Quando implementou a aviação no País que o acolheu, o jovem alemão Otto Ernst Meyer jamais imaginou ter criado uma das marcas mais amadas pelos brasileiros. Com instinto para inovação, identificou potencial para transformar o uso do aparato de algo que viu ser usado para bombardear a Europa na Primeira Guerra Mundial. Nos conflitos, atuou como oficial observador: tinha a missão de mapear os pontos de ataque.
Ao apostar em um modal ainda pouco explorado, foi desacreditado. Para fundar a Varig, Meyer bateu de porta em porta atrás de investidores. Cooptou 550 acionistas, empresários gaúchos encantados com o trajeto inaugural, sobre a Lagoa dos Patos, de Porto Alegre a Rio Grande, no Sul do Estado.
— Esses acionistas contribuíram com pouquinho, pois ninguém estava acreditando muito naquela história de avião — relembra a Doutora em História Cláudia Musa Fay, professora de história da aviação no curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS.
A chamada “Linha da Lagoa” tinha uma única escala, em Pelotas, e era atendida pelo hidroavião germânico Dornier Wal - abrasileirado como Atlântico -, patrimônio da também alemã Condor Syndikat.
Com uma aeronave emprestada e parcos recursos, nascia, a partir de uma assembleia geral realizada em 7 de maio de 1927, a Viação Aérea-Riograndense (Varig).
Propulsor da Varig, no entanto, o Atlântico quase faliu a empresa logo no segundo semestre de existência.
— O Atlântico, que era emprestado pelo Condor Syndikat, voltou para eles, que fundaram, no Rio (de Janeiro) a Condor. Isso quase quebrou a Varig, que não tinha avião, mas era a pioneira, por voar primeiro — explica a especialista.
A proximidade de Meyer com os militares que tramavam a tomada do poder em 1930 gerou frutos. Com apoio do Governo, a Varig ganhou um terreno para construção de seu hangar e pôde comprar o primeiro avião próprio, um Junkers F13. Na obra Berta: Os Anos Dourados da Varig (Ed. do Autor, 2017), o jornalista Mário de Albuquerque reafirma que o apoio de Getúlio Vargas e do interventor federal no RS, Flores da Cunha, livrou a empresa da grave crise financeira.
A Varig foi a pioneira nas rotas internacionais partindo do Brasil, pelo trecho Porto Alegre - Montevidéu, em 1942. Ganhou também a concessão das rotas da Real e da Panair, uma jogada política que a fez crescer. Para a América do Norte, resgatou o que antes pertencia à Cruzeiro do Sul, companhia que operava de forma deficitária, sem os subsídios pleiteados junto ao Governo Federal. Em 1955, o icônico Constellation virou um “avião celebridade”, com um serviço de bordo de primeira nos voos até Nova York.
— Ali começa o serviço de bordo refinado, pois sabe que vai competir com empresas estrangeiras, que vão voar aqui — compara a professora Cláudia Fay.
O primeiro funcionário foi Ruben Martin Berta, contratado aos 19 anos de idade. É tido até hoje como o maior presidente da história da companhia, e tem sua trajetória contada em livros e publicações. Chegou ao cargo mais alto durante a Segunda Guerra Mundial. Foi alçado à chefia, em especial, por dois fatores: Otto Meyer se afastou por temer a estatização e o presidente seguinte, Érico de Assis Brasil, morreu em um acidente aéreo.
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