“Aqui começa a Brigada”.
Está correta a inscrição sobre as instalações da Escola de Formação e Especialização de Soldados (EsFES) da Brigada Militar de Porto Alegre, no bairro Partenon. Mas tampouco seria errado dizer que começa para valer mesmo é em oportunidades como a deste sábado (17), quando 177 soldados fizeram uma das primeiras saídas a campo de seus estágios supervisionados.
Na prática, é quando os novos brigadianos e brigadianas, após passarem pelas aulas teóricas e práticas da EsFES, se integram ao policiamento da cidade acompanhados pelo comando dos diferentes batalhões da Capital. Os professores, enquanto isso, se divertem com as pequenas alegrias dos novos membros da família brigadiana.
– Não faz muito, eles estavam vibrando. Aqui na zona leste, área do 19ª BPM (Batalhão de Polícia Militar), realizaram uma abordagem e se tratava de um foragido. Bá, aluno prendendo foragido da Justiça! Pra eles é estrear em campo marcando gol – brinca o major Endrigo Silva Silveira, comandante da EsFES.
De acordo com o comandante, os reajustes no salário inicial da Brigada Militar, que ocorreram de forma escalonada entre 2012 e 2018, fizeram com que o concurso para a polícia gaúcha se transformasse de um dos mais desprestigiados para um dos mais concorridos do Brasil, atraindo candidatos de todo o país. Hoje, o salário inicial de um policial militar no Rio Grande do Sul é de R$ 3.760,54.
– Claro que muitos querem ser policial por vocação, por terem outros policiais na família, mas o lado financeiro também pesa. Não são muitas as profissões que pagam um salário inicial como esse para nível médio – compara.
Não são tão raros, portanto, exemplos como o do futuro soldado Aislan Gandolfi, 27 anos, que veio de Rondônia para patrulhar as ruas da Capital. No seu caso, mais do que a remuneração, pesou a possibilidade de se especializar em neuropsicologia, área em que o Rio Grande do Sul é referência. Antes de desembarcar no Estado, Aislan cursava duas graduações – psicologia e música – no estado natal.
– Conheci a cidade visitando uma amiga de Sapucaia, me apaixonei e tracei o objetivo de vida de vir pra cá. Fui um pouco fisgado pelo estômago também. Engordei seis quilos desde que cheguei aqui – conta o rondoniense, aprovado em concurso realizado ainda em 2017.
A pandemia fez com que a preparação dos soldados fosse um tanto diferente dos anos anteriores. Em vez de seis turmas com 30 futuros policiais, foram nove com 20, que vêm recebendo aulas desde maio. Algumas atividades de campo também tiveram de ser substituídas por treinamentos nas dependências da BM, pra evitar exposição ao coronavírus. Isso tornou o início dos estágios ainda mais importante. A turma de 2020, mais do que as outras, esteve resguardada de maiores contatos com as ruas até o momento.
– A gente tenta fazer simulações, mas não tem nada tão caótico e espontâneo como a atuação junto às comunidades – declara o major Endrigo.
Uma das estagiárias, Auristela Gelocha, 23 anos, cita um exemplo.
– Nunca imaginei que a Lei Maria da Penha fosse algo que eu veria com tanta força no dia a dia. Em um dos primeiros patrulhamentos na região da rodoviária, o 190 recebeu um pedido de socorro de uma mulher apanhando do namorado dentro do carro. É um choque de realidade – conta a futura soldado A.Gelocha, nome que escolheu ostentar no peito.
Entre os atuais soldados em formação, 40 são mulheres (23% da turma). O ingresso de A.Gelocha na BM tem uma motivação familiar bonita. Já formada em terapia ocupacional em São Pedro do Sul, na Região Central, resolveu fazer concurso para a Brigada motivada pelo avô. Ele era policial, mas teve de abandonar a profissão ao ficar paraplégico em um tiroteio.
– Agora, quero ver se consigo trazer ele para me entregar o diploma – conta a nova brigadiana, antes de se juntar a dezenas de colegas e ganhar as ruas da Capital.