A 10 meses da eleição, autoridades brasileiras tentam uma saída para amenizar o impacto das notícias falsas nas eleições de 2018. O Centro Knight é um projeto que incentiva as boas práticas de reportagem no continente. Especialista em jornalismo online, seu diretor, Rosental Alves, acompanhou as eleições americanas de 2016. E conhece o cenário brasileiro. Leia a entrevista com o professor:
O que o senhor imagina para as eleições de 2018 considerando as notícias falsas?
O Brasil tem de estar preocupado, porque o brasileiro usa mais as redes sociais do que a maioria dos habitantes dos outros países. Acredito, inclusive, que usa mais do que os norte-americanos. E foi nos EUA que o fenômeno das notícias falsas ganhou notoriedade. Mas acho que vamos entrar nessas eleições em um contexto de muito mais alerta. Tenho esperança de que, até o pleito, as pessoas estejam mais atentas e haja antídotos para essa doença. Então, querendo ser otimista, imagino que as iniciativas que estão sendo adotadas, como os projetos de fact checking, terão efeito positivo. Outra coisa é que o Brasil tem uma Justiça Eleitoral ativa, às vezes até mais ativa do que se espera, provocando abusos e confusões em termos de liberdade de expressão. De todo modo, acho que a Justiça Eleitoral desempenhará um papel importante. Outro fenômeno brasileiro é a penetração do WhatsApp. Facebook, Google, Twitter etc. há pouco tempo se deram conta da gravidade do problema e começaram a tomar medidas para contê-lo, mas o WhatsApp é difícil de controlar. Porque é uma rede privada de cada cidadão. O que há no Brasil, diferentemente dos EUA, é que praticamente cada cidadão tem sua plataforma privada de redes sociais. E esse canal tem sido muito utilizado para espalhar notícias falsas. Parece-me que a única maneira de combater isso é com mais educação das pessoas, e com reações de quem recebe essas notícias, alertando quem enviou a mentira.
As pessoas estão conseguindo identificar melhor esse tipo de conteúdo?
Minha esperança é que sim. “Fake news” é uma expressão genérica: há vários tipos de notícias falsas. Há as fake news comerciais, por exemplo, enviadas como publicidade programática com o objetivo de ganhar dinheiro. O Brasil identificou, no último ano, várias usinas dessas notícias que eram parecidas com as dos garotos da Macedônia, que enviavam mentiras na eleição americana. As fake news políticas são, como já foi comprovado, usadas como estratégia por organizações ou partidos. O problema, com todos os tipos de notícias falsas, é que se joga com as emoções. Elas constituem basicamente o que as pessoas gostariam que fosse verdade. Quando alguém recebe algo pelo que anseia, despreza o fato de que seja mentira. E leva aquilo adiante. O negócio é complexo não porque seja um fenômeno novo – desde a invenção da imprensa, por Gutemberg, espalham-se boatos e desinformação. O que está acontecendo agora é um fenômeno tecnológico: a barreira de entrada no mercado da comunicação praticamente desapareceu. Qualquer pessoa pode ter uma audiência equivalente à de um veículo da grande mídia. Se a pessoa começa a sensacionalizar e a inventar coisas, consegue mais repercussão e audiência. É como uma droga que dá sensação de euforia, ou excitação – e depois passa, restando apenas as consequências ruins. Então, acho que, da mesma maneira que a tecnologia criou o problema, vai ajudar a criar as soluções que o resolvam. As iniciativas que Facebook e Google anunciaram nos últimos meses são marcadas por uma mudança importante de atitude. Essas empresas vinham dizendo que eram neutras, que não tinham nenhuma responsabilidade sobre o fenômeno, que eram só um meio. Mas viu-se que não é bem assim. Zuckerberg chegou a dizer que era loucura pensar que o uso do Facebook tivesse alguma implicação na eleição norte-americana. Com as investigações da interferência russa, no entanto, ele teve de mudar de atitude. Da mesma forma com o Google, que acabou adotando medidas específicas sobretudo em relação à parte comercial. Se você for atrás do dinheiro, vai encontrar as usinas de mentiras das fake news.
O desempenho do Facebook no combate às notícias falsas é suficiente? Ou será preciso uma intervenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
Não sei se o Facebook faz o suficiente. Nos EUA, a empresa fez um acordo com organizações de checagem, e as notícias que aparecem na timeline são checadas. Quando uma dessas organizações mostra que é mentira, o Facebook bota uma tag que funciona como um sinal dizendo que o material é suspeito. Eles têm feito estudos e analisado os resultados dessas experiências. Recentemente, disseram que, quando uma dessas organizações sinaliza uma postagem, a disseminação desse conteúdo cai em 80%. Isso demorou muito para ser implementado. Mas nos dá esperança. Da mesma maneira, o Google montou uma lista negra de sites especializados em mentiras. Começou a identificar esses sites e a retirá-los da rede de publicidade. Mas, é preciso deixar claro, parte dessas medidas é consequência de uma ameaça real de regulação. Nos EUA, o Congresso está pressionando por isso. Em países como o Brasil, a Justiça tem sido ativa na retirada do conteúdo do Google e do Facebook. O Brasil, na verdade, tem o marco civil da internet que é um exemplo para todo o mundo. Deve segui-lo, criando juízes especializados e desenvolvendo um sistema que seja compatível com a liberdade de expressão e com a liberdade de imprensa que possa, também, coibir abusos. Tudo isso é delicado, porque, quando pedimos para o Google e o Facebook irem atrás de fake news, estamos dando a essas empresas o poder de julgar o que é falso e o que não é. Ou seja, é preciso ser cuidadoso, pois o remédio pode ser pior do que a doença. A Constituição e a declaração universal dos direitos humanos garantem a liberdade de expressão. Mas uma coisa são as notícias falsas com propósitos comerciais ou políticos. Outra, bem diferente, é a subversão disso e a irresponsabilidade, por exemplo, do presidente Trump, que diz que a imprensa inventa falsidades sempre que não gosta do que lê.
As notícias falsas impactarão a eleição brasileira da mesma forma que impactaram as eleições americanas?
Não devemos exagerar no papel que as notícias falsas desempenharam na eleição dos EUA. Obviamente houve a manipulação vinda da Rússia, que o Congresso e o FBI estão investigando. E essa verdadeira ação de guerra teve um impacto. Mas não acho que o Trump tenha ganho por causa disso. Foi um fator entre muitos. Trump foi uma resposta a um descontentamento que Hillary Clinton não viu ou não soube responder à altura. No Brasil, acho que vai ser a mesma coisa. A diferença é que o Brasil tem uma campanha muito mais regulamentada. Nos EUA é praticamente um vale-tudo. Você pode até fazer boca de urna. Você vai votar e tem três pessoas na fila tentando convencê-lo de que seu candidato é melhor, coisa que, no Brasil, é crime. Nos EUA também não há limite para a publicidade eleitoral. Ou seja, as situações são diferentes. Todos os candidatos terão uma assessoria que será essencial, muito mais do que foi na última, em 2014. Haverá especialistas fazendo campanha em rede social, mais do que houve no pleito anterior. E eu acho que a imprensa deverá desempenhar um papel ainda mais importante checando fatos. É fundamental que os jornalistas brasileiros estejam preparados desde já para criar sistemas de fact checking. Isso tem a ver com tecnologia, com o chamado big data, com uso de software... Tem de ser feito com inteligência artificial, porque o volume de posts, de tuítes, de mensagens nas redes será tão grande a cada minuto que só as maquinas poderão segui-los.