Ilma Brum
Diretora do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da UFRGS
Naira Maria Balzaretti
Diretora do Instituto de Física da UFRGS
Vladimir Pinheiro do Nascimento
Diretor da Faculdade de Veterinária (Favet) da UFRGS
O Rio Grande do Sul está passando pela maior crise humanitária de sua história, reflexo da crise climática global. Até o momento em que escrevemos este texto, havia 155 mortes confirmadas, 541 mil pessoas fora de casa, outras 89 desaparecidas. Milhares de famílias estão mergulhadas na dor e no sofrimento causados por suas perdas afetivas e materiais. A sociedade gaúcha tem respondido a esta catástrofe com uma onda de solidariedade e resiliência. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) participa ativamente desse movimento.
Como um dos exemplos, entre muitos, destacamos a utilização da Escola de Educação Física Fisioterapia e Dança (Esefid), que na madrugada de 4 de maio abriu suas portas para as primeiras pessoas resgatadas da inundação que tomara conta de Porto Alegre durante a noite. Quando chegamos à Esefid, às 6h30min daquele sábado, já havia cerca de 200 pessoas esperando, as roupas encharcadas, sem nada nas mãos. Em poucas horas, o abrigo já acolhia 600 pessoas, recebia doações, servidores e estudantes chegavam para trabalho voluntário. Desde então, profissionais e estudantes, atuando como voluntários, em conjunto com a prefeitura municipal, garantem a alimentação e o acesso às condições mínimas de conforto físico e psicológico aos abrigados. A Faculdade de Veterinária atendeu até agora 596 animais de diferentes espécies, socorridos das áreas inundadas – 70 estão abrigados na Esefid. Áreas técnicas de engenharia, hidrologia, geologia, geografia, meteorologia, arquitetura e urbanismo, economia, medicina, psicologia, serviço social e tantas outras apoiam governos e alimentam o debate público com informações seguras, análises científicas e sugestões de políticas públicas para a reconstrução.
A imprensa e a sociedade reconhecem esse esforço. Nossos especialistas são fontes essenciais de informações confiáveis neste momento de crise. Veículos da imprensa local e nacional de grande repercussão acompanham e divulgam a nossa parcela de contribuição. O mesmo ocorreu quando da pandemia da covid-19. A UFRGS defendeu a ciência e seu bom uso, a vacinação, o distanciamento social, desenvolveu pesquisas e, dentre outras ações, garantiu a realização de testes diagnósticos para milhares de pessoas em um momento crítico, quando a capacidade do Estado estava esgotada.
Tudo isso é feito com escassos recursos humanos, verba para despesas correntes e de capital em queda constante. Os dados do Painel do Orçamento Federal, corrigidos para preços médios de 2023, nos indicam que, entre 2014 e 2023, o orçamento de custeio e capital (OCC) da UFRGS reduziu em 41%. A parte de investimentos (equipamentos e infraestrutura) reduziu 81%. Chegamos em 2023 com investimentos por aluno de graduação e de pós-graduação da ordem de R$ 378/ano, o que não permite a manutenção e atualização da infraestrutura. Em termos de custeio, tivemos R$ 5,8 mil/discente/ano em 2023, muito abaixo dos R$ 9 mil/discente/ano de 2014. A infraestrutura da UFRGS foi submetida a uma profunda depreciação por falta de recursos orçamentários. Sem custeio adequado, o apoio à permanência de estudantes de menor renda torna-se um desafio ainda mais complexo.
O governo federal tem demonstrado enorme sensibilidade para com o RS, com a adoção de medidas efetivas de apoio financeiro. É imprescindível que, no âmbito desse conjunto de ações, se recupere a capacidade plena de atuação das instituições públicas federais existentes no estado, algumas delas com estruturas destruídas pelas enchentes. O Estado precisa dessas instituições atuando no atendimento das diversas demandas da sociedade, tanto as de curtíssimo prazo, de ajuda humanitária, como em suas atividades finalísticas de ensino, pesquisa e extensão, contribuindo para o planejamento preventivo ou mitigação dos efeitos causados por grandes emergências, sejam elas climáticas ou sanitárias.
O povo brasileiro e o governo federal estenderam sua mão solidária aos gaúchos. Reconhecemos e agradecemos cada doação, cada palavra de conforto, cada ação governamental. Esses gestos jamais serão esquecidos. Apelamos ao governo federal para que olhe com redobrada atenção às universidades federais do Rio Grande do Sul e fortaleça seus orçamentos de custeio e capital. Sua revitalização será peça-chave para a reconstrução do Estado.