Por coincidência, dois filmes cotados ao Oscar estreiam nesta sexta-feira (22) diretamente no streaming: Blitz (2024), na plataforma Apple TV+, e Piano de Família (The Piano Lesson, 2024), na Netflix.
Por coincidência, ambos são filmes de época e quase contemporâneos. Blitz está ambientado na Londres de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, quando a capital do Reino Unido sofreu sucessivos bombardeios aéreos da Alemanha nazista. Piano de Familia se passa na cidade estadunidense de Pittsburgh de 1936, após a Grande Depressão.
Por coincidência, os dois títulos são dirigidos por cineastas negros e abordam o racismo.
Blitz é o sexto longa-metragem do britânico Steve McQueen, que recebeu o Oscar de melhor filme por 12 Anos de Escravidão (2013) e também tem no currículo os intensos Fome (2008) e Shame (2011) e a antologia para TV Small Axe (2020). Ele mesmo escreveu o roteiro do novo trabalho, que começa contextualizando, em um letreiro, a situação dramática dos britânicos. Os ataques aéreos alemães mataram cerca de 43 mil pessoas, destruíram casas, edifícios, igrejas, fábricas e portos e forçaram a evacuar para o interior 1,25 milhão de moradores das grandes cidades — mais da metade eram crianças.
A trama acompanha a jornada de George, um menino londrino de nove anos interpretado pelo estreante e promissor Elliott Heffernan. Ele é filho da operária Rita, papel de Saoirse Ronan, indicada ao Oscar de melhor atriz por Brooklyn (2015), Lady Bird (2017) e Adoráveis Mulheres (2019) e concorrente como coadjuvante por Desejo e Reparação (2007). E neto do amável Gerald, personagem pianista vivido pelo músico Paul Weller.
George é uma das tantas crianças apartadas da família em nome de proteção. Durante a viagem de trem, ele decide fugir e retornar para seu lar, o que desencadeia uma odisseia repleta de desafios e perigos. Ao mesmo tempo, Rita partirá em busca do filho. Essa mistura de reconstituição histórica, drama familiar e aventura mirim é pontuada por flashbacks que dão conta, por exemplo, do racismo enfrentado pelo guri — seu pai, egresso do Caribe, era negro. A questão do preconceito aparece também em um abrigo subterrâneo, onde um casal branco quer segregar uma família de origem indiana. O conflito gera um poderoso e atemporal monólogo do guarda nigeriano Ife (Benjamin Clementine, visto em Duna):
— Senhor, não existe segregação aqui. Nós somos todos habitantes iguais deste país, querendo ou não. Isso é exatamente o que Hitler está fazendo: dividindo homem contra homem e raça contra raça. Nós estamos em uma situação de guerra, unidos, solicitados a fazer o nosso melhor, e eu gostaria de pensar que estamos à altura da ocasião e vemos nossos semelhantes como iguais, e que tratamos uns aos outros com compaixão e respeito.
Piano de Familia é o primeiro longa-metragem do estadunidense Malcolm Washington, um dos quatro filhos do astro Denzel Washington — o mais velho deles, John David Washington (de Tenet e Resistência), protagoniza o filme. Trata-se da adaptação de uma peça escrita em 1987 por August Wilson (1945-2005), dramaturgo levado ao cinema em Um Limite Entre Nós (2016) e A Voz Suprema do Blues (2020).
A trama se concentra na casa de Doaker Charles (encarnado por Samuel L. Jackson), onde um piano decorado com figuras esculpidas por um antepassado escravizado vira ponto de discórdia entre Boy Willie (papel de John David Washington) e sua irmã, Berniece (Danielle Deadwyler, injustamente esnobada pelo Oscar na temporada de Till: A Busca por Justiça). Ele quer vender para comprar um terreno, ela quer preservar a herença familiar.
Na corrida pelas indicações ao Oscar, Blitz está mais bem posicionado — aliás, é um pecado que um filme tão requintado na combinação de imagem e som seja confinado às salas de casa: merecia a tela grande e a experiência imersiva dos cinemas.
Nas apostas do site Hollywood Reporter, ocupa a 14ª colocação na lista dos possíveis 10 competidores ao prêmio de melhor filme, enquanto Piano de Família sequer é citado — e, de fato, é uma obra um tanto arrastada que carece do impacto e da dramaticidade do título assinado por Steve McQueen (cotado para a categoria de roteiro original, embora não seja um favorito). Blitz também é dado como certo nos prognósticos da Variety, enquanto o longa de Malcolm Washington figura apenas entre possíveis surpresas, e no fim dessa relação.
Porém, na categoria de atriz coadjuvante, Danielle Deadwyler é uma candidata com boas chances de receber uma indicação — aparece na sétima posição, três acima de Saoirse Ronan. John David Washington corre bem por fora para figurar no Oscar de melhor ator, assim como o roteiro adaptado por Malcolm Washington e Virgil Williams.
Blitz pode emplacar indicações aos prêmios técnicos, em especial fotografia (de Yorick Le Saux), design de produção (Anna Pinnock e Adam Stockhausen), efeitos visuais, figurinos (Jacqueline Durran) e trilha sonora (Hans Zimmer, surpreendendo e assombrando), categoria em que Piano de Família, com Alexandre Desplat, também é uma aposta.
É assinante mas ainda não recebe minha carta semanal exclusiva? Clique aqui e se inscreva na newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano