A Polícia Civil de Fontoura Xavier, no norte do Estado, concluiu o inquérito que apurou suspeitas de que ex-escoteiros teriam sofrido abuso sexual por parte do então chefe do Grupo Escoteiro Guamirim, André Carvalho Lacerda. O suspeito foi indiciado por estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude.
Conforme a advogada que representa o grupo de ex-escoteiros, Claridê Chitolina Taffarel, o inquérito foi concluído com 19 depoimentos de jovens que contam situações de carícias e de sexo com André. Claridê também disse que a polícia tem indícios de que há mais vítimas que, por medo, ainda não aceitaram falar.
A investigação encontrou conversas do suspeito com ex-escoteiros — em aplicativos como WhatsApp e Messenger — que teriam fortalecido detalhes que os jovens revelaram à polícia. Os fatos apurados teriam ocorrido com crianças e adolescentes que tinham, à época, entre 10 e 17 anos. Todos afirmam terem sido submetidos a atos sexuais sem dar consentimento.
Em agosto, o Grupo de Investigação da RBS revelou histórias de alguns desses jovens, que dizem terem sido vítimas durante anos, enquanto integravam o Guamirim. O grupo foi fundado por André em 2007 e encerrou atividades em 2017.
Até chegar ao conhecimento de autoridades, o segredo que causava vergonha às vítimas foi detalhado e discutido em um grupo de WhatsApp criado pelos ex-escoteiros e batizado de "Terapia Guamirim". Foi por este canal que os jovens descobriram detalhes do que cada amigo teria sofrido e, depois de firmar apoio uns aos outros, tomaram coragem para procurar a polícia, no final de 2018.
Nos relatos feitos ao GDI ao longo de quatro meses, ex-escoteiros descreveram a estratégia que André usaria para envolvê-los: alegava ter câncer e precisar do sêmen para ser curado.
— Ele passava a mão. Depois, ele pedia que a gente desse nosso espermatozoide, que tinha o poder de curar ele — contou um dos jovens.
— Ele se curava com sêmen, ele falava que era a cura dele — confirmou outro entrevistado.
A investigação de 10 meses identificou, além das vítimas, a forma como André agiria para envolver os meninos. Conforme os depoimentos dos jovens, o então chefe dos escoteiros, que também era gerente de banco em Fontoura Xavier, os atraía com videogames e computador moderno, além de dar presentes e pagar almoços e jantares. Os abusos teriam ocorrido em residências de André em Fontoura Xavier e em Porto Alegre, mas também em atividades do Grupo Escoteiro Guamirim, como acampamentos.
Segundo a advogada dos jovens, a constatação de que os meninos recebiam presente de André fez a polícia enquadrar o suspeito por violação sexual mediante fraude. Ou seja: ele os agradaria e trataria bem, quase como uma figura paterna, para poder praticar os abusos sem ser denunciado. Até o começo da investigação, nenhum ex-escoteiro havia contado sobre os abusos para familiares.
Em janeiro, a polícia havia feito buscas no apartamento de André, na Região Metropolitana, onde foram apreendidos telefones celulares, pendrives, tablets, notebooks, DVDs, videogame, HDs externos, MP3 e um revólver. O conteúdo dos equipamentos foi analisado pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). GaúchaZH apurou com Claridê que diálogos de André com ex-escoteiros foram localizados nos equipamentos e também serviram para sustentar o indiciamento.
— Acompanhei toda a investigação, todos os depoimentos. Estamos confiantes no andamento do caso — disse Claridê, que foi a advogada procurada pelos ex-escoteiros para levar as suspeitas às autoridades.
Ao longo da investigação, a Polícia Civil pediu a prisão do suspeito duas vezes, o Ministério Público concordou, mas o Judiciário indeferiu os pedidos. O MP recorreu e aguarda decisão do Tribunal de Justiça.
O inquérito, que foi conduzido pelo delegado Marcos Veloso, agora será analisado pelo promotor de Justiça que atua no caso em Soledade, Bill Jerônimo Scherer, que decidirá se denuncia ou não André com base no indiciamento feito pela polícia. O caso tramita em segredo de Justiça.
Em depoimento à Polícia Civil, André negou todas as suspeitas.
Suspeito foi afastado e perdeu homenagem
A partir da reportagem do Grupo de Investigação da RBS, veiculada em agosto, a representação do Movimento Escoteiros do Brasil no Rio Grande do Sul anunciou abertura de processo ético-disciplinar contra o ex-chefe de escoteiros André Carvalho Lacerda.
O expediente tramita, mas André ainda não foi encontrado para ser citado e apresentar defesa. De qualquer forma, ele está suspenso preventivamente do movimento. Desde 2016, André já não renovava sua inscrição anual junto ao movimento.
_ Estamos colaborando com as autoridades e fornecendo todas as informações necessárias. A preocupação é enorme com a essa situação, pois viola toda a nossa política de proteção infanto-juvenil. Queremos concluir o procedimento para exclusão dele. As condecorações que recebeu no movimento já foram cassadas _ disse Mário Muraro, presidente da Região Escoteira do Rio Grande do Sul.
Também depois da revelação das suspeitas, vereadores de Fontoura Xavier colocaram em rediscussão uma homenagem concedida ao então chefe do Grupo Escoteiro Guamirim em 2010: André recebeu o título de Cidadão Fontourense. A lei que havia concedido o título foi revogada por unanimidade pelos nove vereadores em 26 de agosto.
Como denunciar
Denuncie casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes para a Polícia Civil pelo telefone 0800-642-6400. O anonimato é garantido.
Contraponto
O que diz André Machado Maya, advogado de André Carvalho Lacerda:
"A defesa vai buscar informações sobre a conclusão do inquérito para se manifestar depois".