Pesquisador, historiador e cronista da Caxias de antigamente, João Spadari Adami (1897-1972) eternizou costumes e personagens da então Vila de Santa Teresa em diversos livros e jornais editados entre os anos 1950 e 1960. No efêmero quinzenário Ecos do Mundo, Adami dominava a última página com os sempre curiosos textos da coluna "Caxias de ontem e de hoje".
Na edição de 30 de março de 1963, ele debruçou-se sobre os antigos feirantes da praça naquele início do século 20. O texto original foi publicado de forma contínua, mas aqui destacamos os referidos vendedores por tópicos.
“A Praça Rui Barbosa, ex-Dante Alighieri, de mais de 50 anos atrás, com quitandeiros e outros feirantes, com suas tendas armadas no seu interior, é, sem dúvida alguma, para os que viveram naquela época e que ainda existem, um passado saudoso que lhes proporcionou dias deleitantes e inesquecíveis, mas que não voltam mais. Nunca mais! Por isso é bom relembrar”.
OS FEIRANTES (1)
1) O primeiro quitandeiro que encontrávamos, partindo do canto da praça fronteiro à Canônica, era Antônio dos Santos, com frutas e doces.
2) João Tirolês, colono, com fumo, vinho, cachaça e cadeiras coloniais de sua fabricação.
3) Paulo Filippini, conhecido mais por “cavanhim” (cesteiro), com cestas de vime, frutas e doces, mantendo junto de sua mesa o jogo de cinquilho.
4) Giacomo Bonato, com doces, frutas e sementes em geral.
5) Veneranda Rossi, com frutas e balas.
6) José Braida, tirolês, colono, fabricava e vendia “boccias”, tornos de madeira para banco, torneiras e cabos de ferramentas em geral.
7) Antônio Bonato, com doces e frutas.
8) José Susin, conhecido mais por “stechet”, com pregos, martelos e utensílios de ferro de sua fabricação.
9) Em dias de festas excepcionais, como “Santa Teresa” e o “Divino”, com uma grande tenda e mesa também grande, coberta de fazendas, fitas gregas, linhas e outras miudezas, um mascate de fora, conhecido como “O Português”.
10) Catarina Coltro, conhecida mais por “la capelera” (chapeleira), vendendo chapéus de palha de trigo, de sua fabricação.
11) No fim desta fila, vemos o seleiro e trançador Emilio Minghelli, conhecido mais por “Truco”, transportando sua mercadoria numa carretinha puxada pelo seu burro-chorro de nome “Bortolin”.
OS FEIRANTES (2)
Na segunda fila do lado esquerdo da igreja, defronte ao campanário, como primeiros tendeiros, vemos:
1) Os irmãos João e José Gaspareto, coadjuvados por D. Marieta, esposa do primeiro, vendendo miudezas em geral, como seja: agulhas, linhas, meias, chapéus de palha e tecidos.
2) João Meloni, com frutas doces, produtos suínos, pão, manteiga, vinho e cerveja. Exceto cerveja, que comprava nas cervejarias de Ambrósio Leonardelli e Félix Laner, tudo era de sua fabricação.
3) Antônio Gaglio, conhecido mais por “gaieto”, com doces e frutas, transportadas por seu burro-chorro.
4) Luiz Siviero, conhecido por “boca storta”, popular não só por vender quitandas, mas também pelo encargo que tinha na igreja: alugar, aos fiéis que quisessem assistir às cerimônias religiosas sentados, por 100 réis cada, as cadeiras, pois que, naquele tempo, não existiam bancos na Matriz.
5) Mariana Mussoi Bascú, vendendo doces, frutas e fazendo humorismo, o que a tornou mais popular ainda.
6) Santina Biancon, com frutas, verduras, aves vivas, pássaros mortos (caçados). Só vinha à Vila na estação invernosa; no verão, raras vezes.
7) Teresa Batassini, colona, com frutas e célebres roscas usadas como colares para por no pescoço das crianças no dia de “Crisma”.
8) João Rosseti, conhecido por “sicoia”. Colono vendia pão, cucas, produtos suínos e bebidas de sua fabricação.
9) Luiza Caldi, vendendo pinhão cozido e amendoim torrado.
10) Jacinto Sartor, conhecido por “pessetel”, por fabricar e vender peixinhos de açúcar. Nos domingos quentes, percorria Caxias vendendo água com gosto de anis.
11) Francisco Rossi, conhecido por “Ortelan” (hortaliceiro), com queijo e requeijão.
12) Catarina Menegol, conhecida por “catina delle erbe” (das ervas), por vender ervas medicinais.
13) Luiz Casali, conhecido por “broqueta” por fabricar tachas e rebites.
Barba, cabelo e "mandolato"
João Spadari Adami também destacou outros serviços oferecidos junto aos feirantes daqueles tempos:
“Mais para o centro da praça, com tendas, os irmãos Gianferrari, conhecidos por “barberoni” (barbeirões com barbearia, cortando barba, a vinte réis, e cabelo, a quarenta réis. E com água florida, mais quarenta réis. Alhures da praça, Pedro Curtolo, conhecido por “Piero orbo" (Pedro cego), vendendo mandolato de sua fabricação. Mais ou menos onde está a Estátua da Liberdade, Pedro Zappoli, conhecido mais por “moleta”, afiando desde o machado até o bisturi. E, abrigados à sombra das tendas dos feirantes, os colonos com um ou mais sacos de milho, à espera de comprador, que muitas vezes não aparecia, obrigando-os a levar de volta para a colônia seus produtos. Assim era a nossa principal praça naquele tempo, aos domingos e outros “dias de guarda”.”
O jornal Ecos do Mundo
Informativo de periodicidade quinzenal, o jornal Ecos do Mundo - onde foram publicados originalmente os textos e tópicos acima - circulou entre os anos de 1962 e 1964, com distribuição gratuita. Tratava-se de uma publicação atrelada ao Centro Cultural Ítalo-Brasileiro (CCIB), à época dirigido pelo empresário italiano Raimondo Paschero, chegado a Caxias 10 anos antes, em 1952, na companhia da esposa Adriana e da filha Enrica.
Sob a direção de Paschero e Júlio Ungaretti, o informativo trazia notícias da cidade, crônicas, opinião, esporte, economia, agitos sociais, educação, entre outros assuntos, além de textos de Adami e Jimmy Rodrigues. Um dos destaques era a seção “Semeadores do Progresso”. O espaço trazia uma minibiografia de personagens - italianos ou descendentes - que haviam contribuído para o desenvolvimento da cidade.
Confira outras publicações da coluna Memória