“Eu só oriento o que não presta”, disse rindo Heloisa Buarque de Hollanda, 78 anos, quando apresentei minha pesquisa de pós-doutorado sobre o humor queer oitentista no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob sua supervisão. Foi em outubro do ano passado, justamente na época em que a palavra queer tinha sido demonizada por parte da sociedade brasileira, após o fechamento abrupto da exposição sobre o tema, intitulada Queermuseu, no Santander Cultural.
Essa brincadeira exemplifica o gosto pela transgressão na trajetória intelectual de Helô, como carinhosamente é chamada. Temas considerados irrelevantes e indignos de serem estudados por uma parte do universo acadêmico são sua predileção. Sua tese de doutorado Impressões de Viagem – CPC, Vanguarda e Desbunde, escrita em 1979 na mesma universidade carioca, mapeou a produção artística das décadas de 1960 e 1970, analisando o Cinema Novo, o Tropicalismo, a poesia concreta, bem como a contracultura presentes na atuação jornalística de Luiz Carlos Maciel em O Pasquim e na literatura de Torquato Neto. Tornou-se leitura obrigatória para os que pesquisam esse período da cultura brasileira.
Concomitantemente, Helô exerceu sua paixão pela prática cinematográfica. Assinou a cenografia de Mar de Rosas (1977) e Das Tripas Coração (1982), dois filmes de Ana Carolina que falam justamente da liberdade sexual feminina em uma sociedade opressora. E, assumindo o papel de cineasta, fez um registro histórico, o filme Xarabovalha (1978), no qual registrou os bastidores e trechos de uma apresentação de Trate-me Leão, o espetáculo mais importante da trajetória do grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone, no Teatro Ipanema. Em 2004, documentou a história do coletivo no livro Asdrúbal Trouxe o Trombone: Memórias de uma Trupe Solitária de Comediantes que Abalou os Anos 70.
Seu interesse pela literatura escrita por mulheres e pelo feminismo já aparece em seus artigos escritos para o Jornal do Brasil. Em A Imaginação Feminina no Poder, publicado em maio de 1981, festeja tanto os lançamentos de Luvas de Pelica (1980), da então jovem escritora Ana Cristina Cesar, e de Improvisação do Tempo (1980), da também iniciante Maria Rita Kehl, assim como o prêmio Machado de Assis dado a Gilka Machado pela Academia Brasileira de Letras no ano anterior ao da escrita do artigo. O que, para ela, sinalizava um reconhecimento para a obra poética da escritora e o começo de uma tentativa de valorização da literatura escrita por mulheres no Brasil.
Com Ana Cristina Cesar, Helô mantém uma importante parceria. Foi a primeira crítica literária que reconheceu o valor literário de sua poesia, tendo-a incluído na antologia 26 Poetas Hoje, publicada em 1975 e que, além de Ana, trazia para a cena poetas como Geraldo Carneiro, Chacal e Isabel Câmara. Helô organizou com Lucia Nascimento Araújo, em 1993, Ensaístas Brasileiras – Mulheres que Escreveram sobre Literatura e Artes de 1860 a 1991, alentado trabalho para o qual criaram 622 verbetes que apresentam as mulheres brasileiras que escreveram sobre literatura, dança, teatro, cinema e artes plásticas. No ano seguinte, publicou Tendências e Impasses: O Feminismo como Crítica de Cultura, onde estão reunidos artigos de diversas pensadoras feministas como Ria Lemaire e Mary Louise Pratt.
Atualmente, Helô organiza um livro sobre o ativismo feminista no Brasil atual. Já foram entrevistadas diversas militantes para a obra. Além disso, estabelece um pensamento sobre movimentos como o iniciado no Colégio Anchieta de Porto Alegre, que ganhou o título de Vai Ter Shortinho, Sim, no qual um grupo de meninas adolescentes lutou pelo seu direito de usar short durante as aulas, contrariando as regras de vestimenta impostas pela direção da escola. Um manifesto que relembra a busca pela liberdade comportamental que mulheres como ela, Leila Diniz, Vera Barreto Leite e Maria Lúcia Dahl viveram no Rio de Janeiro no final da década de 1960.
Nesta segunda (19), às 14h, no Auditório do ILEA, no Campus do Vale da UFRGS (Av. Bento Gonçalves, 9.500), Helô ministrará a aula inaugural do semestre da Pós-Graduação em Letras da universidade com a palestra A Onda Explosiva dos Novos Feminismos, com mediação de Rita Terezinha Schmidt, sua parceira acadêmica e interlocutora de muitos anos. Trata-se de uma oportunidade de assistir a um grande debate sobre este tema tão importante nos dias de hoje.
*Luís Francisco Wasilewski, Pós-Doutorando na UFRJ