Quando Ivone Ruth Berta de Azevedo nasceu, a Varig tinha cinco anos de idade. Filha de Ruben Berta, ela recebeu a reportagem de GZH em seu apartamento, no bairro Petrópolis, no último 8 de junho. Aos 89 anos de idade, se mostra forte e com a memória afiada sobre detalhes que envolvem um dos sobrenomes mais importantes do Estado - na Lei 3.159 de 9 de julho de 1968, foi criado o bairro em homenagem ao seu pai, na zona norte de Porto Alegre. Ruben virou Rubem, com “M” no final, confusão que já acontecia em publicações da época. A escrita incorreta não a incomoda.
— Coisas que acontecem — se diverte.
O amadurecimento de Ivone para a vida aconteceu em paralelo ao da companhia. Berta assumiu a presidência em 1942 - a filha mais nova chegava à pré-adolescência. Mesmo com as demandas do cargo, ele não dispensava pescarias na praia de Cidreira, no Litoral Norte, e caminhadas pelos morros até então pouco habitados da Zona Leste – a família viveu no bairro Partenon. Ivone e a irmã, Heliet, receberam carinho e atenção, garante a última herdeira direta viva.
A esposa do diretor-presidente também atuava, junto às companheiras dos empregados, relembra a idosa. Wilma Catarina Weber Berta organizava campanhas solidárias e ensinava os ofícios culturalmente atribuídos às mulheres na primeira metade do século.
Quando as aeronaves assumiram papel preponderante fora da América Latina, Ivone já era uma jovem adulta. Não apenas a idade de ambas, comprova, se mistura na linha do tempo. De convidada nos bailes da Varig, passou à esposa de um dos comandantes. Com sorrisos, ela lembra dos flertes e da audácia do pretendente: o piloto enviou um buquê à sua casa, no dia seguinte à primeira dança.
— Era a festa de natal, em 22 de dezembro. Os comandantes solteiros se reuniram e ficaram sentados sobre uma plataforma, onde tinha a banda. Eu fui tirada para dançar por um, depois por outro. E aí flertamos, nós dois. Foi um flerte violento. No outro dia, minha mãe disse "olha, Ruben, a Ivone recebeu flores de um admirador" — conta, saudosista do homem que viria a ser o pai dos seus quatro filhos.
Meu pai dormiu três noites seguidas na empresa, deitado sobre o balcão, pra mostrar pra mãe que ele queria trabalhar ali
IVONE RUTH BERTA DE AZEVEDO
Filha de Ruben Berta
Ivone não trabalhou na empresa, mas repete o lema “nossa Varig” com o mesmo entusiasmo de quem dela vivia. Retoma as histórias do residencial criado por seu pai, que afirmava: “todo funcionário tem que ter casa própria”. Lista tudo que era ofertado, gratuitamente, através da Fundação: atendimento médico, bolsas de estudo, doação de enxoval, medicamentos, transporte, entre outros.
De repente, interrompe a entrevista para mostrar as fotos do presidente da Varig com um dos filhos dela no colo. De súbito, aponta para o alto e diz que a avó não era de fácil trato: tentou dissuadi-lo da ideia de deixar o emprego em uma loja de tecidos para se aventurar na aviação.
— A Helena, mãe do meu pai, era muito forte de temperamento. Muito exigente. Quando ele falou do emprego com o Otto Meyer, ela não se conformou. Então meu pai dormiu três noites seguidas na empresa, deitado sobre o balcão, pra mostrar pra mãe que ele queria trabalhar ali — diz.
A ascensão no mercado, todavia, causou danos à saúde do líder "variguiano". Antes do infarto que o vitimou, Berta sentiu dores e mal-estar em ao menos três oportunidades, segundo ela relembra. Com a insistência dos parentes, procurou médicos, mas não seguiu a principal orientação: reduzir a carga horário dedicada aos aviões:
— O médico falou pra minha mãe, "ele não pode trabalhar demais. Tem que descansar. Tem que se exercitar". Mas não dava bola pra nada, só trabalhava — afirma.
Neta do aviador, a arquiteta Elisabeth de Azevedo Sant’Anna, 68 anos, também cresceu no ambiente das aeronaves. Muitas das visitas foram no escritório do avô. A admiração também se nota em Elisabeth, que complementa as histórias da mãe.
— Crescemos sabendo que o que ele fazia era muito importante. Não estava sempre conosco por uma causa muito nobre — argumenta.
Em 14 de dezembro de 1966, o telefone tocou, em Porto Alegre. Ivone embarcou às pressas para a sede, no Rio de Janeiro. Foi avisada de um novo ataque do coração, que uma equipe o atendeu rapidamente, mas não teve sucesso. O quarto infarto o venceu.
— Não adiantou, ele morreu na cadeira. Viemos no mesmo avião que trouxe o caixão. O velório foi uma comoção, e o enterro tinha uma carreata enorme, desde o aeroporto. Até hoje eu penso que a maior herança é o nome dele. Se não fosse por ele, talvez a Varig não chegaria a ser o que foi — recorda, em uma mistura de lamento e agradecimento pelo carinho dos gaúchos com seu pai.
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