Está previsto para entrar no menu da plataforma Max nesta sexta-feira (27) Sede Assassina (To Catch a Killer, 2023), o primeiro filme feito na América do Norte pelo diretor argentino Damián Szifron, o mesmo de Relatos Selvagens (2014). Também foi seu primeiro longa-metragem desde a comédia macabra que concorreu ao Oscar internacional, ganhou da Academia Britânica o Bafta de produção em língua não inglesa e tornou-se um fenômeno de público — na capital gaúcha, por exemplo, virou o recordista de semanas em exibição (37) no saudoso Cine Guion.
Sede Assassina foi filmado em Montreal, no Canadá, mas a trama escrita pelo cineasta argentino com o roteirista estadunidense Jonathan Wakeham se passa em Baltimore, no Estado de Maryland, nos EUA, estatisticamente uma das cidades mais violentas do mundo. É lá que, na impressionante sequência de abertura, 29 pessoas são mortas por um atirador durante diferentes comemorações de Ano-Novo — o matador aproveitava o estouro dos fogos de artifício para disfarçar seus disparos.
Não sabemos quem é o assassino, nem a polícia dispõe de muitas pistas, pois, como afirma o investigador-chefe do FBI (a polícia federal estadunidense), Lammark, esse assassino em massa contraria o senso comum: ele não quer ser capturado, tampouco reflete em suas vítimas suas motivações ideológicas, religiosas, sexuais, racistas etc. Lammark é interpretado com a intensidade e o estranho carisma característicos do ator australiano Ben Mendelsohn, vencedor do Emmy de coadjuvante pela série Bloodline (2015-2017), que aqui deixa de lado seus personagens perturbados, marginais ou vilanescos — vide Reino Animal (2010), O Homem da Máfia (2012) e Rogue One: Uma Aventura Star Wars (2016), além do já citado seriado.
Para ajudar na investigação, Lammark terá a seu lado o agente Jack Mackenzie (o inglês Jovan Adepo, indicado ao Emmy de coadjuvante pela minissérie Watchmen e presente no elenco de Babilônia) e, principalmente, a policial de Baltimore Eleanor, vivida pela estadunidense Shailene Woodley, de A Culpa É das Estrelas (2014) e A Última Carta de Amor (2021). Graças às nuances da interpretação da atriz — ok, e também a alguns diálogos mais expositivos —, o público percebe que Eleanor pode ser a melhor ou a pior pessoa para a missão.
Como de hábito no gênero, o trio enfrentará desafios extras, desde as pistas falsas até a exploração política do caso, e algumas ações do final desafiam a lógica narrativa. Mas Sede Assassina reúne elementos suficientes para envolver o espectador o tempo todo.
Os ângulos inusitados da direção de fotografia assinada pelo argentino Javier Julia (de Relatos Selvagens e Argentina, 1985) são realçados pela edição cadenciada do próprio Damián Szifron, que costumeiramente quebra expectativas, e combinam muito bem com a trilha sonora de Carter Burwell.
A exemplo do que vimos no seu título indicado ao Oscar internacional, o cineasta é um hábil diretor de elenco e sabe auscultar as entranhas da sociedade, trazendo à tona nossa dificuldade ou mesmo relutância em conviver — tanto uns com os outros quanto com a natureza —, em tolerar, em exercer a empatia. Não à toa, filma as frias ruas das metrópoles e os impessoais corredores dos shopping centers. Esses cenários também permitem a Szifron comentar sobre fissuras do american way of life. Os restos de comida observados em uma praça de alimentação, por exemplo, não deixam de ser um símbolo do consumismo que faz apodrecer. E ao mesmo tempo em que faz um filme sobre a caçada policial a um assassino em massa, o diretor argentino não deixa de apontar a espetacularização da violência e a banalização da morte: por que queremos tanto sangue?
É assinante mas ainda não recebe a minha carta semanal exclusiva? Clique AQUI e se inscreva na minha newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano