O terceiro período consecutivo de redução nos assaltos levou Caxias do Sul a índices que só eram vistos 17 anos atrás. Com 2.280 casos, 2019 fechou com o segundo menor número de roubos em quase 20 anos ficando atrás apenas de 2003, que teve 2.226 assaltos. O resultado é ainda mais expressivo quando se considera o aumento populacional e o fato de 2016 ter sido o ano mais violento da história do município — que teve 4.602 assaltos. Desde então, os números gerais caíram pela metade, com destaque para o comércio, com redução de 86% nas investidas de ladrões armados.
Sem um grande investimento público, a queda é explicada por diversos fatores: maior integração entre órgãos de segurança, aprimoramento de inteligência policial, investimentos privados, auxílio da tecnologia na produção de provas e um maior número de prisões preventivas decretadas. Todas as ações inibiram os criminosos, que aparentemente migraram de furtos e estelionatos — crimes com penas menores.
O consenso entre as lideranças é que os resultados partiram de uma reação natural diante da crise de 2016. A média de mais de 12 assaltos por dia, além dos 150 assassinatos, fez todos os envolvidos buscarem melhorias.
— Quando vemos que um caminho não está dando certo, é natural buscar outro. Buscamos mais meios de trabalho para, mesmo com um efetivo reduzido, dar vazão a casos de roubo. A partir das readequações, se criou um trabalho contínuo — comenta o delegado Vitor Carnaúba, referindo-se às readequações internas da Polícia Civil, mas também citando a aproximação e a troca de informações com a Brigada Militar (BM), que no ano passado se tornaram política de gestão do governo estadual, com a criação do programa RS Seguro.
— O ano de 2016 foi de pico nos índices e, diante de um problema, a primeira preocupação é não criar um segundo. Frente aos efetivos reduzidos, as instituições se viram obrigadas a serem colaborativas. A integração é a maturidade e que está sendo refletida lá na ponta — complementa o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
Confira números:
Resultados obtidos com muita parceria
Marcado como o ano mais violento da história de Caxias do Sul, 2016 também marcou o início do uso da ferramenta Avante pela Brigada Militar (BM). O programa de gestão abastecido com todos os delitos registrados apresenta quais crimes estão em crescimento, faz o mapeamento dos locais com mais problemas e estabelece metas de redução. O que antes era feito manualmente e pelo instinto do policial, ficou automático e acessível, permitindo a melhor distribuição do efetivo nas ruas.
Outro fator importante foi o surgimento de aplicativos de conversa, que facilitaram o compartilhamento de imagens, e passaram a ser utilizados tanto entre policiais quanto para receber denúncias da comunidade. Essas duas ferramentas, mais a aproximação entre BM e Polícia Civil diante da crise de 2016, aprimoraram o trabalho de inteligência policial.
— Temos menos efetivo, mas temos mais tecnologia. É um contato muito maior entre os policiais de toda cidade por meio destes aplicativos de comunicação. Se não conhecemos um suspeito, conseguimos distribuir a imagem dele e rapidamente teremos uma resposta. Alguém irá reconhecê-lo, o que torna a margem de esclarecimento de crimes muito maior — aponta o delegado Carnaúba.
A integração foi reforçada com o Programa RS Seguro, no ano passado, que estabeleceu duas reuniões mensais entre os órgãos de segurança pública dos 18 municípios gaúchos mais violentos (na Serra, apenas Caxias do Sul integra a lista). A primeira troca de informações acontece em cada cidade. Posteriormente, os avanços e problemas são apresentados no encontro de lideranças de todo o Estado.
— No primeiro momento, avaliamos os indicadores criminais. Buscamos as razões de cada aumento ou redução, para entendermos o fenômeno. Lá na ponta, as informações coletadas pelo PM são levadas à investigação policial, subsidiando mandados de prisão ou busca. Um trabalho complementa o outro — explica o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas.
— A conversa melhora muito com esse olho no olho. Se a BM faz uma prisão em flagrante, já passa a informação e o delegado verifica outros crimes com o mesmo suspeito ou naquela mesma região (da prisão). Assim, procuramos outras vítimas que possam fazer o reconhecimento. Ao invés da prisão por um roubo, mostramos que aquela pessoa já fez diversas vítimas _ exemplifica o delegado regional da Polícia Civil, Paulo Roberto Rosa da Silva.
Com mais provas, mais prisões
A tecnologia se mostra um fator decisivo no combate aos roubos. Com cada vez mais câmeras espalhadas pela cidade, o primeiro passo de uma investigação policial passou a ser a busca por imagens em moradias e em empresas. Neste sentido, a Polícia Civil buscou orientar os lojistas sobre a qualidade e posicionamento dos equipamentos.
— Com as câmeras mais evoluídas, por vezes, conseguimos identificar de pronto um criminoso. (A imagem) é uma prova irrefutável, que o Judiciário pode confiar plenamente e, assim, o número de prisões preventivas em casos de roubo aumentou consideravelmente. O padrão é buscar essas imagens, pois assim não dependeremos do reconhecimento pessoal, que por vezes é falho. Há muitas vítimas que não querem se envolver por medo de alguma represália — relata o delegado Carnaúba.
Da mesma forma, os rastreadores inibiram os roubos de telefones e veículos. Ao buscar um produto de maior valor, os bandidos se viram perseguidos e capturados em flagrante. Esse receio também chegou aos traficantes e revendedores, que se tornaram mais seletivos diante de objetos roubados, e o mercado do crime encolheu, na percepção da polícia.
— A comunidade passou a se cuidar, principalmente na forma de investir em segurança, com monitoramento e alarme. O criminoso não quer ficar preso. Se ele percebe que estão surgindo provas fáceis, e passa a ficar recolhido, ele costuma migrar para outro tipo de crime. Por isso, os crimes violentos estão diminuindo — salienta o delegado Carnaúba.
Austeridade contra crimes violentos
Os números elevados de criminalidade de 2016 exigiram mudanças. Sem efetivo ou investimentos, a resposta veio pela concentração de esforços em duas frentes. O primeiro foi o cerco às facções para tentar reduzir o tráfico e também os assassinatos. O segundo foi o combate aos roubos, crime que mais assusta a população porque coloca a vítima diante de um bandido armado. Com menos assaltos, menos chance de alguém ser ferido ou morrer pelas mãos de um assaltante.
Enquanto a Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas (Draco) foi atrás de quem lucrava com assaltos, identificando uma quadrilha que movimentou mais de 1 mil veículos furtados e roubados, a BM utilizou o programa Avante para saber onde os crimes aconteciam e identificar quais as rotas de fugas utilizadas pelos ladrões de carro, o que permitiu obter respostas mais rápidas.
— O roubo tem uma atenção muito maior e é mais fácil de fazer a repressão (porque o criminoso se expõe). A própria vítima é uma testemunha que aciona de imediato o 190 e permite a mobilização das viaturas. Ela pode não ter visto o rosto do ladrão, mas saberá relatar algum detalhe que nos ajuda nesta busca. Seja as vestes do ladrão, a voz, uma tatuagem, são diversos detalhes que podem nos ajudar — aponta Ribas.
A mobilização contra os crimes mais violentos também incluiu o Ministério Público (MP) e o Poder Judiciário, com cada vez mais prisões preventivas decretadas. Diante de punições mais efetivas, essa modalidade de crime passou a "não compensar" e os bandidos migraram para furtos e estelionatos.
— Há preocupação de todo o sistema em relação ao roubo. Mas no furto e estelionato a própria legislação evita o encarceramento — conclui o comandante do 12º BPM, citando as penas brandas.
Policiais mais próximos do comércio
Outra mudança estratégica surgiu com a formatura de policiais militares. Como parte de sua formação, os novos soldados foram orientados a atuar a pé pela área central _ medida que não era adotada havia anos em Caxias do Sul. A presença da primeira turma, que contou com 50 brigadianos em julho de 2017, teve uma repercussão positiva imediata, aliviando a rotina de moradores e lojistas da região. Desde então, o 12º BPM se esforça para manter a presença no coração da cidade, onde o comércio está mais concentrado.
— Percebemos uma influência decisiva nos roubos a pedestre. O número ainda é elevado, mas a redução (de 40% nos casos em três anos) é significativa — comenta o tenente-coronel Ribas.
Apesar de admitir o investimento em câmeras e vigilantes, o diretor comercial da rede Brisa Calçados afirma que o principal fator para a redução nos assaltos foi a proximidade dos policiais militares. A marca atua há 30 anos em Caxias do Sul.
— Temos grupos de WhatsApp que acionamos diante de qualquer suspeita e torna tudo mais rápido. (Em caso de roubo), ligamos direto para alguém, o que traz um tempo de resposta melhor e um empenho maior. Antes, era ligar para o 190 e fazer boletim de ocorrência — aponta Thiago Dal Pizzol, 33 anos.
O diretor estima que faz dois anos que as lojas não sofrem com assaltos. Os furtos também reduziram, mas ainda acontecem, principalmente envolvendo pessoas que tentam esconder produtos dentro da bolsa e mochilas.
— O mercado geral investiu e a maioria das lojas têm câmeras e vigilantes. Se uma não tem, a vizinha possui, o que também ajuda. Mas também percebo que a impunidade está sendo menor. Antes, acontecia um assalto e os criminosos saíam antes da gente na delegacia — lembra Dal Pizzol.