A rede solidária que, há mais de 20 dias, toma conta de Porto Alegre começa, aos poucos, a se desmobilizar. Ao total, 38 abrigos que recebiam pessoas desalojadas por causa das enchentes fecharam nas últimas semanas. Alguns locais da Capital encerraram as atividades porque os abrigados retornaram para casa ou porque precisavam retomar as atividades comerciais dos espaços utilizados.
Segundo a prefeitura, a tendência é que mais abrigos parem de funcionar nos próximos dias, mesmo com os esforços para sustentar a rede de acolhimento.
Porto Alegre já teve 173 abrigos em funcionamento durante a tragédia ambiental. Agora, de acordo com o mais recente relatório da prefeitura, divulgado na tarde desta terça-feira (28), 135 locais estão em operação. O número de pessoas abrigadas também reduziu significativamente desde que a Capital atingiu o pico: passou de 14,6 mil para 11,4 mil. Segundo Luiz Carlos Pinto, coordenador da Central de Abrigos e secretário municipal de Inovação, algumas pessoas já conseguiram voltar para casa, enquanto outras buscaram alojamentos provisórios, como casa de parentes ou locais alugados.
A Defesa Civil do RS e a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado também entendem que a desmobilização era esperada. Ambos os órgãos afirmaram, porém, que não acompanham a movimentação dos abrigos, uma vez que as iniciativas costumam ser geridas por instituições privadas, pelo terceiro setor ou pelas prefeituras.
— Essa rede vai diminuir quase que naturalmente. Ao longo da semana, a tendência é que reduza ainda mais o número de abrigados e de abrigos. O que nos preocupa é a velocidade, já que uma boa parte das pessoas ainda não conseguiu voltar para casa — afirma o coordenador da Central de Abrigos. Para ele, além das pessoas responsáveis pelos abrigos estarem cansadas, os locais enfrentam falta de voluntários e doações, o que torna o trabalho ainda mais difícil.
Para o abrigo do Colégio Mãe de Deus, no bairro Tristeza, o motivo do encerramento é outro. As mais de 130 pessoas abrigadas estavam no ginásio e a instituição precisava do espaço para que os alunos pudessem voltar às aulas. Segundo o especialista em investimento e coordenador do abrigo, Juliano Garcia, cerca de 75% das famílias voltaram para casa ou foram morar com parentes. Os demais acolhidos precisaram ser encaminhados para outros locais de acolhimento.
— Abrimos no dia 5 de maio e recebemos pessoas de Eldorado do Sul e dos bairros Humaitá e Sarandi. Há duas semanas, começamos a trabalhar a ideia dessa mudança com psicólogos e assistentes sociais. Combinamos que eles só sairiam quando tivessem um lugar bom para ficar, tentamos dar uma estrutura para eles poderem retornar à rotina. Sábado (25) foi quando as últimas famílias foram embora — relata.
O espaço montado pela Associação Aliadas, junto com outros parceiros, que recebe apenas mulheres e crianças, já começou a pensar no encaminhamento para os 60 abrigados. Isso porque o local funciona no Square Guarden, no bairro Santa Cecília, espaço cedido pela empresa Melnick e que precisa ser devolvido até o dia 7 de junho.
— Essa é nossa última semana plena operação. No próximo domingo (2), vamos fazer um evento de encerramento e, na segunda-feira (3), começar a realocar as abrigadas. Creio que muitas ainda não vão conseguir voltar para casa, porque são do Humaitá e Sarandi, mas temos um abrigo de longa permanência para onde elas devem ser encaminhadas. Notamos que muitas foram jogadas de um abrigo para o outro sem explicação, então estamos explicando e ajudando. Fizemos cursos de capacitação, algumas conseguiram emprego e uma conseguiu uma bolsa de estudos — conta a presidente da Associação e coordenadora do abrigo, Ali Klemt.
Além dos Centros Humanitários de Acolhimento, ou cidades provisórias, como são chamados, a prefeitura também pensa em manter abrigos de médio prazo. Pinto acredita que algumas pessoas, como os moradores das ilhas, por exemplo, não vão conseguir voltar para casa tão cedo, precisando da rede de acolhimento por mais tempo. Nestes casos, uma solução viável seria montar políticas públicas de parcerias com alguns abrigos para que eles possam continuar funcionando por mais três meses. O secretário considera inviável manter a rede de 135 abrigos por tanto tempo.
Sem data para encerrar as atividades
Enquanto alguns locais se desmobilizam, outros continuam firmes e fortes, mesmo com as dificuldades. É o caso do abrigo da Escola Aurélio Reis, no bairro Jardim Floresta, que acolhe 59 pessoas. A iniciativa, organizada por jovens sem vínculo com o colégio, funcionará até que a instituição precise do espaço para a volta às aulas. Até que a data de retorno seja definida, os administradores do abrigo pretendem continuar ajudando.
— Ainda não temos uma data. Estamos em contato com a Secretaria Municipal de Educação (Smed) e a previsão é de que em uma ou duas semanas voltem às aulas. Enquanto isso, vamos seguir ajudando. Mas precisamos de voluntários, porque está ficando difícil de fazer a gestão de abrigo. Depois de muita luta, a prefeitura nos mandou alguns voluntários, só que precisamos de mais pessoas e que venham mais dias, não apenas uma vez — conta o estudante e um dos coordenadores do local, Mateus Filipe de Souza.
No início da atuação, o espaço abrigava 109 pessoas e contava com a ajuda de muitos voluntários. Com o passar dos dias, alguns abrigados voltaram para casa e os ajudantes precisaram retomar a rotina, voltando ao trabalho e aos estudos. Atualmente, o abrigo funciona com apenas seis funcionários por turno. Para Souza, o ideal seria, pelo menos, 10 pessoas por faixa de horário. O apoio que a prefeitura deu ao abrigo da Escola Aurélio Reis também foi oferecido a outros locais.
— Fizemos essa movimentação de colocar pessoas contratadas para dar suporte em abrigos. Isso vai nos ajudar a manter esses locais por mais uns 10 dias. Até lá, vamos recuperar mais áreas da cidade e mais pessoas vão poder voltar para casa. Também estamos oferecendo uma série de outros serviços a esses locais, como ajuda para a gestão, para a limpeza e para a segurança, e doações — pontua o coordenador da Central de Abrigos, Luiz Carlos Pinto.
O abrigo das igrejas Brasa Zona Norte e Brasa Church, localizado no bairro Sarandi, conta com ajuda de dois servidores do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) para a limpeza do espaço que abriga 150 pessoas. A alimentação dos acolhidos, doação de roupas e demais ações são realizadas pelas igrejas, com apoio de outras igrejas parceiras e muitos voluntários.
— Não pretendemos parar. Não receberemos mais ninguém, mas vamos tentar mudar a vida daqueles que já estão conosco. Estou tentando alugar um prédio, localizado ao lado da igreja, onde os abrigados poderão viver e continuar sendo assistidos por nós. Assim, conseguiremos abrir a igreja para desenvolver nossas atividades e atender eles melhor. Queremos melhorar a acomodação dessas pessoas — afirma o pastor da Igreja Brasa Zona Norte, Ricardo Glavam. Ele garante que as igrejas continuarão ajudando essas famílias por tempo indeterminado, oferecendo suporte até quando precisarem.