Os mistérios ao redor do que aconteceu em 19 de junho, no Aeroporto Hugo Cantergiani, em Caxias do Sul, continuam. Mais de 60 dias depois, a investigação sobre o assalto a um carro-forte que deixaria o terminal com R$ 30 milhões não foi concluída. Os bandidos conseguiram levar R$ 15 milhões. A Polícia Federal (PF), responsável pelo levantamento, ainda não esclarece a autoria, como foi a organização e até mesmo a linha do tempo do crime. O que é divulgado até agora é que 14 suspeitos foram identificados e dois envolvidos estão mortos — um na própria noite do fato.
De acordo com a Polícia Federal, dos identificados, 12 seguem presos preventivamente. Já um deles teve prisão temporária decretada e foi liberado após cinco dias. Enquanto isso, um outro homem é monitorado por tornozeleira eletrônica. Segundo os policiais, mais detalhes não são repassados para não atrapalhar o trabalho da força-tarefa que envolve PF, Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Brigada Militar (BM).
O colunista de Zero Hora, Humberto Trezzi, revela que duas facções estão envolvidas no crime. Uma é a paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), enquanto a outra é a gaúcha Bala na Cara, nascida em Porto Alegre e com ramificação na Serra. Porém, a investigação ainda não saberia dizer se as organizações criminosas planejaram o assalto ou simplesmente serviram como financiadoras.
As principais respostas devem surgir com o fechamento do inquérito. Mas, até agora, segundo a comunicação da PF, não há um prazo para conclusão dele. A partir da conclusão desta etapa é que os suspeitos também serão indiciados para responder pelos crimes cometidos em Caxias do Sul.
Confira abaixo o que se sabe até agora sobre o assalto ao aeroporto Hugo Cantergiani, o maior da história do Rio Grande do Sul.
As 13 prisões da Operação Elísios
- As três primeiras prisões ocorreram em 21 de junho, dois dias após o assalto. Dois suspeitos foram localizados em um carro na BR-116, no interior de São Paulo. Seriam Adriano Pereira de Souza, conhecido como Cigano, e Vinícius Araújo de Melo. Cigano é considerado um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, maior facção criminosa do país. Conforme escutas telefônicas feitas pelo Seccold (Setor de Combate aos Crimes de Corrupção, Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro) da Polícia Civil, obtidas pelo site UOL, Cigano era responsável por finanças da facção paulista e estava foragido da Justiça. Condenado por tráfico de drogas, ele responde a processo criminal por compra de pontos de tráfico em São José dos Campos (SP). A PF não informou detalhes sobre a terceira prisão.
- A quarta prisão aconteceu no dia 24 de junho, em Torres, no Litoral Norte. O suspeito seria o gaúcho Luís Felipe de Jesus Brum, 21 anos. Ele vinha de Santa Catarina, num Onyx, quando foi bloqueado na BR-101 por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF). As pistas indicam que ele teria participado como motorista na fuga da quadrilha. Brum tem antecedentes por tráfico de drogas, é investigado por um homicídio, pelo roubo de uma joalheria, por dois roubos de veículo e por receptação de veículo. Brum tem ligações com os Bala na Cara, sendo um dos suspeitos do elo entre a facção gaúcha e a paulista.
- O quinto homem preso seria Diego Rodrigues de Andrade, 34 anos, encontrado em Betim, Minas Gerais, no dia 26 de junho, e encaminhado ao Presídio Estadual de Piraquara, no Paraná, no dia 3 de julho. A prisão se deu pela participação em um roubo a transportadora de valores em abril de 2022 em Guarapuava (PR). Com o avanço da investigação do assalto em Caxias, ficou comprovada a participação no ataque ao Hugo Cantergiani. Com isso, a 5ª Vara Federal de Caxias do Sul expediu mandado de prisão preventiva, cumprido em 8 de julho.
- No dia 5 de julho, o sexto suspeito de envolvimento foi preso em São Paulo na 5ª fase da Operação Elísios. Nesta mesma etapa, a força-tarefa fez buscas em uma propriedade de Farroupilha. O homem seria Diego Moacir Jung, o Dieguinho, mais um com ligação com os Bala na Cara. Condenado a 48 anos de prisão, ele acumula denúncias por mais de 10 assaltos a banco desde 2003, inclusive com uso de metralhadora (em Redentora, próximo à fronteira com a Argentina). Ele responde por roubo de agência com uso de explosivos, em Parobé (Vale do Paranhana) e foi transferido para penitenciárias federais em outros Estados. No ano passado estava foragido e foi recapturado no Espírito Santo, na cidade de Vila Velha. Acabou fugindo e agora foi novamente recapturado. Ele seria o principal elo entre o PCC e os Bala na Cara.
- Em 19 de julho, um homem foi capturado em Canoas. Foi a sétima prisão da Operação Elísios. A PF não divulgou detalhes.
- Depois, entre 31 de julho e 2 de agosto, mais três suspeitos foram presos. Neste ponto, a força-tarefa chegou a 10 prisões preventivas. Em 31 de julho, um homem de 41 anos foi pego em Gravataí. Depois, em 2 de agosto, suspeitos, de 45 e 43 anos, foram presos em Três Cachoeiras e Estância Velha. Na mesma etapa da operação, três propriedades de Goiânia (GO) e em uma propriedade rural de Alto Feliz foram alvos de mandado de busca e apreensão.
- A mais recente prisão, a 11ª relacionada ao crime, ocorreu no dia 20 de agosto. Em Sapiranga, um homem de 49 anos foi preso.
- Outros dois homens foram identificados, mas dentro de penitenciárias. Mesmo assim, um mandado de prisão preventiva foi apresentado. O ato é feito para oficializar que eles são investigados e evitar que sejam soltos. O primeiro a ser identificado dessa forma na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em 19 de julho. Já o segundo, em 6 de agosto, na Penitenciária de Charqueadas.
- A Polícia Federal não esclarece qual dos suspeitos foi preso temporariamente.
Suspeito é monitorado
- Em 23 de julho, mais um suspeito foi identificado. Porém, medidas cautelares foram apresentadas ao homem localizado em Porto Alegre. Ele passou a usar tornozeleira eletrônica e precisa seguir um termo de compromisso de não manter contato com outros suspeitos e comunicar mudança de endereço.
Os dois suspeitos mortos
- No dia do assalto, Sílvio Wilton da Costa, conhecido como Bin Laden, foi morto durante a troca de tiros com a polícia. Ele portava carteira de habilitação do Piauí, mas é nordestino radicado em São Paulo e membro "batizado" do Primeiro Comando da Capital (PCC). O homem teve prisão preventiva decretada por participação em dois roubos muito semelhantes ao realizado em Caxias do Sul: R$ 25 milhões subtraídos no aeroporto de Campinas, em março de 2018, e R$ 117 milhões em ouro, no aeroporto de Guarulhos, em julho de 2019.
- Em 5 de julho, o gaúcho Guilherme Costa Ambrózio, 40 anos, foi morto após reagir contra policiais civis da Divisão de Investigações sobre Crimes contra o Patrimônio (DISCCPAT) em São Paulo. Embora não houvesse mandado de prisão expedido contra ele no caso de Caxias, a PF investiga a ligação com o crime. O homem tinha um longo histórico de envolvimento a assaltos a bancos e carro-forte, inclusive na Serra. Ambrózio estava na casa dele, no bairro Jabaquara, na capital paulista. No local, um armamento de grosso calibre foi encontrado com o suspeito. Entre as armas, uma de calibre .50, similar a que foi utilizada no crime no Hugo Cantergiani. Também foram encontrados uniformes falsos da Polícia Federal, como os que foram utilizados no assalto. Conforme a nota das autoridades paulistas, o homem também era procurado da Justiça de Guarapuava (PR) por envolvimento no ataque a uma empresa de transporte de valores em abril de 2022. A suspeita é de que Ambrózio era um dos organizadores, forneceu as armas e teria participado diretamente do tiroteio em Caxias.
Relembre o caso
O ataque no aeroporto de Caxias aconteceu por volta das 19h30min do dia 19 de junho. O assalto pretendia roubar cerca de R$ 30 milhões de um banco privado. O carro-forte era abastecido por malotes de dinheiro trazidos de Curitiba em uma aeronave de pequeno porte. Um grupo, de oito a 10 pessoas, atacou funcionários da empresa de transporte de valores, em uma ação que surpreendeu pela audácia dos criminosos.
Com armamento de guerra, incluindo um fuzil Barrett M82 calibre .50, e fardamento falso, os assaltantes usaram veículos com adesivos da Polícia Federal (PF) para acessar o hangar do aeroporto. O portão 2 foi aberto por funcionários que atuam no aeroporto justamente por acharem que se tratava da PF.
O primeiro confronto se deu entre os seguranças do carro-forte e a quadrilha. Na sequência, guarnições da BM se deslocaram ao local. Na primeira a chegar no Hugo Cantergiani estava o 2º sargento Fabiano Oliveira, 47 anos. Os policiais foram recebidos com disparos de arma de fogo. Um dos tiros de fuzil atingiu o 2º sargento no tórax e atravessou o colete de proteção balística. Mesmo socorrido e levado ao hospital, o brigadiano não resistiu.
No confronto, após a chegada da Brigada Militar, o assaltante Sílvio Wilton da Costa foi morto. Ele fugia em uma camionete Frontier, falsamente identificada como sendo da PF. Com ele foram recuperados cerca de R$ 15 milhões, metade do total que estava sendo transportado.
A suspeita é de que após o roubo os criminosos seguiram até uma propriedade rural na Serra e depois dividiram o dinheiro roubado. Cada um fugiu com a sua parte em uma direção, para dificultar a perseguição. A PF, inclusive, já apreendeu 26 veículos na operação que tenta elucidar o crime.