Há duas formas opostas de se observar o governo do presidente dos EUA. Pela lente do Partido Republicano e de quem votou nele, a administração é de ruptura para fazer a "América grande outra vez". Pela visão do Partido Democrata e de parte da comunidade internacional, ele confirma-se como ameaça à humanidade.
Um dia, ele dinamita pontes com aliados históricos dos Estados Unidos no G7, o grupo de países mais ricos do mundo. Em outro, posa para as câmeras como salvador do planeta ao lado de um ditador que, até seis meses atrás, era a encarnação de todo o mal sobre a Terra. Se no Extremo Oriente o clima é de paz e amor, no meio do caminho, no Irã, o discurso é de guerra. No campo interno, enquanto se livra como pode de investigação sobre a influência russa na eleição de 2016, o presidente implementa uma política odiosa de imigração que produziu cenas de crianças aos prantos separadas de seus pais imigrantes.
Não há dois Donald Trump no caleidoscópio em que aparentemente se transformou a Casa Branca desde 20 de janeiro de 2017. O que existe são duas formas opostas de se observar o governo do empresário-presidente, uma polarização política que estávamos acostumados a testemunhar no Brasil, na Venezuela, mas não na maior democracia do planeta. Pela lente do Partido Republicano e de quem votou em Trump, ele está cumprindo todas as promessas da campanha, com medidas políticas e econômicas de ruptura para fazer a "América grande outra vez". Em outras palavras, o que interessa são os EUA.
— Se você é republicano e votou em Trump, achará que está tudo ótimo, que os resultados são muito positivos, que conseguiu coisas que outros presidentes não conseguiram —avalia o ex-embaixador brasileiro em Washington Rubens Barbosa.
É o caso do microempresário gaúcho Leonardo Liedke, radicado nos EUA há mais de uma década. Aos 40 anos, Liedke, que mora em Huntington Beach (Califórnia), votou em Trump, seguindo a tradição da família da mulher, Suzanne, americana e eleitora do Partido Republicano.
A gente está satisfeito. Entendo o lado polêmico, mas essa visão que ele tem de tratar a nação como prioridade está certa.
LEONARDO LIEDKE
Microempresário gaúcho que vive nos Estados Unidos
— A gente está satisfeito. Entendo o lado polêmico de Trump, mas acredito que essa visão que ele tem de tratar a nação como prioridade está certa, tem de retomar com toda força possível, proteger o país, ajustar leis que não estavam muito bem elaboradas, trazer dinheiro de volta para o país — afirma Liedke.
O brasileiro destaca um dos trunfos do governo, o crescimento econômico dos EUA, que começou ainda durante o segundo mandato de seu antecessor, Barack Obama. A taxa de desemprego no país caiu, em maio, a 3,8%, o nível mais baixo em 18 anos. Foram criados 223 mil postos de trabalho a mais do que o previsto pelo Departamento do Trabalho.
— Números não mentem. O desemprego baixou, os impostos foram reduzidos, há bastante oportunidade para o setor privado. Trump está trazendo de volta emprego aos EUA — diz o empresário.
Em junho, a aprovação do presidente subiu para 44% entre eleitores registrados, de acordo com pesquisa da rede de TV NBC e do jornal The Washington Post — uma melhora em relação aos 39% de abril. O percentual daqueles que dizem que "aprovam fortemente" Trump também melhorou, passando de 22% para 26%.
Embora isso não queira dizer, necessariamente, que o presidente tenha ganhado novos eleitores, o dado pode significar aumento na própria base de Trump. Conforme a emissora, a aprovação foi crescendo entre seus próprios apoiadores: republicanos, eleitores rurais e brancos.
"Estes são todos os grupos que são originalmente parte dos eleitores da base do presidente, mostrando que ele está ganhando um apoio mais forte das mesmas pessoas, não necessariamente adicionando novos eleitores", diz a pesquisa.
O índice de 44% é semelhante ao que Ronald Reagan (em junho de 1982) e Obama (em junho de 2010) tinham antes de suas eleições de meio de mandato, em que ambas as partes perderam assentos significativos na Câmara. Trump está de olho no pleito. O Congresso será reconfigurado com a renovação de um terço do Senado (35 senadores) e a totalidade da Câmara, com a eleição de 435 representantes. Uma vitória arrasadora em novembro poderia abrir as portas para o segundo mandato, em 2020.
Essa é uma lente para observar o governo do 45º presidente dos EUA. Há outra: a que vê um empresário arrogante, muitas vezes machista, que lidera um gabinete formado por homens brancos e impõe políticas conservadoras que são um retrocesso após uma década de um conciliador, cidadão do mundo, como foi Obama, que preferia o diálogo ao canhão — no sentido real ou figurado.
Na visão do Partido Democrata (oposição ao governo Trump) e de boa parte da comunidade internacional, Trump confirma-se como uma ameaça à humanidade e aos ideais de um mundo multipolar: ele abandonou o Acordo de Paris sobre ambiente, rasgou o tratado nuclear com os aiatolás, minou a aproximação com Cuba, provocou a China — criando caldo para uma guerra comercial que pode afetar o planeta, inclusive o Brasil — e abandonou o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) na semana em que seus agentes de imigração separavam famílias na fronteira com o México. Mais: contraditório, ao governar pelo Twitter e mudar de opinião com frequência ao longo do dia, implode a base da diplomacia internacional, a coerência.
Cronologia do mandato de Donald Trump
2017
Janeiro — Trump assina decreto que retira os EUA do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês), assinado em 2015.
Junho — EUA saem do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Presidente cancela a reaproximação com Cuba.
Outubro — Trump assina decreto que enfraquece a Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente, conhecida como Obamacare, que ampliou o acesso de cidadãos dos EUA à cobertura de saúde. Não há no país um sistema de saúde pública.
Dezembro — Governo conseguiu aprovar proposta de reforma tributária.
Governo proíbe a entrada de viajantes de diversos países, principalmente de população com maioria muçulmana. Após batalha na Justiça, está em vigor o chamado veto migratório enquanto houver disputas legais. Hoje, cidadãos de Irã, Líbia, Síria, Iêmen, Somália e Chade não podem entrar nos EUA.
Trump reconhece Jerusalém como capital de Israel e anuncia transferência da embaixada americana para a cidade. A comunidade internacional critica. Palestinos protestam.
2018
Março - EUA e outros 14 países expulsam diplomatas russos em retaliação ao envenenamento de um ex-espião russo em território britânico.
Abril - EUA, com apoio de França e Reino Unido, atacam a Síria com argumento de que o governo de Bashar al-Assad usou armas químicas contra a população.
Maio - Trump rompe o acordo nuclear com o Irã e impõe sanções econômicas.
Junho - Trump torna-se o primeiro presidente americano a se reunir com um ditador norte-coreano. Ambos fecharam acordo de desnuclearização da Coreia do Norte, mas ainda não há metas claras.
Após encontro do G7, Trump rejeita o texto final da reunião e ataca o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau: "Fraco e desonesto".
Governo anuncia sobretaxa de 25% sobre importações da China e aprofunda guerra comercial.
Põe em prática uma política de tolerância zero com a imigração ilegal. Como resultado, pais e filhos pegos na fronteira foram separados.
Retira os EUA da Comissão de Direitos Humanos da ONU.