Filme brasileiro premiado no Festival de Berlim (com o troféu da crítica na mostra Panorama), Pendular está em cartaz em Porto Alegre no Espaço Itaú e no CineBancários, onde tem sessão comentada às 20h desta quinta-feira (5/10), com a presença da atriz Raquel Karro.
É o segundo longa ficcional de Julia Murat, que em 2011 falou sobre a construção da memória em Histórias que Só Existem Quando Lembradas e, agora, se propõe a discutir a essência da contemporaneidade: a arte de quem, na definição do filósofo italiano Giorgio Agamben (em O que É o Contemporâneo?), é capaz de, "mantendo fixo o olhar no seu tempo, perceber não as luzes, mas a escuridão", ou seja, dissertar sobre a História em sua própria época, "mergulhando nas trevas do presente".
Os protagonistas de Pendular são uma dançarina (papel de Raquel Karro) e um escultor (Rodrigo Bolzan) que, em um ato por princípio político, isolam-se para morar e criar, juntos, em um galpão transformado em loft. Nesse mergulho conjunto, vida e arte se misturam. As tensões da relação se refletem na produção artística dos dois, e as crises que surgem nunca são somente pessoais ou profissionais, mas ambas as coisas ao mesmo tempo.
Quando ele quer um filho, e ela diz não, a rotina do casal é tão impactada quanto suas obras. A linha que os dois demarcaram para dividir o espaço de trabalho, no centro do galpão, não por coincidência, é questionada no momento em que esse conflito de vontades é revelado. Julia Murat confirma o talento do belo filme anterior revelando delicadeza na observação dessa convivência compartilhada, especialmente quando oferece pistas, quase sempre discretas, sobre como aspectos comezinhos do dia a dia influenciam seus movimentos de dança e suas peças escultóricas – como o banal pode ser elevado a partir de um olhar perspicaz; como pode haver luz onde parece existir apenas a escuridão.
A insistente inquietação da mulher para com um cabo de aço é um excesso à parte: não compromete o todo, mas revela-se dissonante em uma aproximação que em geral é mais sutil – e sofisticada. Há de se considerar, a despeito disso, que essa irregularidade é do próprio ofício: o artista pode falar com mais ou menos ênfase, de forma mais ou menos comunicativa, às vezes apenas para satisfazer a pulsão de se expressar – Pendular é um filme sobre toda a criação artística e suas implicações.
No universo do cinema brasileiro atual, que tem abordado o despertar dos afetos em contextos nem sempre familiares – e de maneira não raro improvável –, Pendular se destaca por pensar esse processo de sensibilização. É um filme, em essência, metalinguístico. O mais interessante é que se põe nessa posição a partir da observação da rotina de um casal – o que remete, tanto quanto a Bergman e Woody Allen, como já foi dito à época do Festival de Berlim, ao que cineastas como Godard e Antonioni fizeram nos anos 1960, quando trouxeram a chamada crise conjugal para o primeiro plano das reflexões existencialistas.
Se Histórias que Só Existem Quando Lembradas levava a pensar na dissociação entre tempo vivido e tempo sonhado, Pendular faz o oposto: tudo é o agora. No fundo, no entanto, são projetos complementares. A partir do presente, pode-se pensar sobre qualquer tempo – inclusive o presente. É o encanto do contemporâneo.
PENDULAR
De Julia Murat
Drama, Brasil, 2016, 108min.
Em cartaz diariamente, em Porto Alegre, no Espaço Itaú e no CineBancários (onde tem sessão comentada às 20h desta quinta-feira, dia 5/10).
Cotação: muito bom.