O mês de julho de 2006 representa um triste capítulo no mercado da aviação brasileira. A mais antiga companhia aérea do país estava mergulhada em uma turbulenta crise financeira que se arrastava desde o final da década de 1990. Mesmo com salários atrasados há quatro meses, os funcionários não deixaram de voar nas viagens confirmadas pela companhia. A Varig foi vendida em leilão no dia 20 daquele mês. As demissões começaram uma semana depois, totalizando mais de 5 mil postos de trabalho cortados em apenas um dia.
— O fim da Varig foi como uma morte em família. É uma dor que eu não supero e me sinto muito mal todas as vezes que lembro dos fatores que levaram ao seu fim. Aliás, não existe um único motivo. Trata-se da combinação de questões criadas dentro da companhia e de fatores externos — afirma Gianfranco Beting, especialista em aviação e autor do livro Varig, a Eterna Pioneira.
Os especialistas ouvidos por GZH afirmam que os primeiros sinais de declínio começaram na década de 1980. Mesmo com resultados positivos, a Varig sofreu com a elevada depreciação do cruzeiro, com a hiperinflação e com a inconstante política econômica do Brasil. Os planos do período pós-ditadura militar privilegiaram o congelamento das tarifas, já defasadas, provocando descontrole na gestão das aéreas.
— As companhias são instituições que quando a situação está sob controle já é difícil ganhar dinheiro. Quando você entra em um quadro muito alavancado de dívidas é ainda pior evitar a quebra, a falência ou a venda a um outro grupo — opina Beting.
A Varig foi a única companhia de bandeira brasileira a obter exclusividade na operação de linhas internacionais de longo percurso. A hegemonia durou 18 anos e terminou em 1991, na gestão Fernando Collor de Mello. A Vasp e a Transbrasil também passaram a ser contempladas com as rotas internacionais. Assim, se estabeleceu a reciprocidade para que as quatro empresas norte americanas — American Airlines, United Airlines, Continental e Delta — começassem a operar voos para o Brasil.
— O mal que o Collor fez para a Varig em dois anos, ninguém fez. Abrir o mercado para empresas estrangeiras sem nenhum estudo gerou uma concorrência muito desigual. Enquanto aqui tínhamos 200 aviões, eles operavam com dois mil — conclui a professora de história da aviação no curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS, Cláudia Musa Fay.
Primeira recuperação judicial
A crise atingiu em cheio as operações da Varig a partir de 2003. A empresa apresentava dificuldades para pagar o arrendamento dos aviões. A General Eletric Company (GE), segunda maior empresa de aluguel de aeronaves do mundo, queria entrar com pedido na Justiça de arresto de 27 aviões - um terço da frota da azul e branco. A GE desistiu do confisco, baixou o valor do leasing e cobrou uma radical mudança no comando da companhia. A Fundação Ruben Berta teria que abrir mão de seu poder absoluto, o que não aconteceu.
— Houve má gestão, um problema de governança. A fundação foi criada para defender os interesses dos funcionários e evitar que algum indivíduo ou grupo econômico tomasse o poder da companhia. Mas, no final, ela se tornou um poder moderador. Um modelo ruinoso de gestão. O corpo executivo tomava decisões que precisavam ser chanceladas pela fundação. Isso custou muito caro — salienta Beting.
Se afundando cada vez mais em dívidas, a Varig mantinha um alto custo de operação e gastos descontrolados. A companhia pediu recuperação judicial em junho de 2005. Foi o primeiro grande caso da lei de recuperação judicial editada um ano antes para substituir a lei de concordata e tentar evitar a falência das empresas brasileiras.
Demissão em massa por telegrama foi algo inovador e horrível
ANGELA AREND
Ex-comissária da Varig
Foram 13 meses lutando contra a falência. O plano de recuperação dividiu a Varig em duas empresas: a “nova Varig”, dona da operação, marca e livre dívidas, e a “velha Varig”, com o passivo estimado na época em R$ 7,9 bilhões.
A nova Varig foi vendida por R$ 52,3 milhões à Volo do Brasil, uma sociedade de empresários brasileiros liderados por Marco Antônio Audi e do fundo americano Matlin Patterson, mesmo grupo que tinha comprado a sua subsidiária de cargas, a Varig Log. O martelo da venda foi batido às 11h20min do dia 20 de julho 2006.
Depois de vendida, o choque de realidade. O novo dono anunciou que todos os voos nacionais e internacionais estavam suspensos até o dia 28 de julho, mantendo apenas a ponte aérea Rio - São Paulo. Uma semana após o leilão, no pior dia dos seus 79 anos de história, a Varig anunciou a demissão de 5,5 mil funcionários e por telegrama. Do total de 9.485 empregados no Brasil, apenas 3.985 seriam mantidos.
— Fui demitida em 2 de agosto de 2006, através de um telegrama. Imaginei que fariam reuniões, talvez em grupos, para explicar como seria a transição ou mesmo a demissão. Mas, demissão em massa por telegrama foi algo inovador e horrível, pois impedia que se fizesse perguntas e esclarecesse as dúvidas — relembra a comissária de voo Angela Arend, 63 anos, trabalhou durante 26 anos na Varig.
A Varig nova foi vendida à Volo do Brasil, que era uma sociedade de empresários brasileiros com um fundo americano que havia comprado a subsidiária de cargas, a Varig Log. Os sócios da Volo se desentenderam, os fornecedores queriam pagamento à vista e faltou dinheiro para gerenciar a empresa. A Volo vendeu a Varig à Gol no dia 28 de março de 2007 por US$ 320 milhões. Alguns aviões foram incorporados às rotas da Gol, mas a Varig mesmo havia acabado.
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