Os abrigos destinados aos prejudicados pela enchente que atingiu Porto Alegre têm baixa de voluntários, equipes desgastadas e busca pela retomada da rotina. A situação preocupa a prefeitura, pois a cheia do Guaíba segue e a chuva desta semana tirou moradores de casa outra vez.
O Executivo municipal pede para que os abrigos sigam mobilizados pelas próximas duas semanas, tempo no qual é esperado o arrefecimento do cenário. Somado a isso, há o estudo de repasses financeiros para os espaços de acolhimento e o início do uso de profissionais temporários para suprir a baixa no voluntariado.
Na sexta-feira (24), a Capital contava com 149 locais de acolhimento reconhecidos pelo Executivo municipal, que recebiam 12,7 mil pessoas. É uma baixa de 14 espaços e 2,1 mil indivíduos na comparação com o ápice da crise climática, ocorrida na primeira semana de maio.
— Temos visto um processo gradual de desgaste desses abrigos. Eles precisam do espaço, não têm mais a rede de suporte de voluntários ou estão estressados psicologicamente. Muitas das pessoas que estão fazendo a gestão desses locais nunca foram treinadas para um trabalho que não é fácil, ainda mais para uma mobilização que já dura três semanas — diz Luiz Carlos Pinto, coordenador da Central de Abrigos e secretário municipal de Inovação.
A nova inundação vivida pela Capital na quinta-feira (23) – quando choveu o previsto para o mês – fez com que abrigos voltassem a ser ocupados. O risco de haver mais chuva na próxima semana e o nível do Guaíba ficar abaixo da cota de inundação apenas em junho faz a prefeitura estudar formas de manter os abrigos, segundo o secretário.
— Estamos montando políticas de sustentação. Começamos a discutir uma possibilidade de ressarcimento financeiro aos abrigos. Também vamos trocar os voluntários por contratações emergenciais na próxima semana, para aportar recursos humanos importantes na sustentação desses espaços. O apelo é que os abrigos se mantenham, se possível, por mais duas semanas, para que possamos colocar em prática essas políticas — pontua.
A Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap) informou que serão contratados agentes sociais conforme a necessidade dos abrigos. Voluntários que atuaram na crise climática têm prioridade na contratação; depois, a oportunidade será aberta para o público em geral. O primeiro treinamento do grupo já contratado ocorrerá no domingo (26) e o trabalho nos abrigos começa na próxima semana.
Quais os motivos para fechar abrigos
A direção da Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Rafael Pinto Bandeira, no bairro Cristal – um dos abrigos da Zona Sul – pretendia ter já retomado a rotina da instituição, mas a chuvarada registrada na quinta-feira prejudicou o planejamento.
— Na quarta-feira (22), estávamos com a última família, de 13 pessoas, que faltava ser realocada. Com a chuva, uma vila próxima alagou de novo e o pessoal saiu correndo de volta para cá, então voltamos a ficar com bastante gente na escola, cerca de 120 pessoas — afirma o diretor Cássio Gonçalves Reis.
Segundo ele, o número de voluntários diminuiu nos últimos dias: a instituição chegou a ter 20 pessoas para as tarefas diárias, hoje são oito. O professor diz que a escola foi adequada à quantidade disponível, mas que a perda não prejudicou os serviços essenciais para a manutenção do espaço. Ainda assim, a ideia de encerrar as atividades em breve está mantida.
— A escola vai deixar de ser abrigo no momento em que essas pessoas retornarem para as suas casas: não vamos receber mais ninguém — assegura.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Aramy Silva, no bairro Camaquã, zona sul da Capital, vive situação similar: deve deixar de ser um abrigo assim que os últimos 40 desalojados deixarem a instituição.
A escola começou a receber afetados pela inundação no dia 5 de maio. O uso do espaço foi solicitado por lideranças do bairro para abrigar moradores da região. O local, porém, foi buscado por habitantes de Eldorado do Sul e de outras regiões de Porto Alegre.
Uma estrutura para receber até 110 pessoas foi montada com doações da sociedade e repasses da prefeitura. Professores e voluntários se revezaram para atender os desalojados. A ocupação variou entre 85 e 105 indivíduos. No entanto, a procura por abrigo reduziu na última semana, assim como a presença do voluntariado.
— As pessoas que estão abrigadas querem voltar para casa, tocar a vida. Os 170 voluntários que tínhamos se revezaram por turnos até o dia 17, nunca tínhamos menos de 10 pessoas na escola de madrugada; agora, para os quatro turnos, temos 15. Sabíamos que chegaria um momento no qual eles voltariam aos seus compromissos — conta Celso Pessanha Machado, diretor da escola.
A direção diz que precisará investir em limpeza e reformar parte da estrutura para retomar a rotina escolar. Segundo o professor, nos últimos dias, os responsáveis pela estrutura decidiram desfazer o abrigo.
— A comunidade que pediu para abrir (o abrigo), decidiu encerrar a operação no sentido de não receber novos desabrigados. Quando essas pessoas saírem, volta a atividade da escola em horário normal. Por enquanto estamos fornecendo comida para os alunos e atividades impressas para fazer em casa. É preciso a volta da rotina escolar para não prejudicar a aprendizagem — acrescenta o diretor.
Um dos abrigos a fechar foi o da Union Strong, uma escola de artes marciais localizada no bairro Hípica, na Zona Sul. O local recebeu 98 pessoas entre os dias 3 e 22. O acolhimento foi feito em parceria com dois professores e alunos do estabelecimento, além de integrantes da Igreja Reviver, também do bairro.
A estrutura montada na escola foi coordenada por seis voluntários em cada turno. Com o transcorrer do mês, a academia reduziu a presença de desabrigados, a maioria delas do bairro Humaitá, na Zona Norte.
— Elas foram para casas de parentes e algumas alugaram casas. Sexta-feira passada (dia 17), deslocamos 20 pessoas para o Araguaia (escola próxima). Na segunda-feira (20), as últimas quatro famílias foram para casas de aluguel que conseguimos a um custo baixo e sem contrato. Fechamos para concentrar em um abrigo, pois aqui a academia é privada e assim conseguiríamos voltar a funcionar — afirma Lucas da Silva Cardoso, proprietário da academia e coordenador do espaço.
Depois que o abrigo fechou, a rotina do estabelecimento foi retomada, mas o grupo também esteve presente na instituição de ensino citada antes, a Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Araguaia, no bairro Aberta dos Morros. Cardoso diz que a escola está à disposição caso seja preciso receber pessoas.
— Tivemos atividades todos os dias, galeto solidário, cinema com pizza, bolo de aniversário do mês. Foi leve, com muito cuidado e carinho com os abrigados — pontua.