Apareceu dias atrás na plataforma Looke um filme russo que foi exibido em Porto Alegre no Fantaspoa de 2022 com o título de Rasgue e Jogue Fora. Para seu lançamento no streaming, Otorvi i Vybros (2021) ganhou um nome um tanto apelativo e bastante genérico — surfando na memória afetiva de uma popular comédia hollywoodiana dos anos 1990 —, mas pelo menos honesto em relação à trama escrita e dirigida por Kirill Sokolov: Quem Vai Ficar com Masha?.
Nascido em 1989, Sokolov tem uma formação nada usual para um cineasta: é mestre em Física e em Tecnologia em Nanoestruturas. Começou a fazer curtas por hobby, até decidir lançar seu primeiro longa-metragem, Por que Você Não Morre? (Papa, Sdokhni, 2018, também conhecido como Morra!). É uma mistura de suspense, comédia e violência, em que, diz a sinopse, "Andrei, um detetive e o pai mais horrível do mundo, reúne em seu apartamento um grupo terrível de pessoas: sua filha atriz, um bandido furioso e um policial iludido. Cada um tem um motivo para querer vingança".
Por que Você Não Morre? valeu a Sokolov o prêmio de melhor direção no Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre de 2019. Três anos depois, o russo reprisou essa conquista com Quem Vai Ficar com Masha?.
Trata-se de outro filme em que tensão, riso e sangue se equilibram. A radiante Viktoriya Korotkova interpreta Olga, que, após passar quatro anos na prisão, busca um recomeço. Antes de mais nada, ela quer pegar de volta sua filha, Masha (Sofya Krugova, um pequeno arraso), que estava aos cuidados da avó materna, Vera (Anna Mikhalkova). Mas a vovó não acha isso uma boa ideia, e vai tentar convencer Oleg (Aleksandr Yatsenko), ex-marido de Olga, a impedir que mãe e filha fiquem juntas.
Parece a trama de um dramalhão sofrido, mas sob o olhar e as mãos de Sokolov o filme se revela uma espécie de adaptação dos clássicos desenhos animados de Tom & Jerry, do Papa-Léguas e do Pica-Pau, entre outros personagens. A violência corre solta, só que ninguém morre. Em vários momentos, a brutalidade chega a ser cartunesca. Contribui para a pegada humorística o figurino brega-chique, que inclui um tapa-olho.
O que não significa que Quem Vai Ficar com Masha? seja infantil ou bobo. Além de extremamente bem filmado (há planos que são dignos de moldura), não deixa de tecer comentários que podem ser entendidos como políticos — "Se quer mudança, vá pintar a cozinha ou algo assim", diz um personagem, em uma frase que soa como crítica irônica à perpetuação de Vladimir Putin no poder na Rússia. Se Vera e Olga, duas mães duronas, aludem à Mãe Rússia, Masha simboliza o futuro, sendo, na opinião da avó, "mais corajosa" (para confrontar o poder, por exemplo) e "mais inteligente" (para eleger políticos, quem sabe?). E o rio de sangue deságua em palavras de esperança e de paz que ficaram mais atuais em tempos de guerra entre a Rússia e a Ucrânia (a propósito: metade da família do diretor e roteirista russo é ucraniana): "Eu acredito que, nos apoiando e inspirando uns aos outros, podemos começar uma nova vida".