A distribuidora brasileira chutou o balde no momento de traduzir o título, mas até que dá para encontrar uma leitura sociopolítica em Hora do Massacre (Wake Up, 2023), filme de terror lançado nos cinemas nesta quinta-feira (18).
Trata-se do quarto longa-metragem dos canadenses François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell, que assinam seus trabalhos sob a sigla RKSS, de Road Kill Superstars. Entre os anteriores, está Verão de 84 (2018), em que um grupo de adolescentes começa a suspeitar que um policial local seja um assassino serial. Em Hora do Massacre, seus personagens são um pouco mais velhos: Ethan (Benny O. Arthur), Yasmin (Jacqueline Moré), Grace (Alessia Yoko Fontana), Tyler (Kyle Scudder), Emily (Charlotte Stoiber) e Karim (Tom Gould) formam uma turma de jovens ativistas. E, em vez de um agente da lei, a ameaça será um segurança, Kevin, papel do norte-irlandês Turlough Convery, visto em Saint Maud (2019).
O alvo dos jovens é uma gigantesca loja de móveis, a House Idea (uma alusão à multinacional sueca Ikea). Eles planejam se esconder no local para, durante a noite, após o fechamento comercial, grafitar slogans nas paredes, jogar tinta nos armários, espalhar carne pelas camas. Com o rosto coberto por máscaras animais, os ativistas vão gravar o protesto e postar nas redes sociais com a esperança de o vídeo se tornar viral: o "acorde" do título em inglês desprezado no Brasil pela Imagem Filmes é um pedido para as pessoas pararem de comprar na House Idea, que estaria destruindo a Floresta Amazônica para obter a madeira usada como matéria-prima de seus produtos.
— Agora, os animais estão se vingando — diz Yasmin.
O problema é que do outro lado há justamente um caçador. Como uma das cenas iniciais mostra, Kevin é obcecado por caça primitiva.
Temos pela frente, portanto, um sangrento jogo de gato e rato, no qual o espectador é a maior vítima. Tanto pela previsibilidade da trama quanto pela mistura de espetacularização e banalização da morte. Ainda que alguns diálogos reflitam o conflito geracional e a oposição ideológica dos personagens (millennials ambientalistas versus incel de extrema direita), e ainda que se possa enxergar na situação uma crítica ao "capitalismo que faz de todos predadores e presas", como escreveu o australiano Anton Bitel no site Projected Figures, o que Hora do Massacre oferece é uma hora de massacre (descontados os minutos de preparação). É o que se chama, no terror, de slasher, subgênero marcado por psicopatas assassinos que perseguem adolescentes e jovens, como o Leatherface de O Massacre da Serra Elétrica, o Michael Myers de Halloween e o Jason de Sexta-Feira 13. Não raro, esses filmes exploram o sadismo do público: "torcemos" mais para os vilões, ao ponto da idolatria.
No caso de Hora do Massacre, o trio RKSS força ainda mais a "identificação" com o maníaco. Primeiro porque, numa subversão do slasher, não é o monstro que usa máscara, mas as vítimas. Além de ter um rosto humano, o personagem de Turlough Convery exibe algumas fragilidades, enquanto a maior parte do grupo de ativistas exala arrogância, antipatia e outros traços desabonadores que aumentam sua "descartabilidade". E, no fundo, o que Kevin quer é simplesmente manter o emprego. Nem que para isso tenha de lançar mão de métodos arcaicos de armadilha, captura e perfuração do corpo.