A história de As Duas Irenes, filme brasileiro em cartaz a partir desta quinta-feira, lembra a de O Filme da Minha Vida, recém-exibido nos cinemas: em uma cidadezinha de interior, acompanhamos o crescimento de uma adolescente que descobre que seu pai tem outra família.
O processo de descoberta em si, que pauta o título dirigido por Selton Mello, no longa de Fábio Meira é abreviado: Irene (Priscila Bittencourt) já conhece o segredo de Tonico (Marco Ricca) desde o primeiro ato; o que ela faz com essa informação é que interessa ao estreante diretor, curta-metragista premiado e corroteirista de De Menor (de Caru Alves de Souza, 2013).
Meira, que está em Porto Alegre junto a sua jovem atriz para uma sessão comentada na Cinemateca Capitólio, às 20h desta quinta (há exibições também no CineBancários e na Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana), criou um espelhamento interessante dando o mesmo nome à filha dessa segunda família de Tonico. Interpretada por Isabela Torres, a "outra" Irene é uma espécie de modelo para a primeira: é mais desinibida, parece ter mais amigos, até já deu o primeiro beijo em um garoto.
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O espectador logo entende que a protagonista desenvolve sentimentos ambíguos pela "nova amiga", de quem inicialmente não revela ser irmã. Tão rica quanto isso – dramaturgicamente falando é a maneira como ela reage diante do pai e também da mãe, Mirinha (Susana Ribeiro), que pela passividade frente à situação, aos olhos da garota, transforma-se de vítima em uma espécie de vilã.
Esse terreno contraditório, usual na abordagem da adolescência, também pautou Mãe Só Há Uma (Anna Muylaert, 2016). De todos os filmes citados, Fábio Meira foi quem apostou em uma construção dramática mais delicada ao expor as relações de causa e consequência dos atos de seus personagens. Seus diálogos tratam de naturalizar os tormentos das Irenes (a conversa sobre o pai em comum, já na parte final da trama, se dá em meio a um papo sobre como o cadarço do tênis está apertado), indo na contramão da glamourização do passado de O Filme da Minha Vida.
Mas sem deixar a romantização completamente de lado – o lugar do flerte é um velho cinema de calçada, as margens das estradas de chão batido são floridas e os fins de semana são gastos com banhos de cachoeira, tudo apresentado com uma fotografia (assinada por Daniela Cajías) repleta de tons pastéis, o que ressalta o ambiente bucólico no qual as duas Irenes se movem.
Alguns planos são tão belos que lembram pinturas. Há enquadramentos que exploram a profundidade de campo através de janelas ou outras aberturas (e da bilheteria do cinema, por exemplo), uma brincadeira metalinguística que faz o próprio espectador emular a revelação do mundo em um quadro à sua frente, tal qual esta se apresenta à pequena protagonista.
Meira até poderia ter ido mais fundo na questão identitária – o embaralhamento entre quem é uma e quem é outra só fica explícito em uma brincadeira ao final –, mas não sem comprometer algumas sutilezas daquelas relações. Outro aspecto positivo de As Duas Irenes: as muito boas atuações das coadjuvantes, especialmente a de Inês Peixoto como Neuza, mãe da segunda Irene. Para um longa-metragem de estreia, o diretor goiano demonstra maturidade e capacidade de fazer escolhas certas, mesmo em um território difícil como o sempre complexo rito de passagem para a vida adulta.
AS DUAS IRENES
De Fábio Meira
Drama, Brasil, 2017, 90min.
Em Porto Alegre, estreia nesta quinta-feira no CineBancários, na Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana e na Cinemateca Capitólio (onde terá.
Cotação: bom.