Com ruas ainda tomadas pela água em meio a três semanas de uma enchente que marca o Rio Grande do Sul, moradores dos bairros da zona norte de Porto Alegre convivem com a dor e o drama da indefinição quanto à volta para suas casas e comércios.
É que com a chuva de quinta-feira (23) e desta sexta (24), a limpeza que havia sido iniciada durante a semana foi deixada de lado por conta da elevação do nível da água. Com a subida do Guaíba, houve aumento de pelo menos 20 centímetros dos bairros Humaitá, Vila Farrapos, Sarandi, Anchieta, além de locais que compõe a região do Quarto Distrito nesta sexta.
Ao longo dos dois dias, autoridades que monitoram o entorno dos bairros apontaram uma elevação de mais de 40 centímetros. Com isso, o retorno para casa, além da limpeza dos locais, foi deixado de lado.
Morador da Vila Elizabeth, no bairro Sarandi, Leonardo Medeiros, 38 anos, parou com a retomada dos cuidados com a casa por conta da subida da água na região.
— É um cenário desolador. Eu cheguei a brincar na região do dique quando era criança. É uma comunidade muito grande que foi afetada. É triste, mas não só por mim. É uma dureza ver o que os vizinhos e o pessoal das redondezas está passando. Assusta ver o cenário em que a situação chegou — lamenta.
Humaitá e Vila Farrapos tem a maior elevação
Nos bairros Humaitá e Vila Farrapos, a alegação dos moradores é de abandono por parte do Poder Público. Há três semanas, algumas famílias sequer deixaram suas residências. Outras, quando o nível da água diminuiu, retornaram. Porém, com a chuva de quinta e sexta-feira, a preocupação tomou conta outra vez. O nível da água subiu mais de 40 centímetros nos bairros na soma dos dois dias.
Nas proximidades, a comporta de proteção contra as cheias de número 11, que fica na Avenida Voluntários da Pátria com a São Pedro, não foi fechada. De acordo com o Dmae, o fechamento ainda não foi projetado, uma vez que a abertura está viabilizando o escoamento da água destas localidades.
Nos dois bairros, apenas uma das duas Estações de Bombeamento de Água Pluvial (Ebap) está ligada. É a de número 5, que fica no Humaitá. Esta é a casa de bombas que deveria proteger a Arena do Grêmio, uma das localidades mais afetadas na região.
Na Vila Farrapos, está localizada a Ebap 8, considerada de menor porte pelo Dmae. Segundo a autarquia, ela ainda está submersa, mas auxilia no escoamento da água da chuva destas regiões em direção ao Guaíba.
Lixo acumulado toma conta de ruas do Quarto Distrito
Em pontos dos bairros Navegantes, São Geraldo e São João, onde a água baixou no começo da semana, moradores e comerciantes descartaram materiais perdidos por conta da enchente. O cenário é de abandono.
Em meio a falta de energia elétrica em trechos de avenidas, há milhares de resíduos descartados nas esquinas, como na Avenida São Pedro, no cruzamento com a Santos Dumont. A luz foi religada no começo da noite nesta localidade, que ainda tem pontos inacessíveis.
Com a chuva, a água voltou a subir, o que fez com que os materiais descartados, entre colchões, camas, poltronas, mesas e cadeiras, invadissem as vias. Diante do cenário, funcionários da Cootrapiva, empresa terceirizada responsável pela limpeza da cidade, reiniciaram a ação em alguns pontos.
— Não era fácil com a água baixando e agora vamos limpar tudo outra vez. Essa água da chuva de hoje piorou ainda mais — disse um dos guris que estava trabalhando no Quarto Distrito.
No bairro Navegantes, próximo a Estação Farrapos, equipes da Brigada Militar realizam patrulhamentos para monitorar a entrada de pessoas de fora da região. O objetivo, segundo o órgão, é viabilizar a entrada de pessoas que residem ou trabalham no bairro, mas não significa proibir o acesso de populares de outros locais.
No bairro, o nível da água subiu menos em alguns pontos, mas também houve redução em localidades mais afetadas. Porém, próximo do acesso ao Humaitá, o cenário ainda é de preocupação, diante do impacto no bairro vizinho, ainda tomado pela enchente.
No bairro Anchieta, além das Estações de Bombeamento que não estão funcionando na região, principalmente na região do aeroporto Internacional Salgado Filho, há locais em que o nível da água está acima dos dois metros de altura.
Dique extravasa
Outro problema enfrentado por moradores e comerciantes da Zona Norte nesta sexta-feira foi o extravasamento do dique da Fiergs, no bairro Sarandi, em dois pontos.
A estrutura, que age como uma contenção das águas que vem do Rio Gravataí e do Arroio Feijó, já havia transbordado no começo das cheias. Em razão disso, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb) havia realizado o serviço de reparos na estrutura. Com a volta da chuva e o aumento do Guaíba, porém, o dique voltou a apresentar problemas.
Trecho de asfalto que cedeu não causa risco a moradores
A reportagem de GZH voltou a Avenida Sarandi, no cruzamento com a General Raphael Zippin, nesta sexta-feira, para saber como está a situação de parte da avenida e do talude do Arroio das Pedras, que cederam na tarde de quinta (21). A reportagem também conversou com agentes da Defesa Civil que monitoram a situação.
O trecho foi isolado com lona e pedras, mas não causa risco aos moradores, de acordo com os representantes do órgão. Contudo, uma equipe técnica do Dmae irá ao local nos próximos dias para fazer uma nova análise da estrutura.
Algumas famílias haviam deixado o local temendo um agravamento da situação. O trecho que cedeu tem aproximadamente seis metros de comprimento. Há desvio de trânsito na região, devido a interdição da avenida no sentido Centro-bairro.
Também no bairro, a prefeitura de Porto Alegre deu início às obras de um corredor de acesso à Capital, na Avenida Assis Brasil. O caminho será prioritário para veículos emergenciais. Na região, a água subiu, dificultando até mesmo a circulação de caminhões.