Em meio a maior enchente da história do Rio Grande do Sul, destacamos uma colaboração do leitor Elias De Marco, graduando em História pela Universidade de Passo Fundo e mantenedor do recém-criado perfil do Instagram @serafinamemorias, onde compartilha fatos e fotos marcantes do município de Serafina Corrêa. Foi lá que, em 4 de abril de 1956, teve início uma inundação até hoje lembrada pelos moradores mais antigos e seus descendentes.
"Entre tantas narrativas, encontramos relatos sobre a enchente que ocorreu no ano de 1956, quatro anos antes da emancipação (do distrito de Serafina Corrêa) de Guaporé. Conforme a obra Memórias da Linha Onze, foi ‘a maior enchente registrada na história de Serafina Corrêa’. A veracidade da informação acima é comprovada pelo acervo fotográfico do Museu Municipal de Guaporé, que contribuiu de forma significativa para a ilustração desse material. As fotografias ilustram visualmente o local na década de 1950 e preservam a história de um dos eventos mais marcantes vividos pela comunidade. Nelceu Zanatta, 65 anos, e José Maccari, 76 anos, trazem as lembranças desse episódio que abalou a comunidade. Nascido em Serafina Corrêa, Zanatta atualmente reside em Itajaí (SC). Em seu relato, traz as informações repassadas pela mãe, Nilce Galeazzi Zanatta, de 91 anos. Maccari vive no mesmo município com sua família”.
Confira abaixo as recordações de cada um deles, cedidas ao pesquisador Elias De Marco. Agradecimentos a Diogo Zanatta, Nelita Maria Zanatta e Lucinda Chiarello Maccari. Mais informações com o autor pelo fone (54) 99600.6532 ou e-mail eliasdemarco16@gmail.com.
ENXOVAL LEVADO PELAS ÁGUAS
“A enchente de 1956 foi muito cruel porque foi a maior enchente registrada em Serafina Corrêa. Duas casas - aquelas casas italianas com sobrado pontiagudo - foram levadas pela correnteza do rio, o conhecido Feijão Cru: a casa dos Zanatta e a casa dos Nodari. A referência da nossa casa era uma oficina chamada Oficina Zanini, que recentemente também teve problema com a enchente, porque o rio praticamente passa embaixo. Antigamente, a passagem era na lateral.
Posteriormente, os Nodari mudaram para Guaporé, mas o meu pai, Nadir Zanatta, decidiu mudar apenas de endereço, permanecendo em Serafina, onde viveu até seus 82 anos. Naquela época, o Feijão Cru não era canalizado. Daí que em qualquer cheia transbordava. Atualmente, ele está canalizado e, de certa forma, ganhou uma velocidade muito grande, principalmente por conta do crescimento da cidade em seu redor e proximidades.
As minhas irmãs, a Nelita e a Nadilce, na época com um e dois anos de idade, respectivamente, foram retiradas da janela de casa por um morador, o senhor Laurindo Marocco (in memoriam), que morava nas imediações. Tão logo ele conseguiu tirá-las, também recolheu o berço, quando a correnteza levou a casa, que foi se desmanchando pelo caminho.
Por muito tempo ainda os vizinhos recolhiam parte do jogo do enxoval de casamento dos meus pais, como pratos, roupas, talheres, que encontravam em suas hortas. A minha mãe foi limpando, e eu guardo pratos até hoje, como uma recordação dessa enchente. Os Migliavacca, por exemplo, foram limpar a horta e encontraram pratos e copos. À medida que eles trabalhavam e iam capinando, achavam o restante.
A casa da família Nodari também ficava à beira do rio, mas mais central, próximo ao Frigorífico Ideal. Na época, fizeram uma campanha de arrecadação para ambas as famílias, depois disso é lenda, porque meu pai faleceu e o que minha mãe lembra, com sua idade já avançada, é isso: a dificuldade em retomar a vida e a tristeza, principalmente porque o enxoval do casamento ia sendo devolvido aos poucos.
Não se tinha informações sobre uma outra enchente. Em 1941, nós não ouvimos falar, sabíamos apenas que tinha ocorrido. Mas como em 1956, jamais houve outra. Foi um choque e uma perda muito grande, principalmente para os meus pais, recém-casados”. (Nelceu Zanatta, 65 anos)
MÓVEIS NO RIO
“Na época, eu tinha oito anos e morava na Linha Décima. Meus pais, Ernesto Maccari e Maria Cervieri Maccari, moravam próximos a um antigo moinho da Sociedade Estrella. Aquele moinho era movimentado por uma turbina, numa distância de aproximadamente 500 metros, e tocado por motores que geravam muita força.
Naquele ano, 1956, a enchente foi muito grande. E nós assistimos de lá as coisas seguindo pelo rio abaixo. A gente via madeira, alambiques, animais, móveis... enfim, muitas coisas passaram pelo rio. A nossa casa ficava numa parte mais alta, era quase impossível de chegar a água, mas eu lembro que numa parte mais baixa tínhamos um local para suínos e um galinheiro, que foi levado pela correnteza. Quanto à tubulação que levava a água para a turbina dos motores do moinho, a água levou.
Após as perdas ocasionadas pela enchente, a Sociedade tentou substituir a turbina com outros motores mais potentes, mas não obteve sucesso. Os motores não conseguiam tocar a capacidade necessária. Com isso, transferiram o moinho para a sede. E nós também nos transferimos. Meu pai, Ernesto Maccari, conseguiu comprar uma casa na Linha Doze e mesmo assim, como ele era sócio do moinho, continuou trabalhando com a Sociedade.
Eu lembro que o moinho era muito movimentado, principalmente na época da colheita do trigo e do milho, chegavam muitos caminhões. É muita história, muitas recordações, porque foi um fato marcante, tudo isso ficou gravado na memória de muitos serafinenses. E podemos ver o mesmo se repetir hoje, 68 anos depois”. (José Maccari, 76 anos)