— O meia é o cérebro de uma equipe. Faz muito falta. Nós temos o Jean, mas que está muito tempo parado. Ele está longe da melhor forma física e técnica.
O lamento veio de Renato Portaluppi, quinta-feira (29), após a vitória por 1 a 0 sobre o Juventude pela Copa do Brasil. Além de resumir o pensamento tático do treinador, traduz os transtornou que marcaram a vida e a carreira de Jean Pyerre desde o fatídico 20 de setembro de 2019. Lá se vão 409 dias desde a grave lesão que o tirou dos gramados por seis meses. E, desde então, nunca mais conseguiu a sequência o que projetou como grande promessa.
Tanto que o Grêmio já reservou 2,5 milhões de euros para tentar tirar da Itália o articulador uruguaio Gastón Ramírez. Nesta segunda-feira (2), contra o Bragantino, às 20h, na Arena, na rodada final do primeiro turno do Brasileirão, o camisa 21 pode receber nova chance entre os titulares, o que não acontece desde 23 de agosto, contra o Vasco.
Dono da posição desde abril de 2019, quando Renato sacou Luan após uma derrota para a Universidad Católica, pela Libertadores, o meia de 22 anos fez 23 jogos, com cinco gols e quatro assistências, até sentir uma lesão muscular durante o treino no feriado farroupilha.
A previsão inicial era de que ficasse 15 dias afastado. Porém, a contusão foi bem mais grave e ele só voltou a jogar em 8 de março deste ano. Desde então, foram 174 dias sem jogar até que Jean Pyerre entrasse em campo diante do Pelotas, pelo Gauchão. Após a volta, o camisa 21 pouco pode jogar, já que menos de 10 dias depois de recuperado, a pandemia de covid-19 paralisou as competições. A volta, em julho, foi em grande estilo e com direito ao gol da vitória do Gre-Nal disputado em Caxias do Sul.
Mas o bom recomeço voltou a ser atrapalhado pelo coronavírus, já que Jean Pyerre e a família precisaram conviver com a doença, que foi contraída por seu pai, que precisou internado. Neste período, ele chegou a ficar fora de jogos e treinamentos por decisão do clube, para que pudesse se dedicar aos familiares. Depois, com tudo normalizado e seu maior incentivador recuperado, o jogador de 22 anos voltou a se lesionar no começo de setembro, contra o Sport, e quando se preparava para retornar após quase 30 dias em recuperação, acabou contraindo a covid-19 e precisou ficar afastado mais uma vez.
O novo recomeço, que parecia definitivo, aconteceu diante do São Paulo, no dia 17 deste mês, no Morumbi. Quando se projetava que ele ganharia mais minutos, a partir do jogo contra o América de Cali, no encerramento da fase de grupos da Libertadores, um novo problema muscular foi constatado.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, durante a semana, o presidente Romildo Bolzan Junior falou sobre a preocupação com o atleta que é apontado como uma das joias criadas pela base do Grêmio:
— O jogador teve duas lesões em locais próximos. Se recuperou clinicamente de ambas. Teve um longo período de afastamento. Fisicamente, ainda não está na plenitude. Ele é um craque de bola. É um jogador excepcional, uma raridade do futebol brasileiro. As lesões dele se deram exatamente na perna do chute, na perna da potência, no músculo que faz maior exigência no futebol, o que é fundamental para ele, porque é um jogador chutador, batedor de falta e de escanteio. A opção neste momento foi que este jogador só estará pronto para jogar quando todas as etapas forem seguidas. Esta foi a decisão tomada e assim será.
A fala do presidente trouxe à tona a preocupação e o cuidado que o Grêmio irá adotar com Jean Pyerre, que após mais uma semana afastado voltou ao time contra o Juventude. Ele entrou aos 25 minutos do segundo tempo no lugar de Isaque, e apesar da falta de ritmo mostrou sua qualidade técnica, que o tornam um jogador diferenciado, em alguns momentos da partida.
Mas esta volta por alguns minutos não significa que ele venha a ser utilizado por longos períodos ou de forma constante, ao menos por ora, como ressaltou Renato Portaluppi.
— O Jean Pyerre não se encontra nas melhores condições. Coloquei na partida, mas ele está há muito tempo parado. Tenho que utilizá-lo aos poucos para readquirir ritmo. É um jogador importante, mas está bem longe. Vamos com muito cuidado — disse o treinador, logo após a partida contra a equipe de Caxias do Sul.
Com as lesões musculares e o período de afastamento por conta da covid-19, Jean Pyerre deixou de atuar em 21 jogos na temporada passada e em outros 23 na atual.
Desde a grave lesão muscular sofrida em 20 setembro do ano passado, o meia gremista perdeu 44 jogos no total. Entre idas e vindas do departamento médico, Jean Pyerre ficou de fora por 225 dias. Neste período, onde não estão computados os 50 dias de paralisação das atividades do futebol, por conta do coronavírus, ele fez apenas 15 jogos e marcou um gol.
A culpa do calendário
Carente de um jogador de meio-campo capaz de conduzir o time como fizeram Douglas e Luan, nas conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores, respectivamente, o torcedor gremista vive a expectativa de voltar a contar com brilhantismo de Jean Pyerre, repleto de passes precisos e decisivos para os companheiros, de cobranças de falta certeiras, algo que se tornou raro no futebol de hoje em dia e que era comum em épocas onde o camisa 10 era o centro de qualquer equipe e aquele jogador de maior de maior habilidade.
Para o preparador físico Michel Huff, ex-Corinthians, o calendário brasileiro está diretamente ligado às lesões e a dificuldade de recuperação física, clínica e técnica dos jogadores.
— Com 15 dias de trabalho se está jogando uma partida oficial. O desgaste é natural e acaba influenciando no rendimento das equipes que terão mais de um competição durante o calendário — afirma.
Depois de trabalhar por cinco anos no Metallist, da Ucrânia, mais duas temporadas na Moldávia e duas na Rússia, antes de regressar ao Brasil, Huff (hoje sem clube) ressalta que a preparação feita pelas equipes brasileiras fica muito aquém do esperado para suportar o ritmo intenso e a constante troca de competições que se tem por aqui.
— Não pode nem se chamar de pré-temporada. Nos clubes em que trabalhei na Ucrânia, Moldávia e Rússia, nunca tivemos menos de 15 dias, a média sempre foi de 21, às vezes até um mês, 40 dias de preparação. Isso tudo é resultado do calendário e da organização das confederações de cada país. Na Europa se respeita muito os profissionais que trabalham com o esporte e por isso se respeita as fases.
Para se ter ideia ao que o preparador se refere, a temporada do Grêmio começou em 9 de janeiro, com a reapresentação dos atletas e os primeiros dias dedicados aos exames clínicos e testes. Porém, o primeiro jogo do Gauchão ocorreu logo a seguir, contra o Caxias, no dia 22 do mesmo mês.
A inesperada chegada da pandemia do novo coronavírus também contribuiu para que os clubes sofressem ainda mais com o desgaste. No Rio Grande do Sul, por a dupla Gre-Nal ficou 50 dias sem uma atividade sequer e mesmo depois do retorno das atividades, no começo de maio, os trabalhos coletivos (em grupo) só passaram a ser realizados a partir de 13 de julho.
— O que aconteceu foi algo inédito, com distanciamento social e a paralisação de todas as atividades. No total foram 100 dias sem poder treinar, apenas com manutenção para que os jogadores não se tornassem sedentários. O jogador treinando em casa, ele não consegue contemplar as necessidades de um jogo de futebol. As exigências musculares, biomecânicas são muito maiores do que se poderia atingir treinando em casa — destaca Michel Huff.
Para o preparador físico que começou a carreira no Brasil-Pel, a junção de uma pré-temporada muito curta com o período sem treinos por conta da pandemia acabaram por gerar um perigoso combo que está levando os jogadores a ter um aumento de lesões.
— A consequência está aí, com os times com muitos jogos e desempenhos não satisfatórios, com número de lesões muito alto. Depois da paralisação, só na Série A, as lesões aumentaram 77% e não são apenas musculares, são articulares, por torções, rompimento de ligamento, porque o jogador teve seu lado psicológico afetado. Treinar sozinho é muito diferente do que em grupo e isso afeta a questão neuromuscular. Isso também ocorreu na Europa. Na Premier League o número foi de 25%, porque eles tem menos jogos — cita.
Histórico recente
7/4/2019 - Primeiro jogo como titular
Com Luan afastado, Jean Pyerre ganha chance contra o São Luiz e dá assistência para gol de Everton Cebolinha.
10/4/2019 - Gol e grande atuação
O Grêmio derrota o Rosario Central por 3 a 0 e volta a ter chances de classificação na Libertadores. Jean Pyerre marca um gol e dá assistência para outro. Quando substituído é aplaudido de pé pela torcida.
15/9/2019 - Último jogo no ano
O Grêmio comemora 116 anos com vitória sobre o Goiás por 3 a 0, na Arena. Jean Pyerre faz o primeiro gol em belo chute de fora da área.
20/9/2019 - A grave lesão
Em treinamento antes de enfrentar o Santos, o meia sofre lesão na coxa direita e deixa o gramado do CT Luiz Carvalho de maca. Previsão de recuperação do departamento médico é de 15 dias.
7/10/2019 - Sinais de retorno
Após 18 dias da lesão, Jean Pyerre aparece no CT gremista e por mais de 50 minutos é visto dando voltas ao redor do gramado ao lado do fisioterapeuta Gustavo Cardoso.
17/10/2019 - Relacionado para a Libertadores
O Grêmio embarca para o Rio de Janeiro onde enfrentaria o Flamengo, seis dias depois, pelas semifinais da Libertadores, e o camisa 21 está entre os concentrados. Seria a grande esperança depois do 1 a 1 na Arena. Mas foi vetado pouco antes da partida no Maracanã.
1º/11/2019 - Departamento médico se pronuncia
Criticado pela demora no caso, o departamento médico gremista convoca entrevista coletiva para apresentar sua versão sobre a lesão de Jean Pyerre e fala sobre a dificuldade de cicatrização do local onde ocorreu o rompimento muscular. Somente 35 dias depois, o clube anuncia que ele só voltaria a jogar no ano seguinte.
17/1/2020 - Atrofia muscular
Depois de ser liberado pelos médicos no final de 2019, o meia volta das férias com atrofia muscular e passa por mais um período de recuperação. "Não existe lesão que o deixará incapacitado", declara médico Paulo Rabaldo.
20/1/2020 - A nota da assessoria do atleta
A assessoria de imprensa de Jean Pyerre critica, em nota, o departamento médico do Grêmio: "A lesão na coxa direita, inicialmente, havia sido divulgada como de grau 2, porém, após novas avaliações e exames, constatou-se que era de grau 3. Medidas médicas já haviam sido tomadas visando a recuperação em um cenário menos grave, porém precisaram ser revistas".
21/1/2020 - "Culpa no cartório"
Um dia após a divulgação da nota, Renato Portaluppi concede entrevista e faz críticas ao comportamento de Jean Pyerre durante a recuperação: "Ele sabe que tem culpa no cartório".
27/1/2020 - Volta aos treinamentos
Após as polêmicas do início de temporada, Jean Pyerre volta a realizar trabalhos físicos no CT Luiz Carvalho. Retorno ainda não tem data programada.
19/2/2020 - Primeiro trabalho com bola
Finalmente recuperado da lesão na coxa direita, o meia participa normalmente de um treinamento com bola, mas ainda não é liberado para voltar a jogar.
8/3/2020 - Um jogo depois de 174 dias
O Grêmio vence o Pelotas, por 1 a 0, na Boca do Lobo, e Jean Pyerre atua por 30 minutos. O bom desempenho é comemorado por ele e pelo técnico Renato.
4/5/2020 - Volta aos treinamentos
Nos primeiros 50 dias da pandemia, entre férias e trabalho em casa, Jean Pyerre participou de ações sociais. Na volta às atividade no CT, apenas para treinamentos físicos, jovem relata finalmente não sentir mais dores.
22/7/2020 - Titular e gol em Gre-Nal
Depois de 10 meses e oito dias sem começar uma partida como titular, Jean Pyerre é escalado para o Gre-Nal de retomada do Gauchão em Caxias do Sul. O Grêmio vence por 1 a 0, gol dele em cobrança de falta.
30/8/2020 - Decisão e drama
Poucas horas antes de decidir o Gauchão conta o Caxias, o meia divulga em suas redes sociais um vídeo do pai, Eduardo, que está internado em recuperação da covid-19. Ele atua na final, mas depois é afastado da equipe para acompanhar a família. Volta no dia 15/9, contra o Corinthians.
3/9/2020 - Pênalti e derrota para o Sport
O Grêmio perde para o Sport, por 2 a 1, na Arena, e Jean Pyerre começa no banco de reservas para que Renato dê chance a Thiago Neves, que seria dispensado dois dias depois. O camisa 21 entra aos 36 do primeiro tempo no lugar de Lucas Silva. O jovem comete pênalti, que valeu o segundo gol do adversário.
3/10/2020 - Teste positivo para covid-19
Recuperado de novo problema muscular, Jean Pyerre é afastado do Gre-Nal do Brasileirão, após testar positivo para o novo coronavírus.
17/10/2020 - Retorno contra o São Paulo
Após lesão muscular e isolamento para tratar da covid-19, meia volta a atuar depois de 40 dias, no empate contra o São Paulo, no Morumbi. Ele joga por 20 minutos e quase marca um gol de falta.
22/10/2020 - Desconforto e nova parada
Jogador sente desconforto muscular e departamento médico prevê afastamento de duas semanas, o que corresponderia ao jogo do dia 8 de novembro, contra o Fluminense.
29/10/2020 - Retorno antes do previsto
Depois de perder os jogos contra América de Cali e Athletico-PR, por conta do desconforto muscular, Jean Pyerre é relacionado e atua nos últimos 20 minutos da vitória sobre o Juventude, pela Copa do Brasil. Tem atuação discreta.