Há mais de 80 anos Tom persegue Jerry e fracassa. Criados por William Hanna e Joseph Barbera, o gato está correndo atrás do rato desde o curta animado Um Bichano em Maus Lençóis (1940). Gerações cresceram assistindo a cada desenho deles sabendo do inevitável desfecho, mas mesmo assim apreciando repetidas vezes cada episódio: Tom se dá mal. A dupla atravessou décadas e renovou sua linguagem (que já foi bem mais pesada) aos longos dos anos, porém mantendo aquela correria e confusão de praxe. A mais nova empreitada dos dois é Tom & Jerry: O Filme, em cartaz nos cinemas, que traz os rivais octogenários aos anos 2020.
Dirigido por Tim Story (Quarteto Fantástico e Policial em Apuros), o filme combina animação e live-action no mesmo estilo de Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988) ou Space Jam (1996). A trama começa com Jerry se mudando para Nova York. Ele procura uma moradia na cidade. Já Tom sonha em ser um pianista famoso. Os dois têm um primeiro contato no Central Park, enquanto o bichano tenta aplicar o golpe do pianista cego. Jerry se intromete e logo surge a primeira desavença.
Detalhe: ambos não falam, mas compreendemos suas intenções. A parte animada de Tom & Jerry: O Filme se limita aos bichos que aparecem em cena: pombos, gatos, cachorro, cavalo e elefante. Todos eles falam, com exceção de dupla. Durante boa parte do filme, os dois brigam constantemente e se sabotam, assim como nos desenhos clássicos. Enquanto isso, o elenco de humanos se movimenta.
Jerry arranja um cantinho em um hotel luxuoso chamado Royal Gate. É lá que trabalha a esperta Kayla, interpretada por Chloë Grace Moretz (Kick-Ass e Carrie: A Estranha). Ela conseguiu o emprego como organizadora de eventos usurpando o currículo de outra profissional mais tarimbada.
O hotel está prestes a receber um badalado e pomposo casamento, seguindo tradições indianas. Com a reputação do Royal Gate em jogo, Kayla precisa garantir que tudo seja perfeito para garantir seu trabalho. Um rato no hotel poderia ser um escândalo. Então, a jovem recorre a Tom para cumprir seu papel de perseguir Jerry — e não ser bem-sucedido.
Kayla ainda precisa lidar com Terrance (Michael Peña), um supervisor que desconfia da jovem e ficará em seu encalço. Ela também precisa dar um jeito para que Tom e Jerry não estraguem os preparativos da festa com suas pancadarias.
Contemporâneo e clássico
Em suas primeiras décadas, Tom & Jerry continha episódios controversos para uma animação que visava o público infantil, com problemas que iam de estereótipos raciais a até insinuação de suicídio (lembra da vez em que a dupla termina o desenho entristecida nos trilhos de um trem, que se aproxima de ambos?). A violência também era criticada. No filme, a linguagem é mais suavizada. Contudo, a clássica pancadaria entre gato e rato permanece.
As tretas de Tom e Jerry conseguem interagir com o cenário real — haja cortinas rasgadas e vidros quebrados. Vemos no filme algumas reprises de momentos clássicos do desenho animado: as engenhocas elaboradas para captura, briga em meio a uma nuvem de poeira, a porta minúscula da casa de Jerry que se move, entre outros exemplos.
De qualquer maneira, um dos momentos mais divertidos do filme é bem moderninho: Tom e Jerry firmam uma trégua a pedido de Kayla, e os dois vão passear por Nova York bem turistões, com direito a selfies que são publicadas em uma conta de Instagram da dupla. As fotos são impagáveis. Pelo núcleo humano, Kayla carrega consigo os anseios das gerações Z e millennial, como se sentir incapaz de realizar as atividades que tenta, enquanto vê nas redes sociais os amigos sendo bem-sucedidos. Acredite, um filme de Tom & Jerry pode ir para esse lado.
Vale lembrar que o principal público-alvo de Tom & Jerry: O Filme é o infantil, que deve se divertir com as brigas de gato e rato. Porém, os pais também podem sentir aquela nostalgia revendo momentos clássicos do desenho animado. Quem sabe desta vez o Tom não se dê bem?