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Ao optar pela aposentadoria, o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, 48 anos, se despede da Brigada Militar (BM) como o oficial que por mais tempo comandou o 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), que é responsável por Caxias do Sul. Foram seis anos e seis meses em duas passagens: de 2011 a 2013 e de 2016 até hoje. A ida para a reserva remunerada da BM foi publicada no Diário Oficial do Rio Grande do Sul nesta sexta-feira (16). Desde 1974, o 12º BPM teve 24 comandantes.
A saída do tenente-coronel Ribas pode ser considerada precoce. O oficial teria mais uma promoção a almejar, ao posto de coronel, e é comum que esta aposentadoria de comandantes aconteça quando completam 35 anos, tempo limite de carreira na BM.
Natural de Vacaria, Ribas ingressou na academia em 1990. Sua carreira militar demonstrou sua afinidade com a Serra, com passagens por Veranópolis e Bento Gonçalves. A decisão de ir para a reserva foi ponderada no final do ano passado diante do desgaste da função.
O tenente-coronel agora pretende cuidar do corpo e da mente. A rotina no 12º BPM o impedia de fazer exercícios físicos, ler livros e participar de cursos. Este lazer será dividido com a esposa, Rosana, que é servidora municipal na Câmara de Vereadores, e a filha, Ana Clara, de 14 anos.
Como último legado, o comandante Ribas apresentou o livro "Doze: Memórias de Um Batalhão de Caxias do Sul", que teve lançamento na noite de quinta-feira (15). A obra lembra capítulos importantes da história da unidade militar que zela pela maior cidade da Serra desde 13 de agosto de 1974.
Pioneiro: Por que decidiu pela ida para a reserva?
Jorge Emerson Ribas: Completei 31 anos (de BM) em fevereiro. Teria mais quatro anos antes da aposentadoria compulsória aos 35 anos de carreira. Estou há alguns anos no comando (do 12º BPM), e é uma função que pesa bastante. Apesar de ainda ter um último degrau pela frente, que é o posto de coronel que estou bem perto, sou o 29º em antiguidade na Brigada, mas considerei o peso da função e a falta de apoio do escalão superior. Estamos na segunda maior cidade do Estado. Caxias, o batalhão, deveria ser olhado com mais atenção pelo tamanho da cidade e o que representa para o Estado. Não é um momento de alegria, mas me sinto realizado. Acredito que é muito tempo em uma função só. Sempre pensei que deveria ter um tempo mínimo e máximo na função, uma regularidade de dois anos me parece o ideal. A rotatividade é importante e necessária, tanto para quem está no comado como para o batalhão.
Vemos, dia após dia, a estrutura do batalhão sendo diminuída. Quando cheguei, no ano de 2000, tínhamos 2o oficiais de academia (tenente-coronel, major e capitão), mais um médico e um dentista. Hoje não temos médico, não temos dentista e somente quatro oficiais de academia, sendo que uma está em licença-maternidade. A estrutura diminuiu demais. Sinceramente, jamais imaginei que chegaríamos a ter 300 PMs. Hoje estamos com 293. É algo que desgasta, tu sentes que carrega um peso sozinho e cansa.
O baixo efetivo da BM é uma discussão antiga. Como é este desafio para um comandante de batalhão?
Não quero me queixar em relação ao número do efetivo, mas é uma realidade que todo o Estado enfrenta. Em 2013, quando deixei o batalhão, tínhamos 480 PMs. Hoje, são menos de 300. A estrutura continua sendo a mesma, nada diminuiu. O Batalhão de Choque foi criado um ano e meio atrás, mas a nossa atividade não foi alterada. Inclusive, os jogos de futebol são feitos somente pelo efetivo do 12º BPM. A nossa demanda não alterou nada. Tivemos que nos adequar a esta realidade. Foi uma necessidade extinguir três módulos da BM, primeiro o do bairro Fátima, depois Santa Fé e Cruzeiro. Foram extintos em razão da redução de efetivo.
Não é uma questão só de número, precisamos trabalhar melhor o gerenciamento dos recursos humanos. Dois PMs motivados são melhores do que 10 PMs que não estejam comprometidos. Procurei sempre fazer este trabalho de relacionamento pessoal, administrar recurso humano, que é a parte mais difícil. Neste sentido, algo que me preocupa foi que conquistamos a confiança da comunidade e dos presidentes dos bairros. Acompanhei, lá no início, que havia um distanciamento de lideranças comunitárias com o policial militar. Hoje, melhorou muito. Sentimos o interesse e a vontade das pessoas em terem o PM próximo. Existe uma admiração e é visto como figura protetora. A imagem do policial passa a sensação de proteção, o que antes era muito mais atrelado a repressão. É algo que deve-se muito a filosofia do policiamento comunitário.
Não podemos inverter a lógica e priorizar, investir mais no policiamento de choque, que é repressivo e não tem proximidade comunitária, do que um batalhão comunitário. Hoje temos seis batalhões de choque no Estado. Sentimos uma migração do interesse, indo contra algo que demoramos anos para conquistar que é o vínculo comunitário. Sempre gostei de trabalhar em batalhão justamente por esta proximidade, de ouvir as demandas, de conviver, de ser parte da comunidade onde trabalhamos e vivemos. Isto também pesou, está mudando o rumo da corporação.
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O comandante lamenta a diminuição do policiamento comunitário?
Sinto que tínhamos todas as condições de continuarmos sendo uma referência, como já fomos para o Estado e além da fronteira. Recebemos inúmeras visitas de outros estados que vieram conhecer. Mas, hoje não temos mais condições. Se optou por criar um segundo batalhão, uma unidade de choque, em detrimento do comunitário. Se dependesse de mim, deveríamos investir mais na prevenção que é o policiamento comunitário. Tem que ter o repressivo, mas como tínhamos aqui, uma Companhia (de Operações Especiais) que para a estrutura de Caxias e da Serra me parecia suficiente. Hoje, a prioridade, até para estruturar, foi esta segunda unidade em detrimento do policial que está ali 24 horas por dia, no despacho do telefone 190, na Patrulha Maria da Penha, nas demandas das escolas, inúmeros apoios ao Samu e a atividade de oficiais de Justiça, todas estas atividades que são dadas do policiamento urbano. Nas 24 horas do dia temos policiais que estão nos dois presídios, no Case (Centro de Atendimento Socioeducativo) e no 190 que não para nunca. O esforço maior devia ser na prevenção. Fica um sentimento de que estamos invertendo esta prioridade.
Como começou a sua carreira?
A minha carreira é bem enxuta, objetiva. Desde criança convivi no batalhão de Vacaria, o 10º BPM, onde o meu tio foi comandante. Convivia com amigos lá, jogava futebol. Desde criança aprendi a gostar e sempre quis entrar na Brigada. Consegui ingressar na academia em 1990, fiz os quatro anos de cursos e fui classificado para Veranópolis, onde fiz meu tempo de tenente. Quando fui promovido para capitão, em 2000, vim para Caxias do Sul. Passei dois anos em Novo Hamburgo, voltei para Caxias e fiquei três anos, até 2008, no Batalhão Rodoviário em Bento Gonçalves. Depois voltei para Caxias do Sul entre o 12º BPM e o Comando Regional (CRPO Serra) onde tive uma atuação administrativa. É uma carreira curta, acho até que deveria se estender mais, mas acho que as circunstâncias nos empurram... Acabei me cansando do peso da função e é necessário ter uma rotatividade. Foi uma decisão pessoal tomada ainda no final do ano passado.
Como foi investir na estrutura do batalhão e contar com parcerias da comunidade?
Acredito que temos que cuidar do nosso ambiente de trabalho. Desde o início da carreira, sempre enxerguei que um bom resultado operacional precisa de uma boa organização administrativa. O trabalho de rua depende da parte administrativa. O ambiente de trabalho tem reflexo direto lá na rua. É obrigação de quem está no setor administrativo proporcionar as melhores condições e o suporte para quem está nas ruas. É o que pensamos, quem vem assumir o serviço tem que encontrar um ambiente limpo e organizado. Um local sujo e desorganizado afeta a motivação de quem chega para assumir sua função. Este é o desafio do comando, fazer com que o efetivo subordinado seja um reflexo seu. Quem faz o atendimento é o policial da ponta, é ele quem precisa ser apoiado e valorizado. Essa estrutura é para nós e também para receber a nossa comunidade.
Como enxerga os próximos anos da segurança pública de Caxias do Sul?
A questão da pandemia teve interferência direta, com a menor circulação de pessoas e veículos, para a redução dos números de roubos dos últimos 12 meses. Mas, nos últimos três anos, o que foi muito importante e está fazendo a diferença é a efetiva integração operacional entre os órgãos de segurança. Salvo alguns momentos de exceção, via de regra sempre tivemos um bom relacionamento. Mas, esta troca de informações sobre crime, quem está cometendo e até mesmo a realização de operações veio deste fortalecimento destas relações e ainda iremos colher bons frutos. Fico preocupado com a redução da estrutura e que quem fica na ativa precisa se sentir apoiado e valorizado. Se não, a tendência é a qualidade do serviço ficar bastante prejudicada. É preciso manter este ritmo de trabalho.
A BM tem a aposentadoria compulsória aos 35 anos de carreira. Nesta sua despedida, como analisa este limite?
É algo que precisa ser revisto. Esta minha opinião é uma minoria, são raros que pensam assim. Acredito é que deveria existir uma diferenciação, pois o trabalho dos praças é muito mais desgastante do que o dos oficiais. O policial de rua tem um risco e um desgaste emocional muito maior. O tempo de serviço dos oficiais que estão no comando acho que poderia e deveria se estender. Acredito que logo acontecerá. Hoje há este limitador legal de, no máximo, 35 anos de serviço. A minoria dos praças vai até estes 35 anos. Já grande parte dos oficiais vai até o último ano, porque almejam chegar no último posto e continuar na gestão. Poderíamos estender este tempo para os oficiais em mais cinco anos, facultativo. O motivo da crítica é que acontece um represamento das promoções, mas é preciso entender que hoje a expectativa de vida é maior e devemos contribuir com a sociedade.
Quais os planos após a despedida?
Tive dois convites, mas não tenho perfil para área política. Não tenho nenhum plano, além de continuar morando em Caxias. É uma cidade que oferece diversas oportunidades. Pretendo fazer aquilo que não consigo fazer hoje. Há duas coisas que pretendo fazer de imediato: colocar em dia minha atividade física, que sinto falta, e a minha leitura. São vários livros que tenho guardado e quero ler. Para além disso, não tenho nenhuma conversa. Sempre gostei de participar de cursos e palestras, são ambientes que quero participar, mesmo que de forma online neste momento. Tenho pretensão de fazer uma pós-graduação ou até mesmo uma graduação. A área de História sempre gostei e poderia fazer por prazer. Se surgir uma oportunidade, estou aberto, porque sou muito novo para ficar completamente parado. Uma segunda ocupação diversa pode ser bem-vinda.
Sentirá saudades desta rotina da Brigada Militar?
Imagino que sentirei muita falta do convívio das pessoas. A rotina já veio me preparando psicologicamente, o próprio fardamento. O convívio das pessoas é o que mais sentirei falta, é o mais difícil de se preparar. De conversar, saber o que está acontecendo, gosto desta parte humana e realmente sentirei falta da troca de conversa com os companheiros de farda.
O sentimento é de missão cumprida?
Em termos de batalhão, sim, mas também gostaria de ter deixado uma estrutura melhor. Sinto que hoje estamos fragilizados pelo tamanho da cidade e da demanda. Caxias é segunda cidade do Estado em diversos indicadores: população, PIB, frota de veículos, número de eleitores... Deveria ser melhor cuidada. Nosso batalhão deveria ser maior, ter uma estrutura mais fortalecida. Temos 497 municípios no Estado, entre eles, no máximo, 10 são locomotivas. Os outros 487 são vagões que são transportados por esta locomotiva. Caxias, em diversas áreas, deveria ter uma atenção e um retorno, nada mais que uma obrigação, dos entes federativos.