Vencedor do Festival de Brasília, A Cidade Onde Envelheço é o primeiro filme da Sessão Vitrine Petrobras, que apresenta títulos consagrados em festivais mas maltratados por distribuidores e programadores das salas comerciais. Em cartaz no CineBancários, em Porto Alegre, a partir desta quinta-feira, o longa de Marília Rocha tem o DNA da Teia, um dos mais bem-sucedidos coletivos audiovisuais do país – saíram de lá, entre outros, O Céu Sobre os Ombros (2010), de Sérgio Borges, e Aboio (2005) e A Falta que me Faz (2009), da mesma Marília Rocha. A Teia tem sede em Belo Horizonte, um dos principais centros difusores do mais criativo cinema nacional atual.
É na capital mineira que se passa a trama de A Cidade Onde Envelheço, que, no entanto, tem duas protagonistas portuguesas. Francisca (Francisca Manuel), que vive na cidade, recebe a visita de Teresa (Elizabete Francisca), conterrânea que se instala provisoriamente em sua casa. Há tensão no ar, aparentemente porque a presença de uma restringe o espaço da outra ("Não estou acostumada a viver com alguém", diz Francisca, logo no início), mas também porque elas estão vivendo fases diferentes da vida ("Ele não é meu namorado; esse tipo de relação nem existe mais", diz a anfitriã depois, ao ser questionada pela amiga). Parece um filme sobre liberdade, e é, mas, mais do que isso, é um filme sobre o tempo – como indica o título.
O naturalismo dos diálogos e das interpretações é um trunfo do projeto. A dupla é cativante tanto pela melancolia que exala (há saudade de terra natal em cada movimento de Francisca) quanto pela fuga ao humor (a cena em que, observando os azulejos do banheiro, discutem por que os acabamentos das casas brasileiras são malfeitos). A diretora joga com essa dualidade, construindo uma narrativa enigmática que se distancia dos manuais de roteiro ao passo que se aproxima do realismo mais cru, tão caro à produção independente brasileira.
Mas há uma sacada, ao final, que distancia um tantinho o filme desse registro – e enriquece a fruição. Tudo de maneira coerente com a construção delicada da relação entre as duas protagonistas. Como se isso não fosse suficiente, A Cidade Onde Envelheço ainda vale pelas boas sequências de festas, música e descobertas diversas das duas personagens. Aquela embalada por Soluços, de Jards Macalé, é digna de uma antologia do melhor cinema nacional produzido neste século 21.
A CIDADE ONDE ENVELHEÇO
De Marília Rocha
Drama, Brasil, 2015, 99min.
Em cartaz no CineBancários, em Porto Alegre.
Cotação: 4 estrelas (de 5).