— Prometo compromisso, companheirismo, atitude, gana e gols. E tentar títulos.
Assim como é com a bola nos pés diante dos goleiros, Luis Suárez foi certeiro em suas primeiras palavras ao vestir a camisa do Grêmio, em 4 de janeiro. Passado quase um ano, já vieram 26 gols, 50 jogos e o protagonismo nas duas taças conquistadas — Gauchão e Recopa Gaúcha. Restando quatro jogos no Brasileirão, o Grêmio segue com chances de ser campeão graças ao uruguaio de 36 anos. Uma vitória neste domingo (26), contra o Atlético-MG, mantém o sonho do tri, único fato que poderá mover Luisito da ideia de rumar para o Inter Miami dentro de três semanas.
Fato é que o Pistolero já cravou seu nome na história tricolor. E não só por ter feito gols e dado assistências. Nas últimas semanas, GZH transitou por diversos lugares nos quais Suárez circulou em 2023, ouviu dezenas de pessoas que convivem com o artilheiro diariamente no clube e conta como tem sido a rotina do craque uruguaio. E comprovou que seu compromisso, companheirismo, atitude e gana vão além do campo de jogo.
Desde a apoteótica apresentação na Arena lotada, a família ganhou protagonismo. Mais do que centroavante, Luis é o marido de Sofia Balbi e pai de Delfina, 13 anos, Benjamin, 10, e Lautaro, cinco.
Os Suárez foram vistos em supermercados, shoppings, restaurantes, sorveterias, praças, passeios na Serra, no circo, na porta da escola, na escolinha de futebol — tudo registrado em suas redes sociais — só no Instagram tem 47,8 milhões de seguidores (mais do que a população do Estado de São Paulo).
Ter a possibilidade da convivência familiar em uma cidade próxima e parecida com Montevidéu foi importante para eles escolherem Porto Alegre. O acordo para aceitar o convite tricolor passou muito pelo projeto audacioso de ter o uruguaio como pilar para um clube em reconstrução. O desafio mexeu com os brios do artilheiro e mobilizou o quinteto Suárez.
Embora as aparições em locais públicos tenham sido badaladas nas redes sociais por quem os encontrou, Suárez prefere a discrição. Aconselhado por Lucas Leiva, seu velho amigo dos tempos de Liverpool e que seria seu colega de time neste ano não fosse a aposentadoria precoce, decidiu morar em um condomínio de casas de alto padrão em Eldorado Sul.
A primeira semana provocou um alvoroço no local. Uma festa infantil no salão de festas do condomínio levou uma pequena multidão até a porta da casa dos uruguaios. Aos poucos, os vizinhos famosos viraram só vizinhos. Sofia frequenta a academia do local pelas manhãs. A quadra de beach tennis recebe regularmente a família. As crianças convivem nas pracinhas.
Preferencialmente, os programas de lazer de Suárez e sua família ocorrem no condomínio. São frequentes churrascos e jantares entre o grupo formado por ele, a família de Lucas Leiva, Carballo (e a namorada) e familiares do lateral Fabio. A casa do ex-volante gremista também virou refúgio para eles passarem momentos de folga juntos.
Uma exceção ocorreu na semanas atrás. Na véspera da viagem ao Rio de Janeiro para a partida contra o Botafogo, Suárez e Sofi jantaram em um restaurante no Shopping Iguatemi. No 20barra9, o centroavante comemorou antecipadamente o aniversário de 34 anos da esposa. Comeram salmão a la plancha e entranha, um corte de carne tradicional na Argentina.
Folgas acompanhando os filhos na escolinha
O condomínio onde moram os Suárez fica próximo ao Guaíba. Curiosamente, na margem oposta do lago, encontra-se outro ponto central da história da passagem do centrtoavante pelo Rio Grande do Sul: a Escolinha do Grêmio. Em um espaço privado, entre os campos onde os meninos treinam no CT do Cristal, Suárez costuma passar as tardes de folga. Lauti ainda está em uma turma com foco na parte lúdica. Benja, no sub-11, é centroavante como o pai e tem o faro de gol elogiado pelos coleguinhas.
Foi assim na última quinta-feira (23). De camisa cinza, bermuda branca e tênis preto, Suárez oscilou entre a agitação e a calma. Ao lado de Sofi, ele acompanhou Benja, camisa 9, no jogo contra o Bom Princípio, pela semifinal da Liga Encosta da Serra. Sentado em uma mureta, seu corpo reagia a cada lance do filho. A perna direita mexia involuntariamente, como se fosse ele quem estivesse em campo.
Restou a missão de passar orientações. Fazia o sinal de onde se posicionar, qual espaço o menino deveria procurar. E também teve comemoração. Benja marcou o primeiro gol da goleada por 6 a 0, que leva o Grêmio à decisão contra o São José. Quem viu o filho em campo, enxergou também o pai. Os mesmos trejeitos, a mesma postura e a busca pelo gol. As diferenças: o Suárez mais novo é canhoto e fala português quase sem sotaque. Além do gol, também deu uma assistência. Depois de uma hora de anonimato, uma criança gritou:
— O Suárez tá ali!
A correria de meninos e meninas em direção ao portão onde estava Suárez tirou a atenção dos minutos finais da partida. Uma batalha de gritos tomou conta do lugar. O que mais se ouviu foi:
— Ficaaaaa, Suááááárez!
Outro menino apelou para elogios:
— Tu joga muito, Suárez! Fica!
Calmamente, o uruguaio caminhou em direção ao grupo e posou para dezenas de fotos. Apertou a mão de que estendeu e gerou memórias para os meninos e meninas que se apertaram no gradil à espera do ídolo.
— É uma experiência para a vida toda. Imagina o valor disso para essa gurizada no futuro — comentou Jessica Carneiro, mãe de Arthur Soares, companheiro de Benja.
Terminado o jogo, o camisa 9 do sub-11 saiu caminhando junto dos companheiros. Cantava as músicas que os gremistas cantam na Arena para embalar os passos do pai, que foi para o carro por outro caminho para esperar o restante da família.
Ida ao supermercado virou notícia
Esse frenesi é assim desde sua primeira aparição em um supermercado da rede Asun, que virou manchete em sites, jornais, rádios e televisões do Brasil e até da Europa. A camionete BMW marrom até passou despercebida no estacionamento. Benja e Lauti brincavam como qualquer dupla de irmãos. Um botava um item no carrinho, o outro tirava. E o pai atuava como juiz na disputa.
— Lauti, Benja, tem que passar — disse ele, rindo.
As compras aconteciam de forma tranquila até que um gremista o reconheceu. Tirou uma foto e postou nas redes sociais. Minutos depois, dezenas de curiosos foram ao local.
— Foi uma confusão. Tinha gente correndo pra tentar ver eles. Mas o Suárez é um querido. Cumprimentou a todos. Os filhos são muito educados também — contou uma funcionária.
Sofia, eventualmente, ainda vai à loja física. A rotina é a do uso do comércio virtual. E ser Suárez tem benefícios, mesmo sem sair de casa. Aquela unidade da rede de supermercados incluiu em seu catálogo produtos que o jogador gosta: arroz para risoto produzido pela Rei Arthur, queijo gorgonzola da Vigor, um prato pronto de bacalhau às natas e erva de chimarrão produzida em Venâncio Aires (com chá na composição, especial para tererê) são alguns exemplos.
— Compra como se fosse pra ti — pediu Sofia a uma das funcionárias do supermercado, ao solicitar produtos locais para experimentar.
As compras saem com um funcionário em um veículo direto para a porta da casa da família, normalmente, a cada 10 dias.
Suárez faz questão de levar os filhos ao colégio
O jogador faz questão de levar os filhos ao colégio quando o horário dos treinos permite. Saem os cinco no carro, sempre ouvindo uma rádio do grupo Disney do Uruguai. Além de levar os três para a escola, que fica em Porto Alegre, o jogador também gosta de os buscar.
Nesse trajeto se criou um outro hábito, que aproxima a família da cultura e da culinária uruguaia. Na restaurante Sabor de Luna, pedem medialunas e baguetes. As carnes também fazem parte do cardápio.
— Ele não se incomoda com o assédio. Mas aqui dentro da loja não permitimos que fiquem pedindo foto ou autógrafo. É bastante comum que jogadores venham aqui — explicou uma das funcionárias da casa.
O assédio reflete a idolatria de um ícone do futebol no RS. Ele atraiu mais de 60 mil sócios para o Grêmio, ajudando a injetar mais de R$ 10 milhões em receitas de marketing. Quarto maior artilheiro em atividade no mundo (554 gols), fez três em sua estreia (4 a 1 no São Luiz, na conquista da Recopa Gaúcha) e marcou o do título do Gauchão (1 a 0 sobre o Caxias, em pênalti cavado por ele). Na campanha até a semifinal da Copa do Brasil, fez apenas dois e foi discreto, especialmente nos jogos contra Bahia e Flamengo.
Tratamento no joelho e interesse do Inter Miami
Foi nesta época, em junho, que o relacionamento de Suárez com o clube e parte da torcida passou por oscilação. GZH revelou bastidores de suas dores no joelho direito e a cogitação de aposentadoria precoce.
Em meio a isto, surgiu o "convite" do amigo Messi para Suárez jogar pelo Inter Miami. A ideia de reeditar a dupla de sucesso no Barcelona estaria entre os capítulos principais do que Renato Portaluppi chamou de "novela mexicana". Ao final de 40 dias, a permanência de Suárez no Tricolor foi anunciada, mas só até dezembro deste ano, antecipando em um ano o final do vínculo.
— No próximo ano não vou poder render ao Grêmio o que esperam de mim, pela carga e intensidade que tem o futebol brasileiro. O clube entendeu e agradeço por isso — disse o camisa 9 em 29 de julho.
Citado como exemplo de profissionalismo, Suárez mantém até agora a mesma rotina. Ele é um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair do CT para cumprir seu próprio ciclo de atividades. Sua primeira parada é na fisioterapia, para uma série de atividades de trabalhos preventivos e alongamentos.
O camisa 9 não é adepto das massagens e equipamentos mais modernos. Dá preferência ao trabalho manual de fisioterapeutas e massagistas. Além dessa questão mais de precaução, e que tem em seus joelhos um dos focos, o uruguaio também passa na sala de musculação antes de qualquer treino no campo. Ao fim do dia, faz piscina de gelo.
— É extremamente profissional, família, um cara humilde. Gosta de competir e se entregar dentro de campo. Tem uma boa relação com todos. É impressionante a ascendência rápida que teve sobre todos no vestiário — afirmou o presidente, Alberto Guerra.
Quando as dores no joelho incomodam mais, uma injeção é aplicada no jogador antes das partidas. Um analgésico intramuscular, para que a ação seja mais rápida. Um procedimento rápido, mas sem a privacidade por acontecer no ambiente do vestiário. Uma agulhada na nádega e pronto. Maior ídolo do clube, Renato também vê o centroavante como exemplo:
— É um dos maiores profissionais que trabalhei, dentro e fora de campo. A passagem dele pelo Grêmio é inesquecível.
Qual será o capítulo final de Suárez em 2023?
Os últimos três meses deram nova vida ao clube no Brasileirão. Uma arrancada que tem participação decisiva do jogador. Nas 18 partidas desde a definição pela permanência até dezembro, são 10 gols e sete assistências. Números que o levaram de volta para a relação de convocados para a seleção uruguaia.
Voltar a vestir a Celeste, a propósito, é consequência da grande fase que vive no Tricolor. Este combo reascende a esperança entre os gremistas. A proximidade com o Uruguai, a competitividade de uma Libertadores e o sonho de disputar mais uma Copa América por sua um seleção seriam capazes de fazer Suárez rever seus planos de atuar com Messi e permanecer mais um ano na Arena?
Se o que foi combinado em julho não mudar, Pistolero jogará pela última vez na Arena vestindo a camiseta gremista em duas semanas, contra o Vasco, pela 37ª rodada do Brasileirão. Seja qual for o capítulo final da história de Suárez em 2023, é certo que ele cumpriu o que prometeu:
— Prometo compromisso (foi exemplo no vestiário), companheirismo (cativou colegas e torcedores), atitude, gana (jogou 50 partidas até agora) e gols (fez 26). E tentar títulos (ganhou dois e sonha com o terceiro).
O mistério derradeiro é saber qual sua atitude ao final do Brasileirão. Se cumprirá o contrato que foi encurtado ou se voltará ao original, ficando no Grêmio até dezembro de 2024.