O amor, no cinema, é a estação dos jovens apaixonados, dos sonhos compartilhados, da vida a dois que se enxerga para adiante.
O amor, no cinema de Michael Haneke, é também o paradouro dos velhos apaixonados, das conquistas realizadas, da morte que se encara pelo olhos do outro.
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Em cartaz a partir desta sexta-feira (18/1), Amor talvez seja o mais belo e corajoso filme sobre um tema em torno do qual se dá muitas voltas para não se abordar de frente: o apagar das luzes de uma relação diante da decrepitude de corpo e mente.
Haneke, cineasta austríaco nascido na Alemanha, ergueu sua segunda Palma de Ouro no Festival de Cannes apresentando, com a secura que lhe é característica, a reta final do casamento de Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), octogenários que vivem com conforto num amplo apartamento em Paris. O casal tem outra paixão, além daquela que manifestam um pelo outro nos mais prosaicos gestos do cotidiano: a música clássica - ela era professora de piano.
Anne sofre um derrame que dá início ao seu progressivo definhamento. Georges se recusa a interná-la em uma clínica e decide cuidar da mulher em casa, com as forças que lhe restam e a paixão que ainda arde. E, destaca Haneke com rigorosa ternura, é preciso ser bravo para incorporar à rotina de toda uma vida um novo e mórbido ritual, do qual fazem parte remédios, papinha, fraldas geriátricas e o diálogo transformando-se em monólogo.
A maneira fria, direta e, para alguns, desconfortável com que aborda temas espinhosos fez de Haneke um dos mais respeitados e premiados cineastas contemporâneos. Autor de obras como Caché (2005) e A Fita Branca (2009), o diretor obtém com Amor uma aclamação sem precedentes em sua carreira. Após a consagração em Cannes, Amor foi eleito o melhor filme de 2012 pela Federação Internacional dos Críticos de Cinema (Fipresci) e acaba de ganhar o Globo de Ouro na categoria de longa em língua estrangeira. Afora concorrer como favorito nessa categoria no Oscar, representando a Áustria, Amor alcançou o raro feito de disputar ainda quatro das mais nobres estatuetas: melhor filme, direção, atriz e roteiro original.
Muitos filmes sobre a velhice já foram feitos, de melodramas que investem no estelionato emocional a clássicos do porte de Umberto D (de Vittorio De Sica), Viver (Akira Kurosawa) e Morangos Silvestres (Ingmar Bergman). Mas a abordagem recorrente se dá pelo ponto de vista da solitária reflexão existencial, do balanço afetivo com olho no retrovisor quando resta pouco a se ver à frente.
Com impacto e sem filtros, Haneke e seus estupendos atores mostram que amar também é completar e compreender palavras que não conseguem mais serem ditas, é compreender o outro por um olhar que se apaga, é ter muita, mas muita coragem para fazer com que esta caminhada a dois tenha um desfecho digno. É duro encará-lo, mas é esse o mais palpável sentido da vida.
Amor (Amour)
> Drama, Áustria/França/Alemanha, 2012. Duração: 127 minutos. Classificação: 14 anos.
> Estreia nesta sexta-feira (18/1).
Infinito enquanto dura
Filme mais aclamado da temporada, 'Amor' estreia nesta sexta-feira
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Marcelo Perrone
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