Em uma nova projeção emitida nesta sexta-feira (24), hidrólogos da UFRGS estimam que o Guaíba baixe ainda mais lentamente do que apontavam as previsões anteriores. Em outras palavras, a cheia do Guaíba deve durar mais tempo, o que se deve, segundo os pesquisadores, ao expressivo volume de chuvas que caiu, nesta quinta-feira (23), nas regiões Central e Norte e que chegará, nos próximos dias, à região metropolitana de Porto Alegre.
O segundo elemento que altera as projeções anteriores dos hidrólogos é o comportamento do vento, que sopra com força expressiva do quadrante Sul e pode se manter assim por mais alguns dias. Quando sopra de Sul, o vento atua no sentido oposto ao esvaziamento do Guaíba, ajudando a represar as águas.
A análise é produzida pelos hidrólogos Fernando Fan, Rodrigo Paiva e Matheus Sampaio (leia abaixo a íntegra) do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS.
Nos comunicados, os hidrólogos consideram os dados oficiais de medição do nível do Guaíba e da cota de inundação do lado (isto é, a partir de qual nível as águas transbordam e invadem o piso do Cais Mauá, no centro de Porto Alegre). Ambos os dados são de responsabilidade do governo do Estado, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema).
Cota de inundação atual é incerta
A medição do Guaíba, historicamente, é feita pelo governo do Estado, dentro do lago, na área mais central do Cais Mauá. Essa estação de medição é nomeada no sistema de divulgação como Cais Mauá – C6.
Essa estação foi destruída pelo avanço das águas em 2 de maio, deixando o monitoramento do Guaíba às escuras. Emergencialmente, equipes do governo do Estado – com a ajuda de técnicos do Serviço Geológico do Brasil (SGB) – instalaram, no dia 3 de maio, uma nova estação de medição do nível do Guaíba em outro ponto.
O novo local de aferição fica no Cais do Porto, nas proximidades do Gasômetro, a cerca de 2,5 quilômetros da estação anterior. Apesar da alteração de equipamento e de local, a estação seguiu sendo nomeada como Cais Mauá – C6 e os seus dados continuaram sendo divulgados na mesma série histórica.
Durante a instalação da nova régua, as equipes do governo do Estado tentaram manter o nivelamento do novo equipamento com o antigo, para a manutenção da série histórica. Contudo, segundo avaliação preliminar de hidrólogos do IPH (veja íntegra da nota abaixo), o comportamento do Guaíba naquele momento crítico gerou expressiva inclinação das águas, dificultando o processo de nivelamento e fazendo com que a nova régua acabasse fundada em outro nível.
Os dados produzidos pela nova estação são considerados, até aqui, confiáveis pelos hidrólogos do IPH. Isto é, no local e nas condições em que foi instalada, a nova régua mede corretamente o nível do Guaíba. Contudo, em se confirmando a diferença de nivelamento da nova régua, tais medições não podem imediatamente ser comparadas com os dados históricos produzidos pela antiga estação de medição.
Em se confirmando essa diferença de nivelamento da nova estação, também será preciso considerar uma nova cota de inundação, isto é, um ponto na nova régua que expresse o momento em que as águas do Guaíba extrapolam os limites e avançam sobre a cidade. O que já se sabe, segundo os hidrólogos do IPH, é que, considerando a nova estação de medição, a cota de inundação está em um ponto mais elevado da régua.
“Isso significa que o patamar de 3m adotado (antigamente) como referência de cota de inundação no ponto de medição original do Cais Mauá corresponde a um valor mais elevado no ponto da nova régua instalada e oficialmente usada”, diz trecho da nota técnica assinada por hidrólogos da UFRGS.
Assim, pelo sistema atual de medição, o Guaíba voltará ao seu curso no centro de Porto Alegre mesmo que a régua mostre o nível do lago acima dos 3m. A nova cota de inundação ainda é desconhecida.
Outro efeito esperado de uma eventual reavaliação dos dados produzidos na nova estação é de que o pico da atual cheia fique abaixo do inicialmente aferido, se se considerar o antigo nível de referência.
Em nota emitida na quinta-feira (24), o governo do Estado indica que deve haver “necessidade de ajustes futuros” e que a cota máxima do nível do Guaíba durante esta enchente deverá ser reavaliada, "quando houver condições técnicas para isso".
"A medida emergencial buscou garantir dados de referência sobre o comportamento do curso hídrico, diante da inoperância da histórica estação oficial localizada no Cais Mauá, nas proximidades da estação rodoviária."
Nota técnica de hidrólogos do IPH sobre a medição do Guaíba
"Nota Técnica
Instituto de Pesquisas Hidráulicas - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
23/05/2024
Rodrigo Paiva, Fernando Fan, Matheus Sampaio, Fernando Dornelles, Joel Goldenfum, Leonardo Laipelt, Alfonso Risso
Sobre a referência de níveis d´água no monitoramento do Guaíba.
Conforme a nota da SEMA divulgada em 23/05/2024, durante a cheia de maio de 2024 foi necessária instalação de nova régua e sensor de medição de níveis. O sensor parou de funcionar às 23h de 02/05 (quinta-feira), foi instalada a régua em 03/05 (sexta-feira), e instalado o novo sensor automático no dia 04/05 sábado por parte das equipes da SEMA e SGB em outro local. Neste dia, o Guaíba apresentava rápida elevação de níveis. A nova medição foi instalada a uma distância de aproximadamente 2,5 km ao sul da referência anterior. Neste procedimento, foi considerado o nível d´água horizontal do Guaíba, de forma que a nova régua e sensor indicassem o mesmo nível de aproximadamente 4,58 m do ponto original no momento da sua instalação. Esta escolha foi adequada considerando as informações disponíveis, a urgência de reestabelecer o monitoramento, além do fato do Guaíba apresentar baixa declividade na maior parte do tempo, seja durante os períodos de águas baixas ou nas cheias comuns conhecidas até então, que são menores e graduais. Entretanto, a cheia de maio de 2024 se revelou como um evento sem precedentes, com comportamento até então desconhecido, com grande elevação de níveis em um curto intervalo de tempo (2 dias). Conforme análises com o modelo matemático que está sendo utilizado pelo IPH/UFRGS para as previsões de níveis do Guaíba, durante a elevação e o pico do Guaíba, a declividade da linha d´água nesta região pode ter sido da ordem de 15 2/2 cm/km. Consequentemente, houve diferença de níveis entre esses locais no momento da instalação da nova régua (Figura 1).
Impacto nas previsões: Esta possível diferença na referência de níveis, possivelmente causada por essas razões hidrodinâmicas, a rigor não afeta o resultado das previsões emitidas pelo IPH/UFRGS. A cada rodada do modelo de previsão é adotada a referência oficial da SEMA/SGB/ANA atual fornecida, e, até então, todas as variações relativas de subida e descida do Guaíba foram bem representadas. Se eventual consistência dos dados pelos órgãos oficiais (SEMA/SGB/ANA) confirmar alguma diferença entre o referencial no local original do Cais Mauá C6 e o sensor novo oficialmente usado, a notícia seria ao final positiva. Isso significa que o patamar de 3,00 m adotado como referência de cota de inundação no ponto de medição original do Cais Mauá corresponde a um valor mais elevado no ponto da nova régua instalada e oficialmente usada.
Por fim, os referenciais e observações de nível deverão ser avaliados, revisados e consistidos cuidadosamente pelas equipes responsáveis durante o pós-evento, bem como confirmação do nível máximo da cheia."
Nota emitida pelo governo do Estado
"Estação emergencial de monitoramento é referência para comportamento do Guaíba
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), com auxílio do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), instalou, no início de maio, uma estação emergencial de monitoramento do nível do Lago Guaíba junto à Usina do Gasômetro, em Porto Alegre. A medida emergencial buscou garantir dados de referência sobre o comportamento do curso hídrico, diante da inoperância da histórica estação oficial localizada no Cais Mauá, nas proximidades da estação rodoviária.
Em 3 de maio, uma régua própria para esse tipo de medição foi posicionada onde o acesso era possível em meio à cheia, por profissionais do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS) do Estado e por técnicos do SGB.
O DRHS explica que a utilização de réguas manuais está prevista em casos emergenciais ou em pontos onde não há telemetria. Entretanto, o departamento alerta que o uso de recursos caseiros (trena, fita métrica etc.) para medir níveis de rios, sem um estudo técnico ou sem a atuação de um profissional capacitado, não é uma prática aceita como parâmetro para qualquer tipo de aferição.
Para fins de transparência, a metodologia adotada pelo corpo técnico está descrita e apresentada juntamente com os dados disponibilizados. O monitoramento emergencial tem sido acompanhado por profissionais da Sala de Situação do Estado e por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que emitem previsões a partir de modelos matemáticos.
Na quinta-feira (23/5), pesquisadores da universidade emitiram uma nota afirmando que uma possível diferença na referência de níveis não afeta o resultado das previsões emitidas pelo IPH/UFRGS e acrescentaram que, a cada rodada do modelo de previsão, é adotada a referência oficial atual da Sema, do SGB e da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Segundo os pesquisadores, todas as variações relativas de subida e descida do Guaíba foram bem representadas.
Ainda que haja necessidade de ajustes futuros, o que é comum em hidrologia, inclusive com respaldo da literatura da área, as medições emergenciais na Usina do Gasômetro não impediram a adequada atuação das estruturas de resposta e disparo de alertas à sociedade, uma vez que a cota de inundação, fixada em 3 metros na estação histórica do Cais Mauá, já havia sido superada antes mesmo da instalação do ponto emergencial de monitoramento.
Para fins de registro histórico, a cota máxima do nível do Guaíba deverá ser avaliada detalhadamente quando houver condições técnicas para isso."
Boletim emitido pelo IPH nesta sexta-feira (24)
"Previsões atualizadas de níveis d´água no Guaíba (sexta-feira 24/05/24 12h).
RESUMO: Os cenários de previsão indicam cheia duradoura, com manutenção dos níveis elevados nos próximos dias. Os níveis do Guaíba devem oscilar em torno da marca dos 4 m. Devem ocorrer elevações dos níveis do Guaíba pelos ventos previstos e manutenção dos patamares dos níveis em função das chuvas que já aconteceram nesta semana e chuvas previstas na próxima semana, prolongando a cheia.
Níveis recentes
O Guaíba apresenta níveis elevados em torno de 3,98 m (12:00). O pico registrado até o momento ocorreu no dia 05/05 em torno de 5,35 m. Iniciou recessão lenta em 08/05 até 4,56 m no 11/05 (sábado). Apresentou repique com maior elevação dia 14/05 (terça-feira retrasada) superando 5,2 m. Apresentou redução lenta desde então, com episódios de represamento da ordem de 10 cm pelo vento sul, estabilização desde a quarta-feira com pequenas variações ontem devido à ventos e chuva forte na RMPA.
A principal preocupação do momento é como será a descida, duração em níveis elevados e potencial subida, devido ao vento forte de hoje e a resposta a precipitação ocorrida esta semana na bacia.
Observações hidrológicas e previsão meteorológica
Após o repique da semana passada os rios afluentes ao Guaíba apresentavam redução dos níveis, sendo os baixos Taquari e Cai já em recessão em níveis moderados a baixos, e Sinos e Jacuí elevados a moderados com redução lenta. Desde terça-feira houve elevado acumulado de precipitação, chegando a mais de 100 mm no sul do RS principalmente quarta. Na quinta-feira ocorreu forte chuva na região central do RS pegando a bacia do Jacuí e na RMPA causando alagamentos. Esta chuva causou nova elevação nos rios Jacuí, baixo Taquari, Sinos e Gravataí. Previsão de até 30 mm nas próximas 24 h em partes do estado, e até 70 mm devido a nova chuva entre segunda e terça feira na parte leste.
Previsão de vento sul forte hoje à tarde/noite chegando a mais de 50 km/h, persistindo moderado no final de semana.
Previsão de níveis
Considerando todas as incertezas envolvidas e com base em análise das observações até momento, foram desenvolvidos novos cenários de previsão.
Os cenários de previsão indicam cheia duradoura, com manutenção dos níveis elevados nos próximos dias. Os níveis do Guaíba devem oscilar em torno da marca dos 4 m. Devem ocorrer elevações dos níveis do Guaíba pelos ventos previstos e manutenção dos patamares dos níveis em função das chuvas que já aconteceram nesta semana e chuvas previstas na próxima semana, prolongando a cheia.
Recomendações
Considerando a elevada duração prevista e possibilidade de novas elevações, recomenda-se atenção a possibilidade de retorno das águas em regiões recentemente drenadas; atenção especial a população afetada; e ações imediatas para manutenção das infraestruturas e serviços essenciais como o saneamento básico.
*Fonte: Estas previsões são desenvolvidas voluntariamente pelo Instituto de Pesquisa Hidráulicas (IPH) da UFRGS, em colaboração com a RHAMA Analysis, com base na combinação de observações de chuva e vazão dos rios, modelo de previsão meteorológica, hidrológica e hidrodinâmica. Estas previsões foram elaboradas sob a liderança dos Professores Fernando Fan e Rodrigo Paiva e pelo Eng. Matheus Sampaio (mestrando no IPH/UFRGS e engenheiro da Rhama Analysis). 24/05/2024, 12h."