Longe do grande público, perto das grandes histórias, o cinema brasileiro vive uma de suas fases mais prolíficas. Em 2017, foram lançados no circuito 147 filmes, número que cresce ano a ano graças a janelas de exibição como a Sessão Vitrine Petrobras, que traz nesta quinta-feira (18/1) a Porto Alegre a cineasta paulistana Caroline Leone. Ela debaterá com o público da Cinemateca Capitólio (a partir das 20h) o seu primeiro longa, Pela Janela, ganhador do prêmio da crítica no Festival de Roterdã e uma das estreias da semana no país (na capital gaúcha o filme ficará em cartaz diariamente a partir do dia 1º, no CineBancários).
A Sessão Vitrine é um selo de qualidade estampado nas produções nacionais que, apesar do reconhecimento obtido nos festivais, são ignoradas pelas maiores distribuidoras e pelos exibidores das salas de shopping (leia mais abaixo). Como Martírio, Pendular, As Duas Irenes, A Cidade Onde Envelheço e Jonas e o Circo Sem Lona, para ficar apenas em títulos lançados com esse selo no ano passado, Pela Janela é uma pequena preciosidade, realizada com poucos recursos e enorme capacidade de emocionar o espectador.
Começa com o exame do dia a dia de uma pequena empresa de reatores eletrônicos de São Paulo, onde tudo é feito artesanalmente e as instalações são simples – tal qual a confecção de Corpo Elétrico (2016) e a fábrica de meias do uruguaio Whisky (2003). Logo fica claro, no entanto, que o interesse da diretora não é o trabalho em si, mas o que acontece quando essa rotina se rompe – quando a demissão chega para quem tem 65 anos de idade e dedicou mais de 30 àquela firma.
A personagem se chama Rosalia e é interpretada por Magali Biff, atriz que fez carreira no teatro e, até então, aparecera de maneira bissexta no cinema. Até então. Porque, depois da ótima atuação em Pela Janela, econômica nas expressões mas superlativa no que sugere esconder, tem tudo para se tornar um rosto bem mais conhecido dos cinéfilos.
Rosalia vive com o irmão José (Cacá Amaral), que, percebendo seu abatimento, resolve levá-la junto em uma viagem de carro, a trabalho, rumo a Buenos Aires. A estrada como elemento de transformação é um clichê dos road movies, mas algumas sutilezas garantem as especificidades de sua jornada. A primeira é a câmera observadora, testemunhal, que em planos longos parece absorver com vagar todas as paisagens visitadas, algo que já era sugerido nas imagens da fábrica paulistana mas que, no trajeto até a Argentina, passa a confundir-se com o próprio olhar da protagonista.
Ela observa tudo ao seu redor, indicando que o que se apresenta – "pela janela" – é algo absolutamente novo em sua vida. Tem dificuldades de comunicação – que são potencializadas após cruzar a fronteira – e uma fragilidade comovente, que permanecerá com ela mesmo após a renovação sugerida, entre outros momentos notáveis, pelo banho involuntário nas Cataratas do Iguaçu, numa das sequências mais marcantes do cinema brasileiro deste século 21.
A beleza daquela queda d'água lhe é sugerida por um quadro à parede de um hotel de beira de estrada, fazendo lembrar a epifania do protagonista de Barton Fink (1991), que, no entanto, não encontra na vida real o oásis vislumbrado naquela representação pictórica. Rosalia, ao contrário, de forma discreta, tímida, acaba vivendo uma experiência redentora. Essa é uma das principais diferenças entre ela e a personagem-título do igualmente belo A Casa de Alice (2007), outro filme nacional recente cuja força reside na grande mulher que revela – e na grande atriz por trás desta.
Nos dois casos, a diferença entre a vulnerabilidade emocional e a capacidade de superação é tênue. Rosalia tem ambas. E mais – vale a pena descobrir.
PELA JANELA
De Caroline Leone
Drama, Brasil/Argentina, 84min. Estreia nesta quinta-feira (18/1) no país.
Em Porto Alegre, há sessão comentada com a presença da diretora às 20h, na Cinemateca Capitólio. O filme entra em cartaz na capital gaúcha no dia 1º/2, no CineBancários.
Cotação: ótimo.
NA VITRINE
Criada pela distribuidora Vitrine Filmes, a Sessão Vitrine Petrobras é realizada em cinemas de mais de 20 cidades brasileiras, nas quais promove a estreia de longas nacionais inéditos no circuito. Na temporada regular, os filmes são lançados a cada duas semanas, permanecendo em cartaz com ingressos, no máximo, a R$ 12. Em Porto Alegre, são parceiros da iniciativa a Cinemateca Capitólio, o CineBancários e o Espaço Itaú. Sessões comentadas são realizadas com os diretores – nesta quinta-feira, no Capitólio, a sessão com a presença de Caroline Leone terá início às 20h. Entre as próximas atrações do projeto estão o documentário Paulistas, de Daniel Nolasco, exibido no festival DOK Leipzig, e a ficção científica Era uma Vez Brasília, de Adirley Queirós (o mesmo de Branco Sai, Preto Fica), exibido em Locarno e Brasília. Outras informações em vitrinefilmes.com.br.