Para a mãe de um dos ex-escoteiros que procuraram a Polícia Civil, a história vivida pelo grupo tem de servir de alerta e de exemplo para outras vítimas. Em Fontoura Xavier, ex-integrantes do Grupo Escoteiro Guamirim sustentam terem sofrido abuso sexual por parte de André Carvalho Lacerda, que fundou e dirigiu o grupo. As suspeitas são investigadas pela polícia e já há 18 depoimentos de ex-escoteiros.
— Qualquer criança ou adolescente que esteja passando por isso, conte. Conte para o pai, para a mãe. Não pode ter vergonha. Se alguém estiver passando por isso, fale o quanto antes para alguém — apela a mulher que chegou a participar do Grupo Guamirim, em Fontoura Xavier.
GaúchaZH não identifica ela para proteger a identidade do filho, que também pediu sigilo.
Ela contou sua participação no grupo e destacou que diversos pais atuavam no movimento de escoteiros e acompanhavam os filhos. Também lembrou que, no começo, havia certa desconfiança em relação ao fundador e presidente do grupo, o chefe André, hoje investigado por suspeita de abuso sexual.
— A gente desconfiava porque era pessoa de fora da cidade, que a gente não conhecia. E sempre a gente perguntou muito para os meninos: "Não tem nada? Não acontece nada? Vocês só estudam, só aprendem os tipos de nós?". E eles sempre falavam bem, negavam. De tanto eles negarem, começamos a achar que nós estávamos sendo injustos com a pessoa. Mas nós estranhávamos também que ele tinha o melhor videogame, o melhor celular, o melhor notebook, chamava a atenção, mas como era pessoa sozinha e com boa condição financeira, tudo bem — lembra a mãe.
Parece que o chão abre, parece que tu está assistindo um filme. Como não vi, como não senti, por que não evitei? Tu só quer abraçar, porque sente culpa, é como se fosse tirando pedaços da gente.
Ao falar com o Grupo de Investigação da RBS (GDI), ex-escoteiros relataram a presença dos pais nas atividades do grupo, mas destacaram que, em determinados momentos, o chefe André criaria situações para afastar as famílias daquele convívio.
— Parece que ele temia perder o controle sobre nós. Os pais acabavam se afastando — lembra um ex-integrante do Guamirim.
Sobre o dia em que o filho lhe contou sobre os abusos que teria sofrido, a mãe desabafa:
— Parece que o chão abre, parece que tu está assistindo um filme. Como não vi, como não senti, por que não evitei? Tu só quer abraçar, porque sente culpa, é como se fosse tirando pedaços da gente. A gente pensa que errou. Quando eu abracei ele, ele disse: "Mãe, não tem ninguém culpado". Mas no fundo os pais vão sentir isso, que a gente não conseguiu proteger eles o suficiente. Isso dói, a gente sente que falha. Não sei o que a gente poderia ter feito diferente, em que parte a gente errou de não ter visto.
Cuidados que adotamos para a realização desta reportagem:
1 - Os jovens entrevistados pelo GDI não são identificados para evitar constrangimentos. Por isso, as imagens e as vozes foram distorcidas. 2 - A mãe de um ex-escoteiro que foi entrevistada também não é identificada, para preservar o filho. 3 - Confirmamos junto à Polícia Civil e ao Ministério Público que os relatos foram formalizados em depoimento pelos ex-escoteiros e que o caso está sob investigação de autoridades. 4 - Confirmamos com a União dos Escoteiros do Brasil a participação e a trajetória no escotismo do homem apontado como suspeito dos abusos sexuais.
A mãe destacou ainda a influência positiva do escotismo na vida das crianças:
— O movimento de escoteiros é uma coisa muito boa. Só peço aos pais atenção na pessoa que estiver na frente. E que isso sirva para a União dos Escoteiros do Brasil ficar atenta, que tenha acompanhamento mais próximo. Se paga anuidade, se tem toda uma base, então, se ele estava dirigindo esse grupo, a UEB tinha que ter acompanhado esse outro lado.
A UEB informou que André está desfiliado do movimento desde 2016 e que, caso se confirmem as denúncias, ele pode sofrer processo de expulsão que o impedirá de se filiar novamente.
Ainda sobre o alerta a eventuais outras vítimas, a mãe reforça que as famílias têm o papel de proteger e de dar apoio.
— A gente nunca vai sentir vergonha. Eles não foram culpados, foram usados, foram abusados, são inocentes. Foram eles que perderam a infância — diz.
Como denunciar
Denuncie casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes para a Polícia Civil pelo telefone 0800-642-6400. O anonimato é garantido.
Contraponto
O que diz Vitor Guazzelli Peruchin, advogado que acompanhou o depoimento de André Carvalho Lacerda à Polícia Civil:
"O senhor André disse que não vai se manifestar na reportagem, pois todos os esclarecimentos já foram prestados à autoridade policial".
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