentado de fato ocorrera ou se o dano era grave como o informado.
"Disposição psicológica" para confiar ou desconfiar
Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), fez levantamento com 470 pessoas presentes na manifestação #EleNão, em São Paulo, em 29 de setembro, mostrando que educação nem sempre é salvação. Apesar de 86% dos entrevistados terem faculdade, 56% não souberam se posicionar quanto à informação falsa de que Bolsonaro havia se encontrado com João Roberto Marinho, vice-presidente da Globo, para planejar o atentado. Passados 20 dias, 40% das pessoas acreditavam em algum boato envolvendo o atentado.
— As fake news e os boatos exploram o viés de confirmação: temos uma disposição psicológica a sermos pouco críticos com aquilo que confirma nossa opinião e muito críticos com aquilo que confronta nossa opinião — reflete. — Mas as checagens esclarecendo informações falsas tiveram grande alcance e, em alguns casos, maior até do que o próprio boato.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a criar um conselho consultivo sobre internet e eleições e a firmar acordo com 28 partidos para a não proliferação de fake news. Muitos candidatos alocaram, em suas equipes de campanha, pessoas para combater informações falsas – as correções eram publicadas nas redes sociais. Ao mesmo tempo, vários políticos foram pegos compartilhando boatos.
O editor-chefe do Comprova, Sérgio Lüdtke, afirma que boatos e notícias antigas crescem quando candidatos têm bom desempenho em pesquisas. Ao mesmo tempo, diz, há afirmações difíceis de analisar. Como exemplo, cita a declaração da candidata a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), de que uma grande revista teria recebido R$ 600 milhões para destruir a candidatura de Bolsonaro (para comparar: a quase centenária revista norte-americana Time, a maior do mundo, foi vendida neste ano por R$ 795,6 milhões).
— Uma semana depois, a Veja trouxe a reportagem sobre a ex-esposa de Bolsonaro. Imediatamente, as redes sociais estabeleceram uma relação. É difícil verificar a afirmação porque a Joice não citou a revista nem de onde tirou essa informação. Ainda assim, é importante o papel das checagens para deixar esse assunto das informações falsas na pauta das pessoas — avalia.
As 10 mais lidas
- Grupo de Facebook "Mulheres unidas contra Bolsonaro" é recente e foi criado já com esse nome (15/9)
Boato dava conta de que o grupo de oposição ao candidato do PSL no Facebook só tinha milhares de participantes porque, antes, era destinado a outro tema. A afirmação era falsa. - Foto de incisão no abdômen de Jair Bolsonaro é verdadeira (11/9)
Checagem atestou a veracidade de uma fotografia do abdômen costurado de Jair Bolsonaro, enquanto estava no hospital Albert Einstein, em São Paulo, para se recuperar da facada desferida por Adélio Bispo de Oliveira. - Vídeo de 2015 foi editado para parecer manifestação de apoio a Bolsonaro (18/9)
Imagens de um protesto pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), filmadas em Brasília, em 2015, foram divulgadas para parecerem um ato de apoio ao militar da reserva. - Vídeos foram manipulados como se fossem atos em apoio a Bolsonaro (20/9)
Outros dois vídeos com o mesmo problema anterior: imagens de brasileiros reunidos para assistir a uma partida da Copa do Mundo, em Campinas, e de uma manifestação contra Dilma, em Brasília, foram compartilhadas como se fossem o registro de uma manifestação pró-Bolsonaro. - Vídeo que mostra apreensão de material de campanha de Gleisi Hoffmann é verdadeiro (29/9)
Checagem atestou a veracidade de um vídeo que mostra policiais militares apreendendo materiais irregulares da campanha da presidente do PT, no centro de Curitiba. A ação cumpriu decisão da Justiça Eleitoral: a propaganda trazia Lula como candidato à Presidência, apesar de ele ter tido a candidatura proibida com base na Lei da Ficha Limpa. - Áudio atribuído a Jair Bolsonaro no hospital é falso (23/9)
Circulava em redes sociais um suposto áudio do candidato do PSL no hospital dando a entender que o atentado a faca teria sido forjado, já que ele estaria cansado do "teatrinho". A gravação era falsa, produzida por um homem imitando Bolsonaro. - Tatuagens de Che Guevara e Lenin em Manuela são falsas (14/9)
Uma fotografia manipulada de Manuela D'Ávila mostrando tatuagens de líderes comunistas foi amplamente compartilhada em redes sociais. O Comprova rastreou a imagem original, e própria candidata a vice-presidente veio a público esclarecer que as tatuagens não existiam. - Agricultor escreve o nome de Bolsonaro em plantações (14/8)
Checagem comprovou a veracidade da fotografia de uma plantação com a inscrição "Bolsonaro 2018". A ação foi feita por um agricultor de duas fazendas do interior de Mato Grosso do Sul, em uma região onde o candidato do PSL teve atuação militar. - Homem que deu facada em Bolsonaro esteve na Câmara em 2013, mas ainda não se sabe se visitou deputados do PSOL (15/9)
Circulava em redes sociais e sites que Adelio Bispo de Oliveira, autor do ataque a faca contra Jair Bolsonaro, teria sido recebido no gabinete de deputados federais do PSOL, em 2013. O Comprova mostrou que Adelio visitou a Câmara, mas que não há nenhuma prova de que ele foi recebido por qualquer pessoa. - Livro exibido por Bolsonaro no Jornal Nacional nunca foi comprado pelo MEC (30/8)
Em entrevista ao JN, o candidato do PSL exibiu o livro Aparelho Sexual e Cia, afirmou que ele seria parte do "kit gay" e que o Ministério da Educação teria comprado a obra para distribui-la em escolas públicas. Na verdade, a obra nunca foi comprada pelo governo federal, o livro não faz parte de um suposto "kit gay" e o livro se destina à orientação sexual a crianças de 11 a 15 anos, inclusive alertando contra possíveis situações de abuso.
- Não leia só o título do texto. Em geral, fake news têm títulos bombásticos, mas não há muita descrição que sustente a afirmação.
- Veja sempre qual é a fonte da informação. O autor é uma pessoa que você não conhece? É uma corrente? É alguém "de dentro" de alguma instituição, que supostamente vazou uma informação que nenhum órgão da imprensa deu? Sinal vermelho.
- Veja se há erros de português no texto. Em geral, notícias falsas apresentam erros de gramática e excesso de adjetivos. Na escrita jornalística, os adjetivos são deixados de lado, sobretudo nos títulos. Desconfie de textos com "bombástico" ou "exclusivo".
- Veja a data de publicação da história. Muitas vezes, informações antigas são compartilhadas como se fossem atuais, o que distorce o contexto.
- Evite compartilhar informações por correntes de WhatsApp que não sejam de fontes de informação com credibilidade. Pegue o conteúdo do texto e bisque no Google: se for verdade, provavelmente vários jornais terão publicado a história.