Cinema Novo carrega no título um peso que seu diretor, Eryk Rocha, sustenta no sobrenome (é filho de Glauber Rocha): em 90 minutos, dá conta de apresentar ao espectador um dos movimentos artísticos mais importantes do Brasil. O documentário, que saiu premiado do Festival de Cannes e foi apresentado em sessão catártica na Cinemateca Capitólio na semana passada, dentro da programação do Cine Esquema Novo, acaba de entrar em cartaz em Porto Alegre, no CineBancários e no Guion Center. Deve ser visto por todos os cinéfilos. E na sala escura, diante da tela grande: um de seus trunfos é apresentar, com a devida imponência, imagens marcantes de alguns dos maiores filmes realizados no país – de Rio, 40 graus (1955) a Macunaíma (1969), passando por Vidas secas (1963) e Deus e o diabo na terra do sol (1964).
Quem conheceu esses filmes por meio de cópias desgastadas ou mesmo em VHS tem tudo para se emocionar diante do Cinema Novo de Eryk Rocha. Melhor do que isso, o realizador de 38 anos e bons longas no currículo, a exemplo de
Pachamama (2008) e Transeunte (2010), foi além da mera homenagem: seu quebra-cabeças, que inclui trechos das produções, entrevistas e cenas de bastidores, tudo registrado à época (anos 1960, basicamente), conforma-se
em um fluxo narrativo dotado de personalidade própria.
É como se Cinema Novo fosse dois em um – resgate histórico que serve de introdução àquele que foi o momento criativo mais prolífico da cinematografia nacional e, ao mesmo tempo, um poderoso filme-ensaio capaz de ressignificar as imagens originais de que faz uso. De maneira mais rápida (ao falar do fim do movimento) ou aprofundada (quando o foco é o embate entre fazer filmes sobre o povo, mas não conseguir levá-los ao povo), Eryk Rocha toca em quase tudo o que cercou o movimento. Inclusive a sua "pré-história" – o Limite (1931) de Mário Peixoto e o trabalho pioneiro do cineasta Humberto Mauro (1897 – 1983).
Além disso, aborda o que a turma formada por Glauber, Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos, Roberto Santos, Cacá Diegues e tantos outros articulou para além da realização propriamente dita – como a distribuidora Difilm, que tinha à frente um Luiz Carlos Barreto prestes a se tornar o principal produtor do país.
Também é por isso que é importante ver Cinema Novo atentamente, se possível na sala de cinema, onde detalhes têm menos chance de passar despercebidos:
há estímulos à reflexão, sobre o passado e também sobre o que viria a ser o presente da produção nacional, a todo instante e de formas diversas, a partir de imagens, frases e também sons – até o volume de alguns ruídos é importante para entender certos propósitos de Eryk Rocha.
Em um momento histórico em que a situação do país se mostra desafiadora, estabelecer contato com um contexto tão rico de criação artística, no qual se fazia revolução por meio da estética, só pode ser recompensador.
CINEMA NOVO
De Eryk Rocha.
Documentário, Brasil, 2016, 90 min.
Em cartaz no CineBancários e no Guion Center, em Porto Alegre.
Cotação: ótimo.