Um dos debates mais quentes (e pertinentes) do cinema brasileiro recente se deu quando o decano da crítica Jean-Claude Bernardet chamou de "irrelevantes" uma porção de filmes nacionais, muitos deles bons, alguns ótimos, porém ignorados pelo público. Alguns meses se passaram, e a quantidade de títulos que se encaixam na definição só aumentou.
Neste momento, há 18 filmes nacionais em cartaz no país, segundo o portal Filme B, referência em análise do mercado cinematográfico. Apenas quatro foram vistos, cada um, por mais de 25 mil pessoas. Avanti Popolo e Riocorrente (este ainda inédito em Porto Alegre), unanimidades entre a crítica, não somam, juntos, 5 mil espectadores.
"É a crônica de um fracasso anunciado", escreveu o diretor e montador Eduardo Escorel em seu blog, no site da revista Piauí, dia 23 de junho. Três longas nacionais estreavam em São Paulo naquela semana, relatou Escorel, nenhum deles com mais de duas sessões diárias. O post repercutia o artigo O Cinema Brasileiro Vai Bem?, que a pesquisadora Amanda Coutinho publicara, antes, no site Carta Maior. São dois novos textos a refletir sobre a incompatibilidade entre o mercado exibidor e a produção nacional.
- O espaço para certos títulos é, de fato, restrito - afirma Jair Silva Jr., gerente de distribuição da Vitrine Filmes, especializada em cinema independente. - Deveria haver mais salas alternativas, se levarmos em conta a grande quantidade de lançamentos e a falta de pluralidade dos complexos de shopping, que chegam a ter metade de suas salas ocupadas por um só longa.
Como Riocorrente e Avanti Popolo, o gaúcho Castanha é um filme independente, barato e sem uma grande distribuidora para lançá-lo, mas badalado pela crítica que já o assistiu. Neste mês, o longa de Davi Pretto terá sua primeira exibição no Brasil, no Festival de Paulínia. E depois?
- Se ninguém quiser distribuí-lo, distribuiremos nós mesmos - diz o diretor, que também é um dos responsáveis pela Sessão Plataforma, criada para difundir filmes sem espaço no circuito convencional. - Esse circuito é caduco, além de injusto. Você demora, com sorte, um ano para fazer um filme. E, após quatro dias de exibição, alguém decide se ele sai ou não de cartaz. Mas não dá para ficar no coitadismo.
Davi Pretto lembra o lema do it yourself ("faça você mesmo") e cita seu próprio personagem, o ator João Carlos Castanha, "exemplo de artista que nunca precisou do mainstream". Fala em aproveitar festivais e mostras, "como outras Sessões Plataforma por aí, "hoje fundamentais para difundir o cinema de autor". Seu depoimento vai ao encontro do que disse, em depoimento a ZH, Michael Wahrmann, o realizador de Avanti Popolo:
- Fiz um filme que ninguém vai ver, sei disso. E acho isso triste. Mas nossa batalha não pode ser o grande público. Existe o cinema de arte e a indústria, cada um com seu papel. O cinema de arte precisa da indústria, pois, sem ela, não temos trabalho, nem dinheiro. E a indústria precisa de pessoas irrelevantes que nem a gente, que experimentem a linguagem, proponham novos caminhos, questionem, busquem a renovação. Sem isso, o cinema morre de tédio. O que me leva a concluir que "relevância" é um termo muito relativo.
A visibilidade em números:
> Hoje Eu Quero Voltar Sozinho foi premiado em Berlim e teve estratégia de marketing bem-sucedida. Foi lançado com 16 cópias e visto por 194 mil pessoas.
> Praia do Futuro teve mais cópias (estreou em 100 salas) e a presença de Wagner Moura como chamariz. Mas não levou mais do que 117 mil espectadores aos cinemas do país.
> O Lobo Atrás da Porta foi um dos filmes nacionais mais elogiados pela crítica nos últimos anos. Mas, com 30 cópias, vendeu, até aqui, apenas 20 mil ingressos nos cinemas.
> Riocorrente também colheu elogios nas sete cidades nas quais foram exibidas suas 9 cópias (em Porto Alegre o filme segue inédito). Mas tem números ainda menores: soma menos do que 3 mil espectadores até aqui.