Esta semana se completaram dois meses desde o maior assalto já ocorrido no Rio Grande do Sul, que resultou em R$ 30 milhões roubados de um avião-pagador no aeroporto de Caxias do Sul. No ataque, ocorrido em 19 de junho, morreu um policial militar. Metade da quantia foi recuperada ainda próximo ao local do crime, no veículo em que estava um bandido morto em confronto com guardas de transporte de valores. Já na primeira noite a Polícia Federal (PF) identificou a participação de integrantes da maior facção criminosa brasileira, a paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), no roubo. A começar pelo assaltante morto no tiroteio, o piauiense radicado em São Paulo Sílvio Wilton da Costa, conhecido como Bin Laden. Ele era membro "batizado" do Partido do Crime, como é conhecido o PCC. Nos dias subsequentes, outros envolvidos com essa facção foram presos por suspeita de participar do assalto. A principal novidade, agora, é que foi detectada suposta participação de uma segunda facção no assalto no Aeroporto Hugo Cantergiani, de Caxias do Sul.
Pelo menos três investigados pelo suposto envolvimento no roubo, identificados nos últimos dois meses, têm relações com a organização criminosa Bala na Cara, nascida na zona leste de Porto Alegre, dominante na Capital e hoje espalhada por outras regiões (inclusive na Serra).
Um suspeito de ligações com os Bala na Cara e identificado como participante do assalto é Guilherme Costa Ambrózio. Ex-vigilante bancário, ele foi morto em confronto por policiais civis paulista em 5 de julho, duas semanas após o roubo no aeroporto caxiense. Foragido da Justiça, portava três identidades falsas e estava escondido numa casa no bairro de Jabaquara (São Paulo), na qual foi encontrado um arsenal. Entre as armas achadas no forro da residência estavam dois fuzis de calibre .50, similares aos que foram utilizados para perfurar o avião e carros-fortes no Aeroporto Hugo Cantergiani, além de capacetes e uniformes falsos da Polícia Federal, como os que foram utilizados no mega-assalto caxiense.
A suspeita é que Ambrózio tenha fornecido as armas e seja um dos organizadores, com participação direta no tiroteio. Ele estava foragido, condenado a 71 anos de prisão por um assalto com tomada de reféns em Guarapuava (PR), ocorrido numa transportadora de valores em abril de 2022 e que resultou na morte de um PM.
Ambrózio foi preso diversas vezes com suspeitos de assalto ligados aos Bala na Cara, ataques feitos inclusive com uso de metralhadora .50, o mesmo calibre utilizado no roubo no aeroporto. O assaltante foi também réu num processo de roubo de um helicóptero em Canela, usado na tentativa de resgatar presos na Penitenciária Estadual de Charqueadas, em 2017. Ele foi preso e denunciado junto com outro suspeito, familiar de um assaltante ligado aos Bala. No processo judicial, apesar de identificado por meio de provas genéticas, Ambrózio acabou absolvido.
Outro suspeito de envolvimento no assalto — e por notória ligação com os Bala na Cara — é Diego Moacir Jung, o Dieguinho, preso em São Paulo em julho. Condenado a 48 anos de prisão, ele acumula denúncias por mais de 10 assaltos a banco desde 2003, inclusive com uso de metralhadora (em Redentora, próximo à fronteira com a Argentina). Ele responde por roubo de agência com uso de explosivos, em Parobé (Vale do Paranhana) e foi transferido para penitenciárias federais em outros Estados. No ano passado estava foragido e foi recapturado no Espírito Santo, na cidade de Vila Velha. Acabou fugindo e agora foi novamente recapturado.
Policiais acreditam que Dieguinho é o possível elo entre os Bala na Cara (facção para a qual faria assaltos) e o PCC, que teria lhe dado abrigo e proteção durante a fuga pelo Brasil. Em 2006, Diego chegou a ser preso com Oséas Cardoso, o Português, considerado um dos líderes do PCC, que organizou uma tentativa de roubo milionário a um avião-pagador no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre em 2001. O assalto falhou porque os bandidos foram presos, junto com um arsenal que incluía fuzis e explosivos, na tarde em que iriam cometer o crime. Desde então, nos presídios fora do Estado, Dieguinho teria contado com as bênçãos do PCC.
Um terceiro preso por envolvimento no assalto no aeroporto e suspeito de ligação com os Bala na Cara é Luís Felipe de Jesus Brum, com carreira criminosa desenvolvida em Alvorada (Grande Porto Alegre). Em 24 de junho ele vinha de Santa Catarina, num Onyx, quando foi bloqueado na BR-101 por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Algumas pistas indicam que ele teria participado como motorista na fuga da quadrilha. Brum tem antecedentes por tráfico de drogas, é investigado por um homicídio, pelo roubo de uma joalheria, por dois roubos de veículo e por receptação de veículo.
Envolvimento direto ou financiamento do roubo?
Os policiais destacam que o nível de organização do sangrento ataque em Caxias foi primoroso. Para ficar num item: os bandidos usaram dezenas de celulares, eliminados após o crime. Sítios também foram preparados para receber os criminosos, tanto antes do roubo como depois, para servirem de esconderijo. Automóveis "quentes" (não roubados) substituíram os veículos usados no assalto. Cada criminoso fugiu com sua parte do dinheiro, logo após a partilha, possivelmente feita na área rural da descida da Serra. Foram para lugares diversos, dificultando a perseguição.
Há quem estranhe a parceria PCC-Bala na Cara, porque a preferência da organização paulista é por se aliar a outra facção gaúcha. Mas isso, no tráfico. Já em roubos, sobretudo quando o assalto é encomendado, as ligações podem ser ao sabor da conveniência.
A cúpula do PCC e dos Bala planejou o ataque ao aeroporto? É cedo para dizer. Quadrilhas, muitas vezes, têm autonomia para cometer crimes. Algumas organizações traçam linhas gerais para a realização de delitos e deixam os detalhes com os operadores. Uma das possibilidades é que as facções tenham emprestado dinheiro para aluguel/compra de armas, uniformes e veículos usados no roubo - é comum que traficantes financiem assaltos, sem se envolver no ataque, cobrando um percentual pelo material arrendado.
Outra probabilidade é que as facções tenham recebido a dica sobre o dia em que o avião carregado de dinheiro pousaria em Caxias e, então, alugaram os serviços de quadrilhas de assaltantes. Os ladrões repassariam parte do dinheiro obtido nos roubos e ficariam com a maior quantia.