A morte persegue Cristiano Burlan. O cineasta porto-alegrense radicado em São Paulo, que tem 42 anos e 15 filmes no currículo, entre curtas e longas-metragens, já adaptou Hamlet (em 2014), lembrou o assassinato de seu irmão (Mataram Meu Irmão, de 2013) e, em breve, vai rodar uma trama sobre o crime que vitimou sua mãe (Elegia de um Crime). Também é um poeta das imagens em preto e branco, como se pôde ver em Fome (2015), Amador (2014) e Sinfonia de um Homem Só (2012). Antes do Fim (2017), estreia desta quinta-feira (15/2) no CineBancários, em Porto Alegre, é um drama ensaístico sobre a decrepitude e a eutanásia, filmado em uma sequência heterogênea e inusitada de registros visuais, alguns deles oníricos – todos desprovidos de cor.
Os protagonistas de Antes do Fim são Jean-Claude Bernardet, decano da crítica nacional, 81 anos, parceiro usual de Burlan, e Helena Ignez, atriz e diretora de 75 que, décadas atrás, fora a musa do cinema marginal brasileiro. São duas personas conhecidas (a primeira sequência mostra fotos reais da juventude de ambos), o que potencializa o impacto do espectador quando este é posto diante do impasse do casal: ele quer se matar enquanto ainda lhe resta a lucidez. "Tenho medo das doenças. Quero acabar bem", fala para ela. "Um cunhado meu teve um AVC. Hoje, quando consegue ir da cama para o banheiro, dizem que ele está bem. Não quero isso para mim".
Mais do que sobre a velhice, trata-se de um filme sobre o fim. Ela será sua fiel parceira na, digamos, empreitada, o que revela a solidez da parceria entre eles, fazendo lembrar Amor (2012), de Michael Haneke. É uma chave para pensar que também se trata, em vez da morte, de um ensaio sobre a vida em sua plenitude – alcançada com o amor mais profundo.
A grande questão é "entrar" em sua narrativa quebrada, que alterna sequências de confissões dramáticas (os belos planos diante do espelho), comicidade ingênua (quando eles vão à farmácia comprar Viagra) e ousadias formais (há dança, uma cena que emula o cinema mudo, sobreposições e jogos de luz e sombra). Se parece difícil não se emocionar quando, logo no início, ele revela sua admiração pela forma como ela leva a situação ("Por me permitir ainda compartilhar de seu sorriso"), não é fácil, em contrapartida, manter-se conectado diante dessa estrutura excessivamente cerebral montada pelo roteiro de Burlan e Ana Carolina Marinho.
Há muitos silêncios entre eles, que revelam não distância, mas cumplicidade. Um passo menos radical na direção do experimentalismo talvez ajudasse o espectador a mergulhar nesse tipo de sutileza de um relacionamento que é bonito mas, ao mesmo tempo, confrontado com o insólito, extraordinário. Antes do Fim é um belo filme, porém, em uma espécie de espelho da união de seus dois protagonistas, para ser fruído com prazer exige a cumplicidade de quem o assiste.
Antes do Fim
De Cristiano Burlan
Drama/ensaio, Brasil, 2017, 84min.
Em cartaz às 15h e 19h, no CineBancários, em Porto Alegre.
Cotação: bom.