America First, a frase que marcou o discurso de posse de Donald Trump, é o fio condutor dos movimentos políticos e econômicos do presidente americano. Se os Estados Unidos vêm primeiro, os demais pagam a conta, Brasil incluído.
_ Esse moço está fazendo uma reviravolta completa no comércio mundial _ diagnostica José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). _ Toma medidas que ninguém imaginaria, sabendo que vem pancada do outro lado, anuncia um estrago para ver o que vai fazer para aliviar depois. Está difícil, todos perdem.
Essa descrição emocional mostra o grau de exasperação que Trump provoca. Castro detalha que os EUA são os maiores importadores globais, a China é a maior exportadora e a União Europeia completa o trio que representa 85% do comércio mundial. Os três estão engalfinhados em uma guerra comercial multibilionária, que espalha estilhaços pelo planeta.
Os EUA anunciaram taxa extra de 25% para produtos cuja importação da China representa US$ 50 bilhões. O país afetado fez o mesmo. Trump ameaça com mais 10% sobre US$ 100 bilhões. Se confirmar, e os chineses reagirem, a disputa atingiria US$ 400 bilhões _ um quinto do valor de todas as mercadorias negociadas entre países. Trump sobretaxou o aço, e os europeus reagiram tornando mais cara a compra de motos Harley-Davidson, bourbon, jeans e suco de laranja. Na sexta-feira, o presidente americano ameaçou reagir com tarifa adicional de 20% para carros feitos na Europa.
_ O que estão fazendo afeta negativamente países emergentes como o Brasil, meros fornecedores de insumos. Não deve impactar os números neste ano, mas vai ser forte em 2019 _ avalia Castro.
Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), detalha que barreiras à entrada de produtos nos EUA, seguidas de reações dos atingidos, desviam mercadorias para outros países e aumentam a disputa em um mercado mais apertado:
_ Europeus vão querer vender mais para a América Latina, grande mercado do Brasil.
Antonio Corrêa de Lacerda, especialista em economia internacional, acrescenta que o imprevisível Trump está na origem do aumento da incerteza no mundo, com impactos no investimento e nas transações internacionais.
_ É um dos fatores que geram ambiente pouco propício a investimentos, contribui para elevar o juro americano. Isso provoca desvalorização das principais moedas dos países em desenvolvimento e inflação mais alta nos próximos anos, inclusive nos EUA.
Giannetti lembra que houve período semelhante na década de 1980, com barreiras americanas a produtos brasileiros como aço, metais, produtos químicos e suco de laranja. Nos anos 2000, o comércio internacional cresceu acima do PIB mundial durante longo período. Será a virada no ciclo?
_ A tendência agora é inversa, sinal de que todos vão empobrecer.
A expectativa de Giannetti é de que multinacionais americanas _ especialmente as que produzem na China _, reajam a Trump. A estratégia, mais cedo ou mais tarde, vai encarecer mercadorias também nos EUA. Como têm lobby poderoso no Congresso americano, ponderam, são as únicas capazes de frear o ímpeto selvagem de Trump.