Em 1927, o primeiro voo comercial a cruzar os céus do Rio Grande do Sul foi acompanhado por um grupo que, do solo, observava perplexo. No hidroavião Dornier Wal, construído na Alemanha e projetado para decolar e pousar sobre as águas, se destacava o prefixo P-BAAA. O público gritava, contra a aeronave, ao ler a inscrição abaixo das asas: "baaa", "baaa", reiteradamente. A hipótese de que fora esse o momento da criação da expressão gauchesca de espanto não se apoia em bases científicas. Para os amantes da Varig, no entanto, tem mais força do que qualquer pesquisa histórica.
Fato, a primeira companhia aérea do país nasceu em Porto Alegre, liderou o setor nacional e carregava em sua frota o nome do Estado: Viação Aérea Rio-Grandense, simplesmente reconhecida pelo acrônimo Varig.
Em uma série de reportagens que serão publicadas a partir desta sexta-feira (16), produzidas com a análise de especialistas e apoiada nas memórias de quem viveu do ápice ao declínio, GZH retoma a história da Varig, 15 anos após o leilão que deu fim às suas operações. Em 20 de julho de 2006, depois de um processo de recuperação judicial, a companhia foi vendida à Varig Log, uma ex-subsidiária que, no início daquele ano havia sido adquirida pela Volo Brasil.
Ex-funcionários, até hoje, se ressentem pela derrocada financeira que levou ao fechamento - as dívidas alcançaram R$ 8 bilhões. Ainda, indenizações são discutidas na Justiça. Para as gerações que viajaram nos aviões azul e branco, o saudosismo impera.
Com a família do alemão Otto Ernst Meyer, pioneiro do modelo de transporte no Brasil, foram descobertos diários com relatos em primeira pessoa, guardados por uma das netas, e divulgados somente agora. O fundador da Varig foi chamado de “sonhador” e “picareta”.
Aos 89 anos de idade, a filha de Ruben Berta, presidente que transpôs fronteiras nos itinerários internacionais, lembra dos bailes que envolviam toda a corporação - em um deles conheceu o marido, comandante. Ela revela que o pai, encontrado morto dentro do escritório, havia sido alertado pelos médicos: não resistiria ao excesso de trabalho.
O último diretor a ocupar o cargo dormia na sede da companhia, durantes as negociações para tentar salvar a Varig. Marcelo Bottini retoma o pesadelo das viagens com um número ínfimo de poltronas ocupadas. A crise levou ao extremo: para atender os passageiros, café e açúcar eram levados de casa pelos comissários, que outrora se orgulhavam da excelência do serviço de bordo.
No mais populoso bairro da Capital, batizado em homenagem a Ruben Berta, a Vila Varig padece, com herdeiros de uma história sem final feliz.
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