Em meio a um cenário de déficit histórico de servidores, as policias gaúchas cresceram o seu efetivo entre 2019 e 2020. O total de integrantes da Polícia Civil cresceu 6% desde o começo do ano passado. São 5.283 agentes de segurança responsáveis por investigar crimes — número que ainda é 39% abaixo do ideal para o Rio Grande do Sul.
Em janeiro de 2019, eram 4.976 servidores, 48% a menos do que o recomendado. Na Brigada Militar, o ingresso de 2,9 mil soldados fez frente aos 1.493 PMs que foram para a reserva remunerada no período. Embora longe de alcançar o patamar suficiente de policiais, o incremento de pessoal traz fôlego no combate ao crime organizado e na expansão de facções para o interior do Estado.
O acréscimo de 307 servidores na Polícia Civil levou ao melhor número desde que a nova cúpula — liderada pela delegada Nadine Anflor — assumiu a corporação. Em 2020, os acréscimos de pessoal ocorreram em setembro, na formatura de 55 delegados e em outubro, quando 257 escrivães e inspetores tomaram posse. Em julho de 2019, houve reforço de 412 agentes.
— É importante sempre tentar se aproximar do número ideal. Na década de 1970, tínhamos um efetivo maior, mas não se falavam em ações de organizações criminosas e a população era muito menor. A medida que a população aumenta, há ações mais violentas e é preciso ter efetivo para atender essa demanda. É claro que não temos como prever o futuro e não sabemos quantos irão pedir aposentadoria, isso é sempre uma incógnita — afirma o subchefe da corporação, Fabio Motta Lopes.
O policial civil pode solicitar aposentadoria ao completar 30 anos de serviço — desde que 20 deles sejam na atividade policial — e ter idade mínima de 55 anos. Em 2019, 62 servidores se aposentaram. O número saltou para 290 em 2020.
Quatro critérios foram usados para distribuir os servidores que ingressaram na Polícia Civil em 2020: o principal é o reforço de pessoal nas Delegacias de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP). Uma das prioridades foi estabelecer um número mínimo de servidores nas DHPPs. Ao todo são 14 no Estado: seis em Porto Alegre, quatro na Região Metropolitana e quatro no Interior. Para a cúpula da Polícia Civil, mais agentes nestas delegacias contribuem para a queda dos índices de homicídio no Estado — os assassinatos tiveram redução de 8,7%% de janeiro a junho deste ano, foram 901 pessoas assassinadas no primeiro semestre no RS contra 987 em igual período do ano passado
— A redução de homicídio tem muito a ver com investigação criminal. Tenho a maior admiração pelo trabalho da Brigada Militar, mas por mais que tenha efetivo na rua, que inibe roubo e homicídio pontualmente, na redução de assassinatos as delegacias de homicídio tem papel fundamental. Por isso agora temos um efetivo mínimo em todas. Fortalece a delegacia e impacta na redução desse crime — afirma o delegado.
Os outros três parâmetros levados em conta na lotação dos novos agentes são as DPs voltadas a repressão de organização criminosa, os 23 municípios priorizados no RS Seguro — Programa Transversal e Estruturante de Segurança Pública com foco territorial no combate à criminalidade e a implantação de políticas sociais preventivas — e as delegacias de municípios pequenos que estavam com efetivo muito baixo.
— Temos a tendência de priorizar os municípios do RS Seguro e também tínhamos delegacias com um servidor só. O reforço possibilitou que não tenhamos órgãos sem policiais. Embora sejam cidades pequenas, um ou dois policiais que se colocam a mais, dá uma diferença até no andamento das investigações. Mas o cobertor é sempre curto — afirma Motta.
Novas formaturas em 2021
Em 2021, estão previstas formaturas de inspetores e delegados. À frente da Associação dos Delegados de Polícia, Pedro Carlos Rodrigues defende que os governos formem uma turma de agentes por semestre ou, pelo menos, uma por ano:
— Se cada governo tivesse feito sua parte, não estaríamos vivendo esse problema. Mesmo com o déficit de funcionários, a Polícia Civil tem prestado um belíssimo trabalho na rua com número de apreensão e prisões. A qualidade está ótima, a quantidade de servidores é que não está. A tecnologia ajuda muito no trabalho, mas a busca e apreensão e a operação policial quem tem de fazer é o policial.
O Ugeirm Sindicato, que representa investigadores, escrivães e inspetores, entende que o reforço de 6% no efetivo é bastante positivo tendo em vista o quadro atual de funcionários. O vice-presidente da entidade, Fábio Castro, ressalta, porém, que a categoria segue enfrentando uma série de problemas, como falta de pessoal para preencher escalas de plantão e equipes reduzidas no Interior — com delegacias com apenas um servidor:
— Um dos grandes desafios é acabar com a DPs com um servidor só. Não adianta colocar só mais um, teria que reavaliar a necessidade de permanência da própria delegacia. O governo deveria olhar com mais atenção para uma série de concursados que aguardam ser chamados.
Castro afirma que há delegacias de polícia de Pronto Atendimento (DPPA) do Interior com plantões de apenas um servidor:
— Nos horários de folga é comum ele ser convocado para reforçar operação policial em município próximo. Temos consciência que é impossível, no efetivo atual, suprir todo o déficit, mas com reforço e planejamento, é possível que o quadro não seja tão dramático — opina Castro.
Na BM, cerca de 900 pedidos de aposentadoria por ano
Com ingresso de 2,9 mil soldados entre 2019 e 2020, a Brigada Militar possui pouco mais de 50% do efetivo previsto para a população gaúcha. O índice cresceu. No começo do ano passado, era 47% do ideal. O efetivo total da corporação gira em torno de 18 mil policiais, dos quais quase 17 mil estão na ativa, os demais são PMs temporários e integram o Programa Mais Efetivo (PME) onde policiais da reserva retornam à tropa em quatro frentes: videomonitoramento, patrulha escolar, segurança prisional e serviços administrativos — liberando os mais jovens para irem para rua.
— Na década de 1990, tínhamos mais de 30 mil homens e população de 8,5 milhões. 30 anos depois, a BM tem pouco mais de 50% do previsto para a 11,4 milhões de pessoas. Ao longo de 30 anos houve redução gradativa de efetivo. É um movimento que ocorreu em todos os estados do Brasil com a economia de pessoal. Nós precisaríamos que anualmente entrassem mil homens para repor as aposentadorias. Acontece que nos últimos 30 anos, não houve ingresso regular — contextualiza o subcomandante-geral, coronel Vanius Cesar Santarosa.
De acordo com o oficial, em média, os pedidos de aposentadoria anual giram em torno de 850 a 900. Entre 2019 e 2020, 1.493 policiais foram para a reserva remunerada. Ou seja, dos 2,9 mil que ingressaram, 48% representam ganham real de servidores no efetivo.
Para tentar driblar a falta de força humana, a BM tem focado em qualificar a tropa, melhorar o armamento, ações de inteligência e ferramentas tecnológicas. Um exemplo é o aplicativo BM Mob, que permite que todo PM faça registro de ocorrência de pequeno potencial ofensivo, sem precisar se deslocar até uma DP, evitando que a guarnição se afaste da rua.
— Os crimes cometidos por facção também tem muita atuação de inteligência, ações em conjunto e coordenadas. Mesmo operando com 50% do efetivo, conseguimos manter os índices de criminalidade bem reduzidos. Temos antecipado ações, adiantando situações, em cima de variáveis que a gente acompanha, tem toda uma equipe que fica pensando em cima dos cenários. A segurança vem aprendendo a trabalhar analisando os fatos positivos e negativos que aconteceram ao longo dos anos e temos conseguindo êxito. É um esforço de todas as engrenagens da segurança pública — afirma o coronel.
Os novos policiais serão distribuídos em várias frentes: Região Metropolitana, onde há maior população concentrada no RS, e as pequenas cidades que têm menos de cinco policiais — segundo o coronel, são menos de 20 dos 497 municípios gaúchos. Os batalhões de choque — as tropas especializadas que atuam ações específicas e ocorrências de maior periculosidade —, também receberão parte do novo efetivo. Em março e novembro de 2021 inicia o treinamento de duas novas turmas, cada uma delas com 860 policiais.