Há quanto tempo você não dedica um momento do dia só para si? Se não faz a mínima ideia, calma, você não está sozinha: muitas mulheres também não conseguiram encontrar uma brecha na rotina destes tempos de pandemia para focar no autocuidado e desopilar.
Mas outras tantas chegaram ao limite nos últimos meses e precisaram descobrir, com muita criatividade, estratégias para buscar o bem-estar mesmo nesse período de exceção. Até porque, segundo um estudo do Instituto de Psiquiatria da USP realizado com 3 mil voluntários, a saúde mental das mulheres está em risco: elas foram mais afetadas emocionalmente desde a chegada da covid-19, apresentando com maior frequência sintomas de depressão.
— Um dos agravantes é não ter perspectiva. Para a mulher, ainda há o acúmulo de tarefas. Ela fica mais sobrecarregada, soma responsabilidades, escola dos filhos, tarefas domésticas. Se já é estressada, e muitas já estavam num nível alto antes da pandemia, a situação só piorou — analisa a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association (Isma-BR).
Apesar do caos, a sensação de esgotamento pode servir de empurrão para sair da zona de conforto, ou melhor, de desconforto, explica Ane Saraiva, instrutora da Sati – Escola de Mindfulness. Para a especialista em meditação, as pessoas costumam tolerar o sofrimento e a insatisfação no dia a dia como algo normal, quando não é. E aquela parada estratégica por alguns minutos surge como uma alternativa para encontrar um refúgio, se conectar consigo mesma e desenvolver mais paciência e resiliência.
— Há muita culpa. Priorizar a si mesmo não é visto como autocuidado, mas egoísmo, e isso é uma distorção — alerta. — O desafio é trabalhar com as perspectivas do que é possível. Não preciso de uma sala sem nenhum barulho, posso exercitar lavando a louça, escovando os dentes, tomando banho.
Você não precisa estar sempre fazendo algo: está liberado não pensar em nada. Ou apenas ficar em silêncio, sem estar sempre envolvida em algo
ISADORA SEVERO GARCIA
psicanalista
Essa pegada mais “calma” não tem nada a ver com você? Tudo bem: não há uma única fórmula para alcançar o bem-estar. A psicanalista Isadora Severo Garcia afirma que, independentemente da válvula de escape escolhida, o mais importante é entender que tirar um tempo só para si é imprescindível para recuperar as energias – afinal, supermulher não existe, né? E, se quiser apenas se jogar no sofá, colocar os pés para cima e ver TV, não se culpe.
— Uma vida plena não é necessariamente sinônimo de agenda cheia. Muitas vezes, o acúmulo de atividades acaba servindo justamente para a pessoa não pensar. Você não precisa estar sempre fazendo algo: está liberado não pensar em nada. Ou apenas ficar em silêncio, sem estar sempre envolvida em algo — avalia Isadora, que é mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio.
Se você quer tirar um tempinho para recarregar as energias, mas não sabe bem como, a dica é conferir os relatos a seguir. Reunimos histórias de mulheres de diferentes idades que buscaram alternativas para encontrar suas fontes de bem-estar na pandemia. Tem de tudo: exercícios físicos, técnicas rápidas focadas na mente, mergulho na literatura, atividades que envolvem toda a família e por aí vai. Leia e inspire-se!
Conexão com a natureza
"Passei por vários momentos na pandemia. No início, fiquei amedrontada e apática. No decorrer do ano passado, ficava irritada e sem paciência. Agora, me percebo esperançosa de que as coisas melhorem. Para aguentar a pressão com tantas restrições, procurei estratégias que me trouxessem conforto emocional. As plantas me dão um prazer raro. Sempre gostei delas e, aos poucos, fui aprendendo a cuidar. Leio, pesquiso, faço cursos online para aprender sobre os diferentes tipos. Plantar e acompanhar o desenvolvimento me traz uma sensação incrível. Moro numa casa com um pátio pequeno, mas até jabuticaba deu neste ano. Criei também uma rotina: de manhã, dou uma olhada geral e, no final da tarde, faço a rega. Nos finais de semana, mexo nos vasos e plantas que precisam de poda ou cuidados específicos. Virou uma terapia mesmo! Me acalma, me deixa feliz. Também comecei a cultivar orquídeas, são maravilhosas."
Veneza de Oliveira Tabajara, 61 anos, psicóloga, de Porto Alegre
Cuidado com o corpo
"Sempre gostei de ter contato com a natureza e praticar atividades para manter a tranquilidade porque sou ansiosa. Era a minha válvula de escape. Com a pandemia, tive que mudar minha rotina e me adequar ao formato de aula a distância. Também adoro passear, abraçar e isso me fazia falta. Foi aí que uma colega de trabalho me convidou para fazer um treino com ela. Conheci uma atividade esportiva que virou febre em nossa cidade, o beach tennis. Estou desde fevereiro praticando todos os dias, são treinos de uma hora, e não me vejo mais sem. Além de ter contato com a natureza, o esporte faz com que me desligue do mundo e me concentre mais no jogo. Sem contar as gargalhadas que voltaram!"
Giovana Neves Peixoto, 47 anos, professora, de Santo Antônio da Patrulha
"Reservar uma hora do dia para me exercitar virou ainda mais sagrado durante a pandemia. Coloco a máscara, tomo os cuidados necessários e caminho cerca de dois quilômetros pelo bairro. Sempre gostei e, agora, é ainda mais importante. Também tento ir à academia, respeitando os protocolos, para fazer musculação. Fizemos até uma trilha em família, no Interior, longe das multidões. O exercício me traz bem-estar, me sinto com mais saúde e energia. Corpo e mente ficam em equilíbrio."
Derony Leal Reichert, 68 anos, aposentada, de São Leopoldo
"Durante a pandemia, minha saúde mental passou por diversos picos: um mix de medo, angústia, alegria, frustrações, ansiedade, insônia e falta de apetite. Para aliviar as dores do corpo e da alma, descobri o Move-Flow no ano passado. Assisti a uma live de uma educadora física e me apaixonei pelo método, que estimula todo o corpo por meio de quatro princípios: a música, a respiração, os caminhos e o flow.
A técnica faz com que alguns movimentos sejam realizados tendo a música como fio condutor. Já a bolinha texturizada é usada em todas as aulas para ajudar com os exercícios. É uma aula gostosa que alivia as tensões da vida de uma forma segura, simples e eficiente. Escolhi praticar o método de segunda a sábado por ser uma forma diferente de equilibrar a minha mente e, ao mesmo tempo, fazer uma atividade física, ter um tempo só para mim."
Patrícia Guterres de Souza, 41 anos, fisioterapeuta, de Porto Alegre
Atividade em família
"Minha saúde mental piorou com a pandemia. Fiquei mais fragilizada, sozinha, atarefada e cansada, aquele combo de carga mental que as mulheres carregam. Além disso, sou desorganizada, e não consegui criar uma rotina. Para a nossa família, incluindo a filha de três anos, a quarentena aumentou a vontade de ter um animal de estimação. Moramos em apartamento e, por isso, optamos pelos gerbils, que são inteligentes e interagem mais do que outros roedores. Com o tempo, fomos pesquisando e melhorando a casinha deles, acoplamos a gaiola a um terrário e, volta e meia, estamos mexendo, fazemos brinquedos pra eles de palito de picolé. Estamos apaixonados e envolvidos. Não tenho dúvida de que os bichinhos ajudaram nossos dias a ficarem mais leves."
Bárbara de Oliveira Borges, 32 anos, educadora, de Porto Alegre
Exercícios para a mente
"Tudo pesa neste momento. Mas o distanciamento social, a saudade da família e dos amigos, de confraternizar, são cruéis. Faço terapia há algum tempo e, conversando com o meu terapeuta, veio a sugestão de fazer meditação para controlar a ansiedade. Em junho, comecei a praticar ioga e isso me levou à meditação, que mudou a minha vida. Conseguir controlar a ansiedade com a ajuda dos exercícios é maravilhoso. Faço aulas presenciais respeitando os protocolos e, em casa, alongamento e meditação. O processo dura cerca de 20 a 30 minutos. Faço de manhã cedo, antes de trabalhar. E, se não consigo fazer todo dia, tudo bem."
Márcia Fortes Garcia, 43 anos, advogada, de Canoas
"Estou me sentindo mais ansiosa, assustada, com palpitações, insônia... Enfim, há uma exaustão emocional. O que tem realmente pesado é a falta de uma perspectiva de melhora, além das expectativas, dos planos e da saudade de estar fisicamente com o resto da minha família. Sou praticante de ioga há anos e, para garantir o meu bem-estar, intensifiquei a prática online, além de focar mais na minha respiração. Faço os exercícios respiratórios da ioga para acalmar a mente e trazer relaxamento. São minutos que valem a pena! E o mais importante: investi também na meditação. Há três meses estou conseguindo meditar de 15 a 20 minutos diariamente, o que me traz benefícios. Faço meditação guiada, com música. Embora o desânimo ainda seja maior do que o ânimo, tento pensar positivo. Vai passar!
Vanessa Magalhães Castro, 50 anos, advogada, de Porto Alegre
Reunião virtual
"Não pude me despedir de pessoas que perdi, e isso me doeu muito. Além disso, adoro bater perna na rua, e não poder sair de casa mexeu comigo. Não ter contato com os amigos me faz muita falta. Mas, para me sentir bem, foquei nos encontros dos grupos de maturidade online.
O Sesc tem um grupo grande com pessoas da minha idade. Me senti bem ali, mesmo que não seja a mesma coisa do que se ver pessoalmente. Aprendo muito, dou minha opinião, as pessoas me auxiliam nos momentos difíceis. Interagir me dá muita alegria, mato a saudade das amigas e me sinto mais forte. Os encontros são quase todos os dias. em bingo, bate-papo, música, atividades, entrevistas, ginástica. Quero continuar, isso é vida, é renovação. É uma válvula para dar uma relaxada."
Alzira Inês Martins Machado, 75 anos, aposentada, de Porto Alegre
Viagem literária
"Me senti fragilizada por estar passando a pandemia longe da família e dos amigos, além de passar muito tempo fechada dentro do apartamento. Não me adaptei às lives, não consigo nem mesmo fazer conversas por vídeo, realmente cansei do online. E isso me levou ao refúgio nos livros. Já gostava de ler, sim, mas estava bastante afastada da literatura. Quando começou a pandemia, encontrei nos livros uma forma de viver mil vidas, mil realidades, sem sair de casa. A leitura me proporcionou um exercício do aqui e agora. De focar no que estou fazendo e não ter tanta ansiedade. Acabei organizando a leitura naturalmente, conforme sentia necessidade. Leio, normalmente, três livros por vez. Vou casando leituras de autoconhecimento ou filosofia com outras de conteúdo feminista e romances. Desde que começou a pandemia, já li 67 obras e me orgulho disso."
Bibiana Hernandez Gomes de Moraes, 32 anos, advogada, de Gramado