A reunião entre representantes da Inca Tecnologia e da Astral Científica com o prefeito Sebastião Melo, o vereador Pablo Melo (MDB) e o ex-vereador Alexandre Bobadra (PL), entre outras autoridades, foi o tema mais recorrente durante o depoimento do empresário Jailson Ferreira da Silva à CPI da Educação, nesta quinta-feira (31), na Câmara de Porto Alegre. Ele afirmou que o encontro teve como foco a apresentação de kits de robótica, tendo como pauta secundária materiais didáticos e laboratórios.
Jailson é representante e revendedor comissionado das duas empresas. Ele afirmou que o encontro foi marcado pela sua “equipe técnica”, mencionando apenas o nome de uma pessoa chamada “Cristiane” como responsável pelo agendamento com o gabinete do prefeito.
— Tenho equipe técnica que agenda reuniões no Brasil todo. Não convidei nenhum vereador — afirmou Jailson.
Ele disse que seus colaboradores costumam oferecer reuniões para apresentar produtos educacionais, sobretudo em municípios que precisam melhorar o desempenho no Ideb.
Vereadores independentes e de oposição contestaram a versão apresentada pelo empresário, que prestou testemunho sob o juramento de dizer a verdade. Parlamentares afirmaram ter indícios de que a reunião foi marcada pelos gabinetes de Pablo, filho do prefeito, e de Bobadra. Tiago Albrecht (Novo), da ala independente, chegou a se referir ao encontro como “reunião de lobby”.
— O senhor afirmou que a sua equipe técnica solicitou reunião com o prefeito para fazer a exposição de kits de robótica. Porém, na agenda oficial do prefeito, está marcado, neste exato momento, reunião com os vereadores Alexandre Bobadra e Pablo Melo. A reunião não foi registrada com as suas empresas, e sim com essas pessoas. Houve a intermediação desses dois agentes públicos para que vocês conseguissem agenda com o prefeito? — questionou Alex Fraga (PSOL).
Jailson manteve a versão de que o encontro foi marcado por sua equipe técnica.
— Não tenho nenhuma relação com os vereadores Alexandre ou Pablo. Eles participaram da reunião, mas acho que foi como ouvinte, ninguém fez nenhuma pergunta — disse Jailson.
Diante das divergências, o vereador Giovani Culau (PCdoB) aprovou requerimento para que a CPI convoque o responsável pela elaboração da agenda de Melo em julho de 2021.
— Aconteceu uma reunião com a presença do prefeito e do Jailson, mas ela foi anunciada publicamente como apenas dos vereadores Bobadra e Pablo. Na semana passada, a ex-secretária Janaína (Audino) disse (em depoimento à CPI) que foi convocada pelo gabinete do prefeito para essa reunião, mas que desconhecia a pauta. E, agora, o Jailson diz que a equipe técnica dele solicitou. É um conjunto de contradições. Quem pediu, de fato, a reunião e qual o papel dos vereadores? — questionou Culau.
Respondendo aos parlamentares, Jailson classificou sua relação com agentes públicos de Porto Alegre como estritamente institucional.
Em tréplica, Fraga apresentou no telão uma foto publicada em rede social em que o empresário aparece ao lado de Bobadra, abraçados em uma festividade. O empresário disse que tem diversas fotos com pessoas que encontra aleatoriamente e que isso não significa nenhuma irregularidade.
A reunião de Jailson com Melo, Pablo e Bobadra ocorreu em 9 de julho de 2021, no Paço Municipal. À época, a Secretaria Municipal da Educação (Smed) era dirigida por Janaína Audino, que não fez nenhuma aquisição de materiais da Inca e da Astral. A partir de março de 2022, a Smed passou a ser comandada por Sônia da Rosa.
No primeiro mês de gestão dela, a prefeitura iniciou processos de compras que pularam etapas legais definidas pela Procuradoria-Geral do Município (PGM) e Tribunal de Contas da União (TCU), não tiveram estudos preliminares e começaram com orçamentos ou atas de registro de preço das empresas ligadas a Jailson, conhecido como Jajá no meio político e empresarial de Porto Alegre.
Em 2022, das 11 compras por adesão à ata de registro de preço pela Smed, seis delas tiveram relação com Jailson, somando o montante de R$ 43,2 milhões. A ata de registro de preço, conhecida como carona, é uma licitação feita por outro ente público e que pode ser aproveitada pelos demais poderes, em um procedimento que acelera o gasto público.
Jailson disse ter conhecido Sônia, que deixou a titularidade da Smed após série de reportagens do GDI, em eventos da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal). Ele confirmou que suas empresas já haviam feito vendas para órgãos públicos geridos por Sônia, especificamente na Secretaria Municipal de Educação de Canoas, onde ela atuava antes de vir para a Capital. Não foram detalhados, contudo, os produtos vendidos e os valores envolvidos no município da Região Metropolitana.
Em Porto Alegre, foram adquiridos cerca de 500 mil livros e 104 laboratórios de ciências e matemática. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelou que milhares de exemplares da editora Inca estavam estocados em galpões úmidos e sujos, sem uso dos alunos. Também nas escolas foram flagradas centenas de caixas empilhadas, inutilizadas.
— Houve flagrante excesso de materiais. O senhor viu que tinha fezes de pombos sobre os materiais? Não se sente consternado com tanto dinheiro público torrado? — indagou Albrecht.
Jailson, acompanhado pelo advogado José Henrique Salim Schmidt, não respondeu.
A vereadora Comandante Nádia (PP), da base governista, elogiou a aquisição de materiais “fundamentais” para a rede pública e questionou o que havia sido feito com livros de português e matemática que continham erros.
O empresário respondeu que a Inca é uma “empresa séria que fez questão de recolher (os exemplares com erros) sem nenhum custo”. No total, foram mais de 73 mil publicações com erros de português e matemática recolhidos, o que ocorreu após alertas de parlamentares sobre as impropriedades.
— Nós trocamos esses livros e eles já se encontram nas escolas, atualizados. Nenhum livro foi desperdiçado — afirmou Jailson.
Empresário reconhece que fez a entrega de livros de suposta concorrente
Uma das novidades trazidas no depoimento foi a afirmação de Jailson de que fez a entrega à Smed de mais de 100 mil livros de educação ambiental e sustentabilidade, os quais estão integralmente estocados até hoje, desde o segundo semestre de 2022. Esses livros são da editora Inca, representada por Jailson, mas foram vendidos à Smed, ao custo de R$ 8,6 milhões, por outra empresa: a Sudu Inteligência Educacional, sediada em Manaus (AM).
Essa foi a sexta aquisição da Smed por carona com a participação de Jailson. A Sudu não é de propriedade de Jailson, mas a empresa vende os mesmos livros da editora Inca.
Nos processos administrativos de compra por carona, é preciso apresentar orçamentos de outras possíveis fornecedoras para demonstrar o que é chamado de "vantajosidade". Isso serve para indicar que a carona irá garantir um bom preço para o município. Neste ponto, entrou a participação de Jailson. Uma empresa em nome dele, a World Company Soluções e Inovações Tecnológicas, apresentou um orçamento de R$ 12,7 milhões para fornecer os livros. A cotação é assinada por Jailson.
Uma terceira empresa, chamada Editora Verde, deu outro orçamento superior a R$ 12 milhões. O perfil da Editora Verde em redes sociais mostra que ela também vende livros da Inca. Assim, com os orçamentos, incluindo o de Jailson, os R$ 8,6 milhões cobrados pela Sudu para vender livros da Inca receberam o aspecto de vantajosidade. Apesar de ter perdido a oportunidade de negócio com a World, Jailson confirmou, respondendo ao vereador Roberto Robaina (PSOL), ter feito a entrega dos livros da Sudu, que seria uma concorrente, em galpão da Smed.
— Eu auxiliei simplesmente nessa chegada do material em Porto Alegre ao depósito. A Inca me solicitou que fizesse isso. Simplesmente levei uma carreta até o depósito — disse Jailson.
Reunião na próxima segunda-feira
A reunião desta quinta-feira (31) foi da CPI liderada pelo bloco governista, presidida por Idenir Cecchim (MDB). Na próxima segunda-feira (4), haverá reunião da outra CPI da Educação, que investiga os mesmos fatos, mas é presidida pela vereadora independente Mari Pimentel (Novo). A bancada governista, maioria nas duas comissões, estava obstando o andamento desta CPI porque Mari indicou o oposicionista Robaina como relator. Para dar fluxo à apuração, Mari concordou em fazer uma eleição para a função de relator na próxima segunda, que deverá ser vencida por um aliado do prefeito Melo.