O lendário Armazém Tonietto, cuja história começamos a recordar na coluna de segunda-feira, funcionou como ferragem em seus últimos anos de atividade, na década de 1990. Mas são as curiosidades do tempo do clássico secos & molhados - que vendia "de um tudo” e “a caderno” - que iremos destacar a seguir.
As lembranças foram publicadas pelo médico Virgilio Tonietto, um dos filhos de seu Luiz Tonietto e de dona Dalva Buffon Tonietto, no livro Era uma Vez, lançado em 2018.
“Vendia-se quase de tudo no armazém. Frutas em geral - especialmente bananas, que ficavam penduradas no alto por um fio acima do balcão -, rapaduras, pés de moleque, verduras, arroz, feijão, açúcar (tudo a granel), café em pó Albion, charque, produtos derivados de porco, torresmo, chimias de vários sabores, ovos, queijos da colônia, louças buscadas em Farroupilha, vidros para conserva, copos, ferraduras, chinelos de couro, tamancos de madeira e, a partir dos anos 1960, as moderníssimas sandálias “de dedo” da marca Havaianas”.
Infinidade de produtos
Mercadorias “estranhas” também não faltavam. Entravam aí tripa salgada para fabricação caseira de linguiça, breu, sulfato de cobre e enxofre para tratar doenças fúngicas nas parreiras, pólvora, chumbos para confecção de cartuchos de armas de fogo e até lúpulo para cerveja.
Outras tantas eram adquiridas a algumas quadras dali, na antiga Importadora Comercial, em São Pelegrino. Já as galinhas vivas eram buscadas no Armazém Signori, na Rua Feijó Jr., e transportadas em sacos de aniagem, algumas morrendo sufocadas no trajeto. Sobre elas, uma curiosidade destacada por Virgilio:
“Tínhamos um galinheiro portátil, feito com ripas de madeira, que era levado para expor as aves na calçada. Às vezes, ao se abrir a porta do galinheiro, elas fugiam. Meu irmão Jorge era o campeão na caça aos galináceos fugitivos”.
Brim Coringa e perfume Gauchinha
Como bom armazém, o Tonietto também dispunha de itens de ferragem - panelas, bacias, pregos, dobradiças, fechaduras, penicos esmaltados pendurados no teto -, além de roupas, tecidos e artigos de armarinho. Os consumidores encontravam desde calças "de brim” coringa Far-West, Topeka e Us Top, camisas Volta ao Mundo, fatiotas, sutiãs, saias, meias Lupo, lenços de bolso marca Presidente, tênis Germade e chapéus de palha, um sucesso de vendas.
Conforme Virgilio Tonietto, também não faltavam o óleo de semente de algodão Sol Levante, as pílulas do Dr. Ross, o emplastro Sabiá, o xarope de angico Pelotense, a pomada Minâncora, o Biotônico Fontoura, os inseticidas Detefon e “flit” e os lendários repelentes espirais da marca Boa Noite, que queimavam a noite inteira.
A seção de perfumaria também era farta em clássicos:
“Eram muito procurados o pó facial Lady, o sabonete Cashmere Bouquet, o talco Johnson’s e o Leite de Colônia. O perfume feminino mais vendido era o Gauchinha. Na parte masculina, vendia-se muito Óleo de Ovo, para prevenir a calvície; a Loção Brilhante, para esconder os cabelos brancos; e os fixadores de cabelo Glostora e Gumex”.
Família no balcão
Além do casal Luiz e Dalva, todos os filhos trabalharam como balconistas - Airton Tonietto chegou a ser sócio dos pais por um período. De funcionários, apenas dois: Dilo de Gerone, que ajudava a entregar os ranchos em uma carroça puxada a cavalo, na década de 1950; e Roberto Facchin, nos anos 1970.
Já a mudança de ramo, privilegiando artigos de ferragem e materiais de construção, veio aos poucos, a partir da saída dos filhos de casa, nos anos 1970. Virgilio lembra:
“Meu pai ficava no balcão e a Dalva ficava fazendo os serviços de casa. Quando entravam vários fregueses ao mesmo tempo, ele acionava uma campainha, e a Dalva vinha auxiliá-lo”.
Homenagem e Troféu O Mercador em 1997
A longevidade do estabelecimento - mais de 70 anos - e sua importância para o desenvolvimento econômico de Caxias foram reconhecidos em outubro de 1997, durante a entrega do Troféu O Mercador. Então com 82 anos, seu Luiz foi homenageado pelo Sindilojas/Sindigêneros na categoria Destaque Especial, pelo tempo de atuação na área.
Cerca de dois meses depois, no início de janeiro de 1998, um acidente interrompeu toda essa trajetória. Seu Luiz dirigia-se a uma agência bancária quando foi colhido por uma caminhonete na Av. Rio Branco, a poucos metros do armazém. Ele faleceu um ano depois, em 3 de fevereiro de 1999, aos 84 anos.
O ponto comercial foi repassado e funcionou até 2014, sob o comando de Valdemar Bado. Nesse mesmo ano, o terreno da casa e do antigo comércio foi vendido, dando lugar a um novo prédio. Porém, até hoje, muita gente lembra de ir ao número 808 da Av. Rio Branco e ouvir a saudação típica aos fregueses de antigamente, para saber qual a mercadoria procurada:
“O que era?..."