Um dos brasileiros que mais conhece a política de Washington, Rubens Barbosa, ex-embaixador na capital americana, considera que Donald Trump radicalizou o discurso interna e externamente de olho nas eleições de meio de mandato, em novembro, quando serão eleitos 36 governadores e parlamentares desses Estados.
O Congresso será reconfigurado com a renovação de um terço do Senado (35 senadores) e a totalidade da Câmara, com a eleição de 435 representantes. O presidente também já está de olho na reeleição, em 2020. Barbosa conversou com a coluna sobre as últimas medidas do presidente americano, entre elas a tolerância zero com migrantes.
Que análise o senhor faz do governo Trump?
Depende do lado em que você se coloca. Se for filiado ao Partido Democrata, o que está acontecendo é uma maluquice: uma política de ziguezague, de avanços e recuos, com resultados negativos para os Estados Unidos. Se você é do Partido Republicano e votou em Trump, achará que está tudo ótimo, que ele está fazendo o que prometeu na campanha, que os resultados são muito positivos, que conseguiu coisas que outros presidentes não conseguiram. Fica muito difícil analisar o governo pelo ângulo interno dos americanos. Do ponto de vista de fora, as chancelarias do mundo devem estar perplexas pelas atitudes de Trump. Porque ele não segue uma linha reta. A questão da credibilidade se coloca. O que está acontecendo em todas as áreas — política, econômica, diplomática, comercial, defesa. Aumentou muito a insegurança e a instabilidade internacional. Os EUA são o país mais importante militarmente, economicamente, e isso tem consequências. Não só no relacionamento bilateral como com os parceiros, com Europa, Canadá, México. São atitudes que deixam perplexos os parceiros imediatos. Do ponto de vista das organizações internacionais, ele se retirou do Conselho de Direitos Humanos da ONU, está ameaçando acabar com a OMC (Organização Mundial do Comércio), negociando tudo por fora. O que Trump está fazendo divide os americanos e cria uma incerteza, uma imprevisibilidade no ângulo multilateral.
Mas Trump está seguindo as promessas de campanha, não?
Voltei de Nova York agora. Se você vê a CNN, é uma história. Se assiste à Fox, é outra. O mesmo fato é analisado de maneira diferente. O país já estava dividido nos últimos 20 anos, a diferença no resultado da eleição foi muito pequena. Com Trump, acelerou-se a divisão. Essas medidas sobre as crianças criou mais celeuma interna. Ele está fazendo esse jogo para o público dele, para fortalecer a posição para a eleição de novembro e já se coloca para a reeleição. Está claramente fazendo um apelo para os eleitores do Partido Republicano, que estão gostando de ele tornar os EUA um macho internacional.
O encontro com o ditador da Coreia do Norte pode ser considerada uma vitória de seu governo?
Aí, ele teve essa vitória, pelo menos publicitariamente, teve um ganho grande. Nenhum outro presidente conseguiu se encontrar com Kim Jong-un. O secretário de Estado falou que os EUA esperam até 2020 desmontar o arsenal nuclear (norte-coreano). Isso não vai sair imediatamente, não é verificável. As coisas que Trump faz se prestam a interpretações, a dúvidas. É um problema para o mundo inteiro.
Se o Partido Republicano aumentar sua representação no Congresso nas eleições legislativas deste ano, Trump se cacifa à reeleição?
Se ele fizer maioria nas duas Casas, vai ser reeleito em 2020. Por isso, ele estaria sendo tão radical. Eu estava lendo o pronunciamento dele no dia 19 sobre a China, ele diz claramente: "Sou muito amigo do Xi (Xi Jinping, presidente chinês), mas a China não pode continuar fazendo o que está fazendo com a gente. Estamos com um déficit de US$ 375 bilhões, eles continuam pirateando nossos produtos, roubando nossas patentes. Isso não é possível. E vou botar sanções". Colocou a primeira sanção do aço e do alumínio, depois aumentou. Agora, anunciou que vai colocar mais 10% sobre US$ 200 milhões se a China retaliar. Está havendo uma escalada verbal tremenda. Não é só com a China, com a Europa ele está fazendo a mesma coisa por causa do Irã, que vai proibir as empresas europeias de comercializar com o Irã, está fazendo a mesma coisa com o Nafta, com o Canadá e o México. E a gente não sabe onde vai acabar isso.