A cada ligação do chefe, Alessandra Padilha dos Passos sentia aquele frio na barriga: "Pronto, chegou a hora de ser demitida". O home office forçado pela pandemia bagunçou os planos da auditora fiscal que trabalhava numa empresa do ramo tributário. Mãe de Paola, de um ano e meio, ela passou a equilibrar sozinha os cuidados com a filha após o fechamento da escolinha, as tarefas de casa e as demandas profissionais. Em pouco tempo, a funcionária de 27 anos em ascensão na carreira começou a ter dificuldades para conciliar reuniões, administrar prazos e ainda ficar de olho na pequena. Nos primeiros meses de confinamento, estava sempre esgotada. Até que, em julho, o medo se concretizou: ela foi desligada após cinco anos na instituição.
– Meus chefes sempre foram compreensivos, me deram férias até as coisas se estabilizarem, só que pandemia foi se estendendo. Não estava rendendo o que rendia, apesar de frisarem que eu era uma boa funcionária. Por isso, deixaram as portas abertas para mim no futuro – conta a estudante de Psicologia, que mudou de faculdade planejando uma transição para a área de RH da empresa, sonho que acabou adiado.
O caso de Alessandra não é isolado: há muitas mulheres que perderam o emprego ou pediram demissão justamente por não conseguir abraçar tantas demandas nesse cenário de pandemia. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam que a taxa de participação de mães com filhos de até 10 anos no mercado de trabalho caiu de 58,3% no segundo trimestre de 2019 para 50,6% no mesmo período deste ano. E mais: o estudo também mostra que, entre abril e junho de 2020, a participação média de mulheres no mercado ficou em 46,3%, a menor registrada nos últimos 30 anos. Outro levantamento, desta vez realizado pelo Institute for Fiscal Studies, de Londres, apontou que as mães são 47% mais propensas do que os pais a perderem permanentemente o emprego ou deixarem o cargo durante a pandemia.
– Está todo mundo sendo afetado pelo desemprego, homens e mulheres, mas há, sim, um impacto maior nas mães. Com a suspensão das aulas, a rotina ficou prejudicada, a mulher mais sobrecarregada. Na prática, elas ainda são as principais cuidadoras das crianças – avalia Vívian Abukater, diretora-executiva na Maternativa, start-up referência no país que promove ações para discutir e transformar a relação entre mães e trabalho.
Já Mariana Gabrijelcic, cofundadora do MamaJobs, conta que não é raro deparar com mulheres que se recusam a participar de algumas seleções de emprego por medo de não conseguirem ser produtivas no home office. A publicitária está à frente de uma empresa que presta consultoria e conecta candidatas com organizações que aderiram à ideia de vagas flexíveis. A empresária também levanta outro ponto importante: a participação massiva de mão de obra feminina em setores especialmente afetados pelo distanciamento social:
– Elas ainda são muito presentes em ramos como hotelaria, serviço doméstico, lojas, alimentação.
O sonho da recolocação
À procura de um novo emprego, Alessandra, por exemplo, depende de uma rede de apoio dupla para voltar com tudo à vida profissional: a ajuda da mãe, Helena, e da escola da filha. Com o retorno das atividades educacionais nas últimas semanas, agora ela está avaliando oportunidades de trabalho em home office e presenciais. Mas a incerteza do futuro continua: Alessandra espera que a situação da covid-19 não piore em Porto Alegre, o que poderia acarretar novamente em suspensão das aulas:
– Preciso da escola. Senão, vou passar pelos mesmos problemas. Estamos em um momento mais compreensivo com a situação do home office? Claro. Só que não dá para negar que atrapalha. É uma falácia dizer que está tudo bem.
Quem concorda é Greyce Vargas Chimango, 26 anos, mãe de Pedro Henrique, sete anos, e de Benjamin, um ano e nove meses. Ela trabalhava como auxiliar administrativa na área comercial de uma escola de idiomas. Até que veio a pandemia, o teletrabalho virou a nova realidade e rotina se tornou o caos.
– Ficava sozinha com as crianças, meu marido seguiu trabalhando fora, ficou horrível. Precisava atender clientes, demorava para responder, as pessoas ficavam irritadas. Meu filho chorava, o outro queria subir nas coisas – conta.
A empresa sugeriu que Greyce tirasse férias, e foi nessa época que o diagnóstico de autismo do filho mais novo foi confirmado. Depois de um novo recesso e folgas em sequência, ela acabou demitida – o que significava a perda do plano de saúde e novas barreiras para dar início ao tratamento de Benjamin.
– Quando veio a ligação, desabei. Estava produzindo menos e fiquei na mira. Depois do baque, decidi que era hora de correr atrás de novos caminhos, mas estava desanimada. Todo dia ouvimos que alguém conhecido foi demitido. Achava impossível encontrar uma nova colocação rapidamente – lembra ela.
Greyce tentou vender pingentes, só que o projeto não deu o retorno esperado. Até que, no fim de setembro, uma boa notícia chegou: ela foi indicada por um amigo para trabalhar em um consultório dentário recém-inaugurado.
– Fiz duas entrevistas, disse que tinha dois filhos, não omiti nada. Nem acreditei quando fui contratada. Meu marido está com carga horária reduzida e é minha rede de apoio, além da minha mãe, que tem se revezado com as crianças. Vou vivendo dia a dia, me organizando na logística. Não aguento de tanta felicidade por ter conseguido um novo emprego – destaca.
Mães e empreendedoras
Enquanto algumas almejam um retorno à vida que levavam com carteira assinada, outras encontraram no empreendedorismo um caminho possível para manter a renda e a saúde mental durante a pandemia. A professora Marcela Ortiz Pedrini, 35 anos, integra esse último grupo. Antes do coronavírus mudar a rotina do país – e do mundo –, ela trabalhava em uma escola infantil. A suspensão das aulas determinou também uma nova realidade em família: passou a revezar com o marido os cuidados do filho, Theo, hoje com três anos, enquanto ambos tentavam manter a rotina no home office. E a sobrecarga de trabalho da professora se tornou um fardo:
– Precisava gravar vídeos com conteúdo para as crianças, (tinha) várias reuniões de alinhamento entre os professores, muitas tarefas. Foi muito difícil, gravar não era uma realidade para mim, ainda mais com meu filho em casa junto. No fim, fazia à noite, quando tinha um cenário decente e alguma organização na casa. Era 22h quando terminava – relembra.
Incomodada, Marcela decidiu que era hora de investir em novos rumos para preservar sua saúde mental, priorizar o tempo com o filho e estabelecer seus próprios horários. Por isso, em abril, ela pediu demissão e se jogou no empreendedorismo. Focou em uma das suas paixões, a costura, e lançou a grife (A)MAR Kimonos. Ela mesmo produz as peças, divulga nas redes sociais e comercializa para todo o país. Só que não parou por aí: juntou as economias, se uniu a duas sócias e comprou uma escolinha que vai inaugurar ainda neste ano, a Gaia Educação Infantil.
– Decidi que era hora de me encontrar profissionalmente. Estou montando uma escola que prima por consciência ambiental, alimentação saudável, resgata a conexão com a natureza, coisas que fazem sentido para mim. Assim como a (marca) (A)MAR, que explora essa questão do consumo consciente. Lógico que deu frio na barriga, estou investindo todo o meu dinheiro. Mas sinto que é a hora, tive que ter coragem. Chega de gravar vídeos às 22h (risos) – revela a pedagoga.
As especialistas confirmam: a maternidade pode ser considerada uma espécie de gatilho para as mulheres se aventurarem pelo empreendedorismo. De acordo com uma pesquisa feita pela Rede Mulher Empreendedora no ano passado, 68% das donas de negócios ouvidas no estudo decidiram empreender depois de ter filhos, de olho na flexibilidade de horários e em ter mais tempo em família. Já no cenário da pandemia, segundo um levantamento do Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, as mulheres empreendedoras demonstraram mais agilidade e competência ao implementar inovações em seus negócios –sete entre 10 fazem uso de redes sociais, aplicativos ou internet para vender seus produtos, número maior do que o de homens.
– O empreendedorismo é encarado como solução, e a pandemia acelerou essa estrutura online para a venda mais democrática, como marketplace, sites específicos, redes sociais. O que move a maioria delas é a gestão do tempo, a qualidade de vida e a necessidade de ter renda. Só não podemos romantizar. É difícil, dá muito trabalho e, muitas vezes, o retorno financeiro não chega logo – avalia Crismeri Delfino, consultora em desenvolvimento humano e presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS).
Para fortalecer essa rede, uma das alternativas é o site Compre das Mães, iniciativa da Maternativa lançada no ano passado. Na plataforma, elas garantem visibilidade para divulgar produtos e serviços e seguir ganhando seu dinheiro mês a mês.
– Já temos mais de mil mulheres cadastradas, quase quatro mil produtos na plataforma. As mães empreendedoras estão buscando alternativas dentro desse universo de venda digital para poder competir. Aumentou de uma maneira geral a busca em tudo, visualização da plataforma, das redes sociais. Há mais mulheres tentando empreender nesse momento – pontua Vívian, diretora-executiva na Maternativa.