Importante resgate histórico, o lançamento do livro de memórias do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) apresentou um dado preocupante. Na inauguração, em agosto de 1974, a unidade responsável por Caxias do Sul contava com 299 policiais militares. O efetivo era maior que o disponível hoje: 293 militares. É a menor tropa na história do município de 517 mil habitantes.
De acordo com a própria Brigada Militar (BM), o efetivo ideal para Caxias do Sul é de 720 PMs. Questionada pela reportagem sobre o baixo número de PMs, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) respondeu por e-mail que não informa o efetivo de unidades operacionais regionais por uma questão de segurança. Atualmente, o efetivo total da BM é de 16 mil servidores — o ideal para o policiamento no Rio Grande do Sul seria pouco mais de 37 mil, segundo o Comando-Geral da BM.
O efetivo do 12º BPM chegou neste baixo número em razão da transferência de diversos PMs para a inauguração do 4º Batalhão de Choque (4º BPChoque), em dezembro de 2019. Um dado extraoficial aponta que quase 50 PMs deixaram o batalhão de Caxias do Sul para ingressar na tropa de choque, que tem uma missão regional.
A SSP argumenta que o 4º BPChoque, que conta com 131 PMs, é uma unidade de elite e que suas ações se somam ao policiamento realizado pelo 12º BPM. Dessa forma, Caxias do Sul estaria entre as cidades que receberam os maiores reforços de efetivo para BM nos últimos dois anos.
— Buscamos sempre usar o (Batalhão de) Choque. É importante esclarecer que Caxias não perdeu, Caxias ganhou (com o novo batalhão). A filosofia de usar a tropa de choque é algo atual, moderno. O Choque tem como objetivo principal combater os crimes mais graves, como o tráfico de drogas e os crimes contra a vida — ressaltou o coronel Alexandre Brite da Silva em entrevista ao programa Gaúcha Hoje desta sexta-feira (23).
O debate é que o 4º BPChoque tem uma atribuição regional e pode ser enviado para toda a Serra a qualquer momento diante de uma necessidade. A tropa especializada é treinada para ir até um local, cumprir sua missão e retornar para sua base, no bairro São José. O atendimento aos chamados e demandas da população caxiense são responsabilidade do 12º BPM.
— Hoje, a prioridade, até para estruturar, foi esta segunda unidade em detrimento do policial que está ali 24 horas por dia, no despacho do telefone 190, na Patrulha Maria da Penha, nas demandas das escolas, inúmeros apoios ao Samu e a atividade de oficiais de Justiça, todas estas atividades que são dadas do policiamento urbano. Nas 24 horas do dia temos policiais que estão nos dois presídios, no Case (Centro de Atendimento Socioeducativo) e no 190 que não para nunca. O esforço maior devia ser na prevenção. Fica um sentimento de que estamos invertendo esta prioridade — lamentou tenente-coronel Jorge Emerson Ribas em sua entrevista da despedida do comando do 12º BPM, na semana passada.
A redução de efetivo ao longo dos anos ocasionou o fim dos módulos da BM nos bairros Fátima, Santa Fé e Cruzeiro. O baixo número de PMs também impossibilitou a continuação do Policiamento Comunitário, que sempre foi tão elogiado pelas lideranças e moradores da cidade. Esta frustração não é apenas do ex-comandante.
— O cobertor fica cada vez mais curto e faltam policiais para cobrir bairros importantes da cidade. Os índices (de crimes) estão baixando porque Caxias ainda tem a mística de ser um dos melhores batalhões de servir. Foram anos e anos em que tinha o COE (Companhia de Operações Especiais), o canil, o policiamento comunitário... A gurizada de hoje trabalha muito para não deixar a peteca cair. Mas falta uma valorização e é uma insatisfação crescente — desabafa um policial de rua, que pediu para não ser identificado.
O último reforço recebido pelo maior batalhão da Serra foi de 30 soldados em abril de 2018. O grupo fazia parte de uma turma de 506 novos agentes para o RS. Antes, o 12º BPM havia recebido 50 dos 1.018 novos policiais formados em julho de 2017.
A SSP afirma que a manutenção de efetivo é, por óbvio, uma preocupação constante. O comunicado aponta que o cronograma para reposição programada de todas as corporações da Segurança Pública resultou em um aumento no número de servidores no saldo entre ingressos e aposentadorias — que vinham de décadas de redução. Atualmente, estão em formação 138 alunos-oficiais que irão assumir o cargo de capitão e 890 alunos-soldados.
Redução no efetivo não aumentou crimes
Apesar de ser uma preocupação da comunidade e um problema admitido pela corporação, a redução do número de policiais militares em Caxias do Sul não representou um aumento da criminalidade na cidade. Em março, a cidade registrou o menor número de assaltos dos últimos 19 anos.
Os crimes contra o patrimônio no município estão em queda desde 2016, ano mais violento do registro histórico da SSP com uma média era de 383 roubos por mês. O maior uso da inteligência policial a partir da troca de informações entre a BM e Polícia Civil é apontado como o principal fator da melhora dos índices.
Estas reuniões entre órgãos de segurança se tornaram uma política de gestão do governo estadual em 2019 com a criação do programa RS Seguro, que debate estratégias e prioriza recursos para os 23 municípios gaúchos mais violentos. No final daquele ano, a criação do 4ªBPChoque representou a chegada aproximadamente mais 60 PMs para morarem em Caxias do Sul.
A tropa de choque é vista como um diferencial no combate ao crime organizado. Sem as responsabilidades do policiamento diário, que cabe ao 12º BPM, o 4º BPChoque pode mobilizar mais policiais para o combate de um crime específico, como o tráfico de drogas e os homicídios que tiveram elevação recentes.
— Qualquer cidadão se sente muito mais seguro com a presença do policial. Só que não podemos, em lugar nenhum do mundo, colocar um policial em cada esquina. A ideia é usar a estratégia e empregar estes policiais nos horários e locais que são mais próprios para dar melhor atendimento as pessoas nas ruas — declarou o coronel Brite à Gaúcha Serra.
O comunicado da SSP também salienta esta missão especializada do 4º BPChoque e cita a Operação Angico, que, a partir de trabalho de inteligência e ações pronta-resposta, tem antecipado os movimentos de quadrilhas especializadas em roubo a banco e neutralizado as fugas nos casos que se concretizam. A Secretaria ainda afirma que a tecnologia não substitui o recurso humano, mas que esta é uma aliada fundamental para otimizar e multiplicar o aproveitamento e os resultados da tropa.
Especialista prevê menos PMs nas ruas e diminuição do Proerd e Patrulha Maria da Penha
Especialista em segurança pública, Charles Kieling ressalta as diferenças de missões entre os dois batalhões. Ele explica que a atuação comunitária da BM é para a prevenção: estar presente nas ruas, resolver problemas e evitar que crimes aconteçam. A tropa de choque seria para resolver situações mais complexas, como controle de manifestações, respostas a grandes crimes (como assalto a banco) e ingresso em vilas sob o domínio de traficantes.
— A cidade de Caxias sai perdendo, porque está diminuindo o efetivo para este trabalho comunitário. Um batalhão de operações de choque ficam mais dentro do batalhão e sai apenas para fazer o combate. É natural os PMs se direcionarem para o Choque, porque há uma proposta de ascender na carreira mais rápida. A legislação beneficia a bravura, aquele policial que combate lá fora o criminoso. Perde-se o foco da comunidade, pois este trabalho não tem a questão da bravura. Fazer o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) ou a Patrulha Maria da Penha, por exemplo, não rende bravura — opina.
Kieling aponta que as conversas políticas por um Batalhão de Choque aconteceram por 15 anos até a prefeitura ceder a estrutura no bairro São José. Uma nova unidade cria uma duplicidade hierárquica, com dois comandos na cidade, e, consequentemente, mais recursos públicos direcionados. Kieling não percebe na Serra um crime organizado tão violento que demande esta especialidade do Choque.
— Caxias sempre teve uma visão mais de choque. Uma ideia de que combater o crime tem que ser algo mais contundente, uma proposta de combate. Eram os comandantes do 12º BPM que se esforçavam por esta relação comunitária. Na Serra, nenhuma facção utiliza armamento de guerra. Nunca houve uma quadrilha que fizesse frente aos policiais e necessitasse este Choque. O 12º BPM, dentro do seu trabalho comunitário, dava conta de todo o processo — argumenta.
Sobre a redução dos índices criminais mesmo diante da redução do efetivo, Kieling aponta para a estrutura do crime organizado, que tem se direcionado cada vez mais para a lavagem de dinheiro. Segundo o especialista, o tráfico de drogas e crimes virtuais geram mais lucros as facções.
— Há uma migração do crime que reduz homicídios e roubos. Por isso, cito a importância da prevenção com jovens. São estes que sabem utilizar tecnologias e que estão ajudando o crime a conseguir dinheiro pelo estelionato. Este crime é administrado pelas facções. Jovens são cooptados para cometer estes crimes financeiros via internet. Eles ajudam as facções a aumentarem seu capital e a lavarem este dinheiro do crime — avalia Kieling.
A partir desta semana, o policiamento em Caxias do Sul será uma responsabilidade do major Emerson Ubirajara. O oficial será o 25º comandante do 12º BPM. A transferência dele do 3º BPM, em Novo Hamburgo, para a Serra foi publicada na última sexta-feira (23). O oficial é esperado no 12º BPM na próxima terça-feira (27).