A policial militar Carmen Rosemeri Fagundes de Souza, 45 anos, inicia o ano com a expectativa de manter ou superar um número que lhe valeu uma bela homenagem da Brigada Militar (BM) em dezembro passado. Por ter se dedicado com afinco, tornou-se a segunda instrutora com mais alunos em todo o Estado no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). O reconhecimento ocorreu durante um seminário do programa na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas. Era o que precisava para a policial fortalecer sua convicção de que é possível ser parceiro dos jovens em busca de um cotidiano mais seguro e saudável.
Como instrutora do Proerd, Carmen conhece o espinhoso cotidiano que ronda estudantes em Caxias do Sul. A tarefa dela e de outros quatro colegas policiais militares ligados ao programa em Caxias é preparar crianças e adolescentes para que saibam dizer não às drogas, buscar ajuda em situações de abusos e resistir diante de influências nocivas. Em sala de aula, cerca de três mil estudantes já passaram pelos seus ensinamentos _ ela formou 1,3 mil alunos somente em 2019.
Natural de Ijuí, a policial veio para Caxias do Sul como aluna da BM no início dos anos 2000. O plano era conquistar a formação militar na cidade serrana e retornar para a cidade natal. Ela até tentou conseguir uma transferência, mas ficou por Caxias. Trouxe os pais e uma irmã para residir com ela. Após observar as habilidades e competências da servidora, o comando do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) decidiu convidá-la para exercer a função dentro de escolas por meio do Proerd.
— Então não tenho perfil para trabalhar no Batalhão de Choque — brinca.
No primeiro ano de atividade, em 2015, ela deparou-se com histórias tristes. Como era inexperiente, absorvia os dramas. A policial quase abandonou as escolas.
— Minha família não queria que eu ficasse. Eu estava desistindo, voltava para casa destruída. Há crianças vencedoras e resilientes por tudo o que passam. Precisei me estruturar, aprender e crescer.
Com mais segurança, Carmem retornou às salas de aulas para um segundo ano e não saiu mais. Desde então, já passou por mais de 25 colégios, com o apoio da BM e da comunidade escolar. Ela conquistou a segunda colocação no Estado porque se dedica integralmente ao programa _ o primeiro lugar ficou com um sargento da reserva da BM que atua na Região Metropolitana.
— Para ter dedicação exclusiva ao Proerd, é preciso ter um número X de alunos. Nem todos conseguem porque precisam se dedicar a outras atividades, faculdades, essas coisas. E o trabalho é intenso porque você fica um turno inteiro, precisa encarar os problemas. Não é só uma cartilha para passar conteúdo. Tu acaba desenvolvendo uma relação de pertencimento com a turma — explica a policial.
"Nossa relação é de respeito, sem julgamento"
O instrutor do Proerd também lida com situações que envolvem o simples afeto. Carmem não esquece do caso de uma guria de 13 anos que não conseguia ter uma conversa profunda com a mãe. A relação em casa era apenas oi, bom dia e como vai.
— Mãe e filha nunca tiveram um diálogo de verdade. Até que um dia, essa menina tomou coragem, foi com a mãe no mercado, comprou sorvetes e um monte de doces e programou um dia para ficar com a mãe, colocar o papo em dia, desabafar. Se um pai não tem ouvidos, não está disposto, os filhos vão procurar outras pessoas — pondera Carmen.
A policial também desfaz mitos. É normal que muitas pessoas relacionem violência e drogas com famílias mais pobres. Grave engano. Ao circular por escolas públicas e particulares, Carmen aprendeu que esses problemas estão disseminados em qualquer classe.
— Muda realidade econômica-social, mas a ansiedade das crianças são as mesmas. Na adolescência, tudo é potencializado. Hoje, os jovens não estão preparados para as frustrações. Entram na sala de aula com a cabeça em outro mundo e não conseguem o resultado em função do turbilhão de emoções que tentam resolver. Afastam as pessoas que poderiam ajudar.
Conforme Carmen, o principal dilema é dos pais que não percebem conflitos preocupantes nos filhos. Para ela, adolescentes têm necessidade de falar sobre si, muitos carregam problemas e querem respostas para ontem. Mas, ao mesmo tempo, não se sentem confortáveis para desabafar com pais e mães distantes. A policial exalta a qualidade do Proerd e aponta o caminho da evolução. Todos os instrutores estão passando por capacitação para a educação inclusiva, outro desafio nas escolas.
— Nossa relação é de respeito, sem julgamento. Trabalhamos a prevenção, dentro do contexto policial. Levo as reportagens para que eles vejam que é necessário pensar no risco e na consequência. Mostramos que, quando estão nervosos, se colocam em risco.
A policial não se vê longe da sala de aula no futuro. Inclusive, pretende concluir o curso de Pedagogia neste ano _ ela tem formação no magistério.
— É muito contagiante esse trabalho do Proerd porque te fortifica.