Três semanas depois do início dos trabalhos das duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara de Vereadores de Porto Alegre para investigar supostas irregularidades em compras feitas pela Secretaria Municipal de Educação (Smed), o que se vê, a cada reunião, é um festival de bate-boca, disputas judiciais e poucos avanços nas investigações. Para uma análise dos trabalhos até agora, a coluna ouviu os presidentes de cada uma das comissões, o vereador Idenir Cecchim (MDB), líder do governo, e Mari Pimentel (Novo).
A seguir, a conversa com Mari.
Como a senhora vislumbra o futuro da CPI que a senhora preside em meio a tanto bate-boca a cada reunião?
É uma pergunta importante para a cidade, afinal, a CPI foi protocolada para trazer a luz para a população e para a Câmara de Vereadores sobre o que aconteceu na Secretaria de Educação em 2022, onde tivemos uma série de itens que foram comprados, manipulando etapas e, para isso, abrimos um inquérito para investigar. Tendo em vista que está havendo grande articulação da base do governo de bloquear o trabalho, a gente vê a dificuldade de a CPI avançar. Mas já temos, para segunda-feira (28), chamadas duas pessoas para testemunhar. São servidoras que despacharam muitos desses processos. Elas vão explicar como é o processo começava, se tinha interferência política ou não, como continuava, qual era a ligação com as empresas, para que entendamos o contexto.
Como a senhora avalia os trabalhos até agora?
Até agora, estamos em um trabalho muito mais político do que de conseguir trazer o debate que a sociedade precisa. Temos muitas denúncias, muitos são os processos que já estão incorporados, mas, ali no plenário, virou um bate-boca, uma questão de circo até. A gente precisa trazer a parte que não se vê da CPI: pessoas trazendo informações, a sociedade se movimentando, trazendo detalhes, servidores. A gente tem hoje uma CPI ativa nos bastidores, dando respaldo para o Ministério Público, prestando informações para a imprensa. Tem investigado, mesmo com toda a prejudicialidade que vemos no plenário.
Já era previsível que houvesse muita confusão em razão da existência de duas CPIs para investigar o mesmo objeto. Passado quase um mês, é viável manter duas comissões?
A CPI do governo nunca foi uma CPI da Câmara de Vereadores, e sim do governo querendo trabalhar numa articulação dentro da Câmara de Vereadores. Então, a CPI que foi construída pelo governo, que hoje existe, deve construir uma narrativa de acordo com o que o governo quer mostrar para a sociedade, e não o que a gente precisa investigar como vereadores e o que a Câmara tem de se apropriar como algo que aconteceu na nossa capital e na Secretaria de Educação. Esse debate é importante: queremos colocar a narrativa do governo ou, como nós queremos, fazer de maneira independente o trabalho da Câmara de Vereadores. Sempre vai haver espaço para diálogo, para construção. Conversamos com muitos vereadores, sempre estivemos abertos para mostrar, explicar quais eram os esquemas, por onde passavam as compras, onde pularam etapas, mas a gente ainda vê que existe uma certa pressão do governo para não deixar os vereadores trabalharem numa questão de construção e até de diálogo. O grande legado para da CPI não será trazer ninguém algemado, não é culpar ninguém. Será trazer para a população o que aconteceu para que não se repita e que a gente consiga deixar de legado uma nova ferramenta de gestão pública para o município de Porto Alegre.
Há toda uma discussão em relação a sua indicação do vereador Roberto Robaina (PSOL) como relator, enquanto vereador Idenir Cecchim defende que a escolha para o posto seja por voto.
Temos no regimento interno da Câmara a possibilidade de o presidente da CPI indicar o relator. A grande questão que os vereadores têm trazido é sobre a liberdade da presidente indicar o relator. Então, independentemente se eu tivesse indicado Robaina ou algum outro vereador que não fosse o que o governo quisesse, estaria dando os mesmos problemas. O governo busca orientar uma votação onde eles têm maioria e não a presidente ter a liberdade de definir o relator do trabalho da CPI. Porque sempre foi assim. A presidente ou o presidente da CPI sempre escolheu o relator, né? É o que está no regimento. Mas, aqui na Câmara de Vereadores, muitas vezes se votava. Não usando o regimento, mas se votava. E o que hoje a base do governo coloca é que criou uma jurisprudência, já que, há 20 anos, a gente faz assim. Então, como eu sou nova na política, usamos as regras, usamos toda a parte de regulamentação e regimento interno. E isso está sendo debatido. Eles (os governistas) já dizem que tem uma jurisprudência parlamentar. Olha o nome que criaram. Uma jurisprudência parlamentar para considerar que tem de ser eleito o relator. Sendo que o regimento indica o contrário, né? Então, está sendo até uma narrativa, muitas vezes, da velha política de “sempre foi assim”. Com a nova política, vamos seguir as regras e vamos fazer o melhor para a cidade.
As duas CPIs não estão atrapalhando o trabalho de outras discussões importantes para a cidade?
Não vejo com essa perspectiva, pois mesmo na segunda-feira que a gente teve sessão, votamos projetos. Devemos votar uma ampla gama de projetos de hoje (quinta-feira passada, 24). Me parece muito mais um desconforto eleitoral, daí sim, do governo atual de ser fiscalizado e de, daqui a pouco, penalizar a sua imagem do que atrapalhar o andamento da Câmara. Sabemos que o governo tem dificuldade de passar projetos que ainda não mandaram para a Câmara de Vereadores, como a questão do Dmae, do Plano Diretor, mas isso me parece que o problema não está sendo a Câmara de Vereadores e, muito mais, a articulação do governo de conseguir ter votos ou a vontade de aprovar esses projetos e não a falta de energia da Câmara de colocar o debate desses projetos na cidade.
Vocês pretendem visitar escolas para verificar a situação in loco?
Na CPI na qual eu sou presidente, não, pois a gente já colocou que não foi má gestão e não temos problemas de logística. Isso daí é consequência de algo que aconteceu antes. Então, não foram as professoras, não foram as diretoras que compraram esses materiais sem licitação. Eles foram comprados sem o entendimento até das próprias professoras e diretoras. Toda escola municipal e estadual, os professores mandam de um ano para o outro para o governo federal quais livros utilizarão. Então, eles já têm um planejamento. No caso de Porto Alegre, chegaram livros com problemas de português, ao longo do ano, sem estar nem na grade curricular. Avaliamos que o problema não está nas escolas, e já foi enterrada a narrativa que o problema era de gestão ou de logística, uma vez que os próprios e-mails que trouxe o GDI nas últimas matérias já coloca que tinha se tentado um orçamento para aprovar o transporte dos materiais e foi bloqueado pelo governo. Então, a alta cúpula do governo sabia da necessidade de contratar transporte para distribuir os materiais e negou esse orçamento de R$ 2 milhões comparado com uma compra de R$ 110 milhões. Então, não foi por acaso que os materiais estavam estocados e não foi um erro de gestão também. Agora, a gente precisa saber o que aconteceu nos bastidores ou antes para que a gente comprasse tantos materiais sem licitação e materiais que estavam muito longe de ser prioridade na educação de Porto Alegre.