Amanda Gobbato Porcher tem seis anos e muita empolgação para ingressar no Ensino Fundamental. Uma das grandes expectativas é a troca da cor do uniforme, que simboliza a entrada no mundo dos “grandes”. Interessada em números, também está animada para aprender Matemática. Já Vicente Moraes Sartori, sete, fez o primeiro ano em 2023. Aluno de uma escola que aposta em uma transição gradual e com poucas diferenças entre as duas etapas, diz que mal sentiu a mudança. Em comum entre os dois, está o esforço das famílias e das instituições em proporcionar um ambiente tranquilo para enfrentar as novidades.
Entre os cinco e os seis anos de idade, chega um momento muito aguardado pelas crianças: sair da Educação Infantil e ingressar no primeiro ano do Ensino Fundamental. A etapa, que simboliza o início da alfabetização e aquisição de autonomia do indivíduo, é carregada de expectativas, mas, dependendo de como é conduzida pelas escolas e pelas famílias, pode trazer, também, sentimentos como medo e angústia nos pequenos.
Como toda situação de mudança, essa transição não deixa de ser uma situação de estresse, segundo Melina Lima, psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), que atua especialmente nas áreas de desenvolvimento infantil, avaliação neuropsicológica e terapia cognitivo-comportamental. É preciso, entretanto, estar atento a casos nos quais esse estresse ocorre em excesso.
— É mito pensar que criança não se estressa. É esperada uma manifestação de mais ansiedade, mas precisamos entender a ansiedade como aquela que nos prepara e nos coloca em ação, e não a que vai nos paralisar. A criança precisa passar por momentos assim ao longo do desenvolvimento, para aprender a lidar com as mudanças, mas vai precisar de apoio do cuidador para essa autorregulação e o enfrentamento à ansiedade — pontua Melina.
Em casos de ansiedades mais patológicas, que podem se apresentar, por exemplo, como medo de ficar na sala de aula, ou por meio de crises de choro frequentes, a orientação é buscar ajuda profissional, que pode ser acompanhamento terapêutico da criança e aconselhamento dos pais.
Um dos fatores de ansiedade é a alteração na rotina. A saída da Educação Infantil envolve a troca de escola ou, pelo menos, de formato da sala de aula – até a pré-escola, os espaços costumam ser mobiliados com mesas coletivas e, muitas vezes, têm banheiros exclusivos para as crianças da turma, enquanto os ambientes do primeiro ano, com frequência, já têm carteiras individuais e os banheiros ficam no corredor, compartilhados com os outros alunos. Uma dica para as famílias é apresentar aos pequenos essas novidades com antecedência.
— Tem escolas que já preparam essa transição no último ano. Mas, se a instituição não tem esse processo ou a criança vai mudar de escola, cabe aos pais investirem um pouco mais nisso: envolver o filho na organização dos materiais escolares, etiquetando os nomes, fazer visitas à escola nova, conhecer a professora. Isso é superimportante para amenizar essa situação de estresse e a criança desenvolver esses mecanismos de autorregulação — recomenda a psicóloga.
Outra sugestão é procurar organizar a rotina de sono da criança algumas semanas antes do final das férias, para que não haja um boom de novidades para ela, de uma hora para outra. Com a expectativa de início da alfabetização, Melina indica que as famílias incluam momentos de leitura compartilhada, com o objetivo de introdução gradual de atividades.
Quanto mais exposta à leitura no ambiente familiar, melhor o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita depois.
MELINA LIMA
Psicóloga
— A leitura compartilhada pode começar desde bebê, mas, nessa fase, é primordial, até porque, nesses momentos de leitura, a criança pode ser incentivada a falar de seus medos e expectativas, além de desenvolver a leitura. Quanto mais exposta à leitura no ambiente familiar, melhor o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita depois — garante.
Seja em escolas mais tradicionais ou naquelas com propostas pedagógicas diferenciadas, Melina destaca que é importante escolher uma instituição pensando na personalidade da criança, que terá mais facilidade ou menos para se adaptar a diferentes contextos. Além disso, é recomendado incentivar a autonomia do pequeno, ainda que oferecendo apoio e orientação, e procurar não assustar a criança com relação às novidades. Criar momentos de intimidade, nos quais o filho possa expressar suas dúvidas e desconfortos, é fundamental.
Continuidade da infância
Focada em atender estudantes da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a Escola Amigos do Verde, no bairro São João, em Porto Alegre, entende que o período até os 12 anos, no qual é compreendida a infância, pode ser vivenciado “de forma natural e tranquila”. A fase é entendida mais como continuidade e aprofundamento das experiências da Educação Infantil do que uma “ruptura, com a introdução de novas rotinas e práticas muito diferentes ou opostas às que vinham sendo vivenciadas até então”.
Por esse motivo, no dia a dia do aluno que começa o Fundamental, há poucas mudanças: a sala de aula tem o mesmo formato da destinada à Educação Infantil e o tempo de pátio não fica restrito a um horário de recreio, por exemplo. O lanche é feito em grupos. O que muda é, principalmente, a inclusão de novas aprendizagens, como a alfabetização.
— As transformações acontecem a todo momento na vida das crianças e são vivenciadas de forma gradual, natural e participativa. Cada nova aprendizagem pode ser celebrada, compartilhada, aprofundada, desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental e também nas etapas seguintes, quando há coerência entre as abordagens pedagógicas utilizadas — defende Laura Luvison Méliga, assistente de gestão da Amigos do Verde.
Vicente Moraes Sartori, sete anos, frequenta a instituição desde os dois. Convictos de que era aquele o tipo de educação que queriam para ele e encantados pelo jardim, repleto de árvores e recantos com brinquedos, os pais, a bancária Luciane Godoi Moraes, 40 anos, e o engenheiro metalúrgico Marcelo Sartori, 41, chegaram a se mudar, para ficar mais perto da escola. Por já ser aluno e não haver muitas mudanças no primeiro ano, a transição foi tranquila.
— A gente tinha essa preocupação com a transição, não genuína nossa, porque estávamos confiando no processo da escola, mas por escutarmos relatos de outras famílias, que, às vezes, mudam de uma escolinha para um colégio grande. Nos preocupávamos que não fosse uma ruptura, que ele não virasse um “miniadulto” e continuasse sendo criança. Mas, aqui, nos sentimos tranquilos e acolhidos — observa Luciane.
No ano anterior, as famílias passaram por uma série de conversas sobre a entrada no Fundamental, que buscavam evitar ansiedades de pais e filhos. Luciane diz que em nenhum momento percebeu Vicente preocupado com a transição – as novas aprendizagens foram introduzidas de forma gradual, a partir de mapas mentais e projetos de estudos envolvendo assuntos trazidos pelos próprios alunos. O pequeno confirma:
— Foi tudo igual, só mudou o ano — disse Vicente, mas confirmou que, de fato, havia começado a ler e a escrever no primeiro ano. — Antes, eu sabia bem, bem pouquinho. Agora, já sei escrever as letras separadas, mas emendado eu ainda vou aprender.
Como a instituição só oferece turmas até o quinto ano, a mudança de escola começa a se avizinhar. Quando chegar a hora, Luciane acha que o menino estará mais preparado para a transição, mas pretende manter Vicente em estabelecimentos com ensino menos tradicional.
Adaptação em parceria com os pais
Com 110 anos de existência e oferta de todos os níveis da Educação Básica, o La Salle Santo Antônio, localizado no bairro homônimo, também na Capital, possui uma abordagem pedagógica mais tradicional, que aposta na adaptação da criança, ao longo do último ano da pré-escola e no primeiro do Fundamental, à demanda de mais autonomia das séries seguintes – as salas de aula passam de mesas coletivas para classes individuais, os horários na pracinha são mais programados e os banheiros ficam fora da sala, por exemplo.
— É um momento em que as famílias acabam ficando ansiosas, porque as crianças, nessa fase, às vezes sabem ler, outras ainda não. Procuramos trazer os pais para a escola, para haver essa parceria e preparar essas crianças, no sentido de dar autonomia. Orientamos que eles peçam para a criança fazer algumas contribuições em casa, como lavar o seu prato, arrumar a cama, se limpar sozinha — relata Lilian Gasparotto Jalil, psicóloga e orientadora educacional do La Salle Santo Antônio.
Ao longo do segundo ano da pré-escola, os alunos realizam visitas às salas do primeiro ano e são demandados, pelas professoras, a fazerem algumas atividades de forma mais autônoma, como pegar o seu próprio lanche na mochila, e alguns temas de casa são enviados. Quando a etapa do Fundamental se inicia, há um processo de implementação de uma rotina de estudos mais estruturada.
Amanda Gobbato Porcher, seis anos, ainda não começou o primeiro ano, mas já sabe o que lhe espera: um banheiro fora da sala de aula, um horário definido para recreio, tema de casa todos os dias, a aprendizagem de Matemática e a alfabetização. A menina está na expectativa de passar a usar a camiseta do uniforme na cor amarela, e não vermelha, como era até 2023.
— Eu já sei bastante de Matemática, mas porque o meu pai me ensinava — conta a estudante.
Os pais de Amanda – a nutricionista Sabrina Schwartz Gobbato, 43 anos, e o advogado Roberto Porcher, 41 – entendem que a apresentação dessas novidades ainda na Educação Infantil foi positiva, para diminuir a ansiedade da pequena nesse processo.
— Essa preparação foi bem legal, porque aí foram apresentadas as novidades para ela, e isso diminuiu a ansiedade toda — relata Sabrina.
Roberto estudou no La Salle Santo Antônio e tem um carinho especial pela instituição. Por isso, o casal decidiu matricular Amanda lá desde a pré-escola.
— A gente tem muita confiança no trabalho deles, por isso, ela entrou direto lá. Está parecendo que é tudo encadeado, mesmo, e não uma ruptura, da Educação Infantil para o Fundamental. Sentimos que tem toda uma preparação para a coisa, que acontece aos poucos, mesmo — diz o pai.
No entendimento da família, é interessante que a criança frequente a pré-escola em uma instituição que já ofereça o Fundamental, para que a adaptação aconteça de uma forma mais tranquila. Como os pequenos já veem os maiores e conhecem a maioria dos professores, fica mais fácil de saberem o que esperar.